Cinco pontos para entender o cenário político no Ceará após a eleição de Lula
Vitória do petista tem impactos no papel da oposição, na atuação dos eleitos para o Legislativo e no desempenho do futuro Governo Elmano
O Ceará foi o quarto estado do Brasil com maior percentual de votos válidos para o presidente eleito Lula (PT) no segundo turno da disputa presidencial. Os mais de 1,8 milhão de votos no Estado foram resultado de uma campanha que reuniu importantes lideranças cearenses, desde candidatos do PT eleitos até figuras que fizeram oposição ao ex-presidente em anos passados, como o senador Tasso Jereissati (PSDB).
A vitória apertada sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tentava a reeleição para o cargo, terá impactos para os cearenses. Desde o fortalecimento de políticas públicas de Estado fomentadas por um alinhamento ideológico entre Lula e o governador eleito, Elmano de Freitas (PT), até o saldo político, além do reequilíbrio de forças no Legislativo e com antigos aliados.
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O Diário do Nordeste mostra, em cinco pontos, as expectativas da influência política da vitória de Lula para o Ceará, segundo aliados e cientistas políticos.
Alinhamento administrativo
O governador eleito do Ceará, Elmano de Freitas, é correligionário do agora presidente eleito Lula. O alinhamento partidário e ideológico deve ter impacto na gestão estadual a partir de janeiro de 2023.
A coordenadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Monalisa Soares, destaca que a primeira mudança nesse sentido trata-se do cumprimento do pacto federativo.
"O presidente Bolsonaro não cuidou do pacto federativo. Muitas vezes os governadores, especialmente os governadores do Nordeste, que são de oposição ao Governo Bolsonaro, disseram do desafio, da dificuldade e de como o governo abandonou ou deixou a esmo (os estados)", ressalta.
Ela cita, por exemplo, o compromisso firmado por Lula de se reunir, logo nos primeiros momentos de governo, com todos os governadores brasileiros. "Elmano de Freitas, como este governo de continuidade, tem afinidades com o projeto político nacional do presidente Lula", completa.
Nesse sentido, é esperado um fortalecimento de políticas públicas no Ceará. O sociólogo Jonael Pontes concorda e acrescenta que "quando há uma confluência de políticos em cargos importantes situados no mesmo campo político (...), a principal vantagem é o trânsito facilitado de gramáticas morais que se atualizam no Executivo e no âmbito estadual", afirma.
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A implementação dessas políticas públicas recebe, inclusive, "mais adesão da sociedade", argumenta o pesquisador. Além disso, ele ressalta vantagens do ponto de vista econômico para o Ceará.
"A possibilidade de investimento em energias renováveis; retomado de políticas públicas que foram minadas nos últimos quatro anos, sobretudo programas de combate à vulnerabilidade social", afirma Pontes.
Relação com prefeitos e deputados estaduais
O saldo político da vitória do ex-presidente na disputa pelo Palácio do Planalto também é destacado pelos pesquisadores. No Ceará, Lula obteve quase 70% dos votos válidos, o que também reflete o fortalecimento de lideranças que estiveram à frente da campanha do petista no estado.
Dentre elas, Monalisa Soares destaca a "força política" de lideranças como o senador Cid Gomes (PDT) e da governadora Izolda Cela (sem partido), além do senador eleito Camilo Santana (PT). "Quem sai com o maior capital político no Ceará é o Camilo Santana. Sua trajetória política demonstra que ele nunca esteve à sombra de Ferreira Gomes", completa Jonael Pontes.
Esse fortalecimento do capital político também pode favorecer Elmano de Freitas que, a partir de 2023, assume o Governo do Ceará e terá que dialogar com os prefeitos cearenses e também com a bancada legislativa do Ceará, principalmente na Assembleia Legislativa.
"Elmano sentirá agora a força da transferência do capital político de Lula e Camilo. Se for um estrategista, poderá surgir nesse cenário mais uma referência de liderança política dos quadros do PT", projeta Pontes.
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Uma força demonstrada, inclusive, desde a campanha eleitoral. Para a campanha de Lula no Ceará neste segundo turno, foram reunidos mais de 100 prefeitos em evento no último 10 de outubro, como forma de fortalecer a candidatura do ex-presidente no Estado.
Do lado do Legislativo, Elmano conta não só com apoio dos parlamentares eleitos pelos partidos que integravam a sua aliança, como também de legendas como o PDT - mesmo após rompimento entre PT e PDT por conta de impasses eleitorais.
Diversos deputados estaduais estiveram presentes nos atos da campanha eleitoral de Lula, se engajaram na defesa da candidatura do ex-presidente e também já anunciaram que pretendem atuar para a retomada da aliança entre PT e PDT, inclusive para integrar a base de Elmano de Freitas a partir de 2023.
Legislativo federal
Em Brasília, Lula terá diante de si uma bancada legislativa cearense polarizada, dividida praticamente ao meio entre parlamentares que atuaram ativamente pela eleição do petista e, na outra metade, deputados alinhados a Jair Bolsonaro.
Entre os aliados de primeira ordem de Lula, o Ceará terá o deputado federal José Guimarães (PT), vice-presidente nacional do PT e um dos principais articuladores da campanha petista no Ceará, responsável por eleger Camilo ao Senado Federal, além de Elmano ao Governo.
O petista cearense, que estava ao lado de Lula no primeiro pronunciamento do presidente eleito, disse que a vitória é um “grito de esperança, justiça e amor pelo País”. “O povo brasileiro venceu o ódio, a mentira e a máquina financeira montada por Bolsonaro e seu clã. Dá pra acreditar que conseguimos vencer tudo isso? Sim, pois não estávamos só. Temos uns aos outros”, declarou o parlamentar cearense.
Na busca por montar a base no Legislativo, Lula também terá diante de si o desafio de atrair o PDT, que lançou a candidatura de Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno e decidiu apoiar o petista no segundo turno. No caso do Ceará, os petistas elegeram cinco parlamentares, entre eles o presidente da sigla no Ceará, que fez aceno ao petista após a vitória.
“Que seu próximo governo possa ser símbolo de união e de esperança! Agora é tempo de reconstruir caminhos de liberdade, de paz, de justiça social”, disse Figueiredo.
No caso do Senado Federal, a mudança de comando entre Lula e Bolsonaro também representa uma inversão na relação com a bancada cearense no Senado Federal. Atualmente, o presidente tem como aliado o senador Eduardo Girão (Podemos), que se autodeclara independente, apesar do alinhamento com Bolsonaro.
Agora, o parlamentar deve endossar a oposição. "Tempos difíceis nos esperam sim, mas tenho fé e esperança que sairemos mais fortes de tudo isso. Continuarei servindo – no limite de minhas forças – como senador", disse após a vitória da campanha petista.
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Já os outros dois senadores cearenses, o recém-eleito Camilo Santana e Cid Gomes, atuaram para a campanha de Lula no Ceará. O senador petista foi o coordenador da campanha do aliado no Ceará, enquanto Cid entrou nas articulações no segundo turno e reforçou a atuação dos prefeitos em ações pró-Lula.
Na oposição, a bancada cearense tem nomes alinhados ao bolsonarismo. Ao todo, o PL, sigla que abriga o atual presidente, elegeu cinco deputados federais. O União Brasil, que fez oposição ao PT no Ceará, também elegeu uma quantidade expressiva de parlamentares, totalizando quatro. Entre os eleitos no Ceará está André Fernandes (PL), político mais próximo de Bolsonaro no Ceará e deputado mais votado no Estado.
Relação com PDT
A vitória de Lula também traz impactos para o futuro do PDT, especialmente no Ceará. A sigla, que formava uma aliança com o PT no Estado há 16 anos, viu o alinhamento ruir no pleito deste ano, chegando ao rompimento. Os ataques entre petistas e pedetistas cearenses passaram a reproduzir o clima de guerra estabelecido entre Ciro Gomes e Lula nacionalmente.
No segundo turno, nacionalmente, os dois partidos se reaproximaram – apesar de Ciro não ter se engajado na campanha do petista. No Ceará, no entanto, a principal liderança do PDT no Estado, o senador Cid Gomes, retomou o comando das articulações ao lado do petista Camilo Santana.
Após o resultado das urnas, neste domingo (30), Cid comemorou a vitória do petista. “Venceu o Brasil que respeita as instituições e tem apreço pela democracia. Outra vez o Nordeste demonstra a força de um povo que não aceita retrocessos. Agora é hora de seguir em frente porque o resultado das eleições nos mostra que temos um Brasil para reunir e reconstruir”, escreveu nas redes sociais.
Mais cedo, ao votar, o pedetista defendeu a manutenção da aliança com os petistas. “É importante que a gente dê passos no sentido de restabelecer uma relação, que é uma relação que, ao meu juízo, tem feito bem ao Ceará nesses últimos 16 anos", afirmou, referindo-se à relação entre PT e PDT no estado.
Um dos focos de resistência no PDT é o próprio irmão de Cid, o ex-candidato Ciro Gomes. O ex-ministro demonstrou insatisfação durante toda a campanha com a proximidade de seus irmãos, Cid e Ivo Gomes, prefeito de Sobral, com a campanha do PT no Ceará, que terminou elegendo Elmano de Freitas.
Neste domingo, Ciro demonstrou preocupação com o futuro do Brasil. "Eu chego (para votar) com muita preocupação com o futuro próximo do País. O nível de radicalização, de divisão a que o sistema levou nosso povo é uma coisa que me preocupa gravemente. Espero muito que Deus abençoe essa grande nação e que qualquer que seja o eleito amanhã faça um esforço verdadeiro para reconciliar o nosso País".
Força do bolsonarismo
No segundo turno, após visita a Fortaleza e mudanças no engajamento de correligionários e outros aliados, Jair Bolsonaro aumentou a votação em pouco mais de 256,6 mil votos no Estado.
Mesmo com a derrota do presidente, o bolsonarismo no Ceará tem lideranças que saem fortalecida do pleito. André Fernandes (PL) foi o candidato a deputado federal mais votado do estado, assim como Carmelo Neto (PL) foi o mais votado para a Assembleia Legislativa.
Partido do presidente, o PL fez o maior número de parlamentares da bancada cearense na Câmara dos Deputados - empatado com o PDT - com 5 eleitos. Também elegeram 4 deputados estaduais no Ceará.
Jonael Pontes aponta que essa oposição bolsonarista deve continuar "fazendo e utilizadando as mesmas táticas", principalmente as envoltas em uma "atmosfera de conspiração". Neste caso, atuariam aqueles parlamentares "alinhados ideologicamente ao bolsonarismo de maneira mais orgânica".
Monalisa Soares lembra que a oposição chegou fortalecida para o pleito de 2022, depois de ter crescido com os resultados das eleições de 2020. "Mas essa própria oposição foi sendo implodida", completa.
"A oposição no Ceará vai ter que se reagrupar como uma tentativa de conseguir, minimamente, manter o seu poder. Elegeu deputados, os dois puxadores de votos, mas também vão precisar se organizar nessa atuação parlamentar. O fortalecimento dessa oposição depende dos recursos que terão ou não disponíveis para mobilizar", ressalta.