Dois anos depois, qual a situação dos cearenses acusados de envolvimento no '8 de Janeiro' em Brasília
Suspeitos e condenados são acusados de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, deterioração do patrimônio tombado e dano qualificado, além de incitação ao crime e associação criminosa
Há exatamente dois anos, a democracia brasileira era alvo de uma tentativa de golpe de Estado. O palco era a sede dos Três Poderes, em Brasília, onde uma multidão de extremistas invadiu e depredou o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). As investigações revelaram a participação de mentores, incentivadores e executores dos crimes. Na data que marca dois anos do ato golpista, o PontoPoder mostra a situação dos cearenses acusados de envolvimento na trama que teve como alvo o Estado Democrático de Direito.
Ao todo, os ministros do STF já condenaram 371 incitadores ou executores dos atos de 8 de janeiro. A menor pena foi de três meses e a maior chegou a 17 anos de prisão. Conforme levantamento do g1, 70 condenados já cumprem penas definitivas, sem possibilidade de recorrer.
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Pesam contra eles acusações de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, deterioração do patrimônio tombado e dano qualificado. Há ainda réus por incitação ao crime e associação criminosa.
Condenados
Ainda em fevereiro do ano passado, a primeira cearense envolvida nos atos foi condenada. Francisca Hildete Ferreira, de 60 anos, foi sentenciada a 13 anos e seis meses de prisão.
Na decisão, que julgou ainda outras 40 pessoas, os magistrados determinaram o pagamento de indenização, a título de danos morais coletivos, no valor mínimo de R$ 30 milhões, a ser quitado por todos os condenados — incluindo a cearense.
Outro cearense condenado por atos anteriores ao 8 de janeiro — mas que também tinham intenções golpistas — é o blogueiro Wellington Macedo de Souza. Ele participou de um plano que pretendia explodir uma bomba em um caminhão de combustível no Aeroporto Internacional de Brasília, na véspera de Natal de 2022.
O blogueiro ficou foragido de janeiro a setembro de 2023, mas foi capturado em Cidade do Leste, no Paraguai. Ele cumpriu pena em regime fechado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, e também foi condenado a uma multa de quase R$ 10 mil.
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Em dezembro deste ano, foi autorizado a migrar para o regime semiaberto, conforme decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT). Contudo, a progressão de pena ainda tem restrições. Ele não tem direito a trabalho externo e saídas temporárias, por exemplo.
O blogueiro já havia sido preso em setembro de 2021 por suspeita de articular e financiar atos contra a democracia em 7 de setembro daquele ano. Em 18 de agosto de 2023, ele foi condenado a seis anos de prisão pelo juiz Osvaldo Tovani, da 8ª Vara Criminal.
Segundo as investigações, Macedo usou o próprio carro para, na véspera do Natal, levar Alan Diego dos Santos, que carregava a bomba, às proximidades do aeroporto, e ajudar a colocar o artefato explosivo dentro de um caminhão com querosene. No entanto, devido a uma falha técnica na montagem, a explosão acabou não se concretizando. Macedo era monitorado por uma tornozeleira eletrônica, o que facilitou as investigações.
O cearense foi condenado por expor a perigo de vida a integridade física de outros mediante explosão, arremesso ou colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos.
Foragido e monitorados
Além dos condenados, há cearenses que estão foragidos ou são monitorados. É o caso de Romário García Rodrigues, 34, que se apresenta como "o primeiro gay nordestino a tomar café da manhã com [o ex-presidente] Jair Bolsonaro". Ele é tido como um dos líderes do grupo que invadiu e depredou a Praça dos Três Poderes e tem o paradeiro investigado por autoridades da Argentina, do Peru, do Chile e da Colômbia.
Romário passou dois meses preso, em 2023, pela participação nos atos golpistas em Brasília, mas foi libertado por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Solto, o cearense partiu para a Argentina até ser emitida uma ordem de extradição pelo STF.
De acordo com o El Tiempo, a Interpol do Peru consultou os registros de imigração e afirmou que quatro fugitivos brasileiros entraram no país nos dias 19 e 24 de novembro. Como o grupo não está na lista vermelha de mandados de prisão do órgão, não foram detidos.
A comunicação do paradeiro deles foi feita pelo órgão internacional ao STF. Durante semanas, não houve vestígios dos fugitivos. No entanto, as autoridades locais acreditam que eles querem chegar ao México para contratar um serviço de "coiote" para ajudá-los a atravessar a fronteira para os Estados Unidos.
Núcleo de apoio ao golpe
Ao longo do último ano, as investigações avançaram principalmente sobre os que incitaram e organizaram a tentativa de golpe antes, durante e depois do 8 de janeiro de 2023. Em novembro do ano passado, a Polícia Federal (PF) indiciou dois generais cearenses. As investigações apontaram Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira como envolvidos na trama conspiracionista durante a transição entre o Governo Bolsonaro e o Governo Lula.
Estevam Theophilo foi comandante de Operações Terrestres (Coter) do Exército Brasileiro durante a gestão de Bolsonaro e Paulo Sérgio foi ministro da Defesa no último ano de mandato do ex-presidente.
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Os dois estariam envolvidos numa execução mais direta da trama golpista, que contava com outros quatro eixos de atuação, segundo a PF. O Núcleo de Oficiais de Alta Patente, do qual ambos faziam parte, tinha como missão influenciar e incitar apoio às ações dos demais núcleos para consumação do suposto golpe, utilizando, inclusive, do poder atribuído a eles pela alta patente militar que detinham — fosse para proteger colegas ou intimidá-los—, segundo a PF.
O relatório, agora, está sob análise do ministro relator Alexandre de Moraes. Caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereça a denúncia contra os indiciados e o STF acolha, eles se tornarão réus.
Tenente-coronel preso
Há ainda um terceiro oficial indiciado — e preso desde 19 de novembro — no âmbito dessas investigações. O tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo é apontado pela PF como um dos supostos articuladores do plano golpista que envolvia a morte do presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.
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O militar, que integra um grupo especial de elite do Exército Brasileiro conhecido como "kids pretos", morou no Ceará e estudou em um colégio cearense antes de ingressar nas Forças Armadas. Atualmente, ele morava em Goiânia, no estado de Goiás, onde foi preso.
O militar teria usado números telefônicos associados diretamente a grupos de WhatsApp montados para planejar ações contra o ministro Alexandre de Moraes. Na investigação, o militar é descrito como um agente de perfil técnico.
"Tais fatos evidenciam que Rodrigo Azevedo associou-se à ação clandestina que tinha a finalidade de prender/executar o ministro Alexandre de Moraes, empregando técnicas de anonimização para se furtarem à responsabilidade criminal, visando consumar o golpe de Estado", aponta a PF. Assim como no caso dos generais, o relatório da PF que relata a atuação do “kid preto” foi enviado pelo STF para análise da PGR.
Caso André Fernandes
Dentre os bolsonaristas cearenses investigados por conta de 8 janeiro está ainda o deputado federal André Fernandes, que virou alvo de inquérito por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Nas investigações, a PF chegou a apontar crime do cearense contra o Estado Democrático de Direito por conta de publicações em redes sociais.
A primeira postagem foi em 6 de janeiro, dois dias antes dos atos antidemocráticos. Nela, o parlamentar convocou aliados para um ato supostamente “contra o governo Lula”. "Neste final de semana acontecerá, na Praça dos Três Poderes, o primeiro ato contra o governo Lula. Estaremos lá", escreveu Fernandes na sua conta do X, antigo Twitter.
A segunda prova contra o deputado apontada pela PF ocorreu no dia 8 de janeiro. Já durante a invasão à Praça dos Três Poderes, com as sedes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do STF e do Palácio do Planalto depredados, o cearense publicou a foto de uma porta da Suprema Corte com uma placa indicando o nome de Alexandre de Moraes.
Fernandes ainda escreveu: "Quem rir vai preso". O deputado federal pelo Ceará apagou a mensagem e mudou a identificação no Twitter logo após a repercussão negativa da publicação.
Ele sempre negou as intenções apontadas pela PF e reforça que não teria como prever o desfecho do ato convocado por ele próprio no dia 6 de janeiro. O caso está aguardando análise do relator Alexandre de Moraes desde julho de 2023. À época, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento do processo.
Na decisão, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos apontou que não é possível concluir que o deputado cometeu crime ao fazer publicações nas redes sociais.
“A frase postada, por si só, não autoriza maiores ilações no sentido de que houve enaltecimento a uma postura criminosa já praticada e nem mesmo o elogio a seus autores, que, aliás, sequer foram delineados efetivamente frase tergiversada”, defendeu a PGR.
Já a defesa do parlamentar apontou que não há “elo físico, intelectual, financeiro, jurídico ou de qualquer natureza” do envolvimento do político.