Das trends ao santinho de papel, o que deve ser tendência no marketing eleitoral de 2024?
O período de campanha começa em 16 de agosto e promete novidades na estratégia dos candidatos
A cerca de dez meses das eleições municipais, já é possível visualizar as tendências que ditarão a estratégia de comunicação dos candidatos com o eleitorado. Como se comenta nos bastidores da política, a campanha – ou pré-campanha – começa um dia após o pleito anterior, então as táticas já são trabalhadas a médio e longo prazo. Mas quando o período oficial de propaganda eleitoral inicia, em 16 de agosto, novos caminhos são trilhados a fim de intensificar a adesão de votos.
A campanha municipal tem características muito próprias, aponta Rayane Moreira, especialista em Marketing Político e Eleitoral, e demandam estratégias próprias.
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“(Os candidatos) são agentes que estão ali no dia a dia, são representantes das comunidades, dos seus bairros. Há um engajamento maior do eleitor porque há uma familiaridade com aqueles representantes que estão concorrendo”, avalia a também mestra em Ciência Política pela Universidade de Lisboa (ULisboa).
Assim, o eleitor pode participar ativa e voluntariamente das campanhas e influenciar outros do seu meio, como na família e no trabalho. Essa identificação das candidaturas com a população ocorrem de muitas formas, desde pela proximidade geográfica até a identificação de causas em comum, que deve ser um tópico bastante explorado por agentes políticos nas estratégias de 2024, observa Moreira.
A forma, o conteúdo e o público
Devido à identificação de causas, entre outros fatores, a analista acredita que partidos e candidatos devem investir no direcionamento de mensagens personalizadas pela internet, a fim das campanhas serem mais “estratégicas e assertivas”.
“Hoje, não tem como conversar com todos os públicos da mesma forma. Há diferentes idades, interesses, comportamentos. É preciso saber onde o eleitor se informa, onde busca informação (sobre política). As redes sociais têm influenciado nas intenções de votos do eleitor”, afirma.
Nessa mesma linha, o consultor em Marketing Político Darlan Campos acredita que as campanhas terão uma tendência de trabalhar melhor a mensagem em si, e não tanto os moldes estéticos. Isso, porque as candidaturas terão as mesmas ferramentas em sites e redes sociais para conversar com seu público, o que demanda um conteúdo mais cuidadoso para cativar o eleitorado.
“A maioria das candidaturas organizadas usa reels (do Instagram) ou faz um determinado tipo de corte, de transição. Então, hoje, as campanhas estão muito próximas umas das outras no que entregam esteticamente. Numa capital, por exemplo, com quatro campanhas competitivas ao Executivo, elas vão ter estéticas apresentáveis. O diferencial importante vai ter que ser o conteúdo”, avalia.
Campos também chama atenção para a necessidade de as campanhas adotarem uma mesma mensagem para formatos e linguagens diferentes, reforçando a ideia que se quer trabalhar. Isso inclui, também, o material impresso, como santinhos e adesivos.
“Vejo que a grande novidade para 2024 é a campanha que vai fazer um ‘mix de meios’. Se a gente pega a campanha do (Jair) Bolsonaro em 2022, por exemplo, a gente percebe que tinha uma equipe diferente produzindo para a TV e a outra para a internet. São duas campanhas totalmente diferentes”, exemplificou.
Há uma profecia do apocalipse de que o material impresso iria acabar com o advento da internet, mas eu vejo diferente. A gente precisa utilizar, numa mesma campanha, o máximo de meios possíveis. O material impresso cumpre o papel, especialmente quando a gente fala com classe D e E. Não vai acabar. Você pode dizer que talvez para um público de classe média, A e B, não vai usar papel, mas para classe D e E ainda cumpre uma função importante
Apesar de concordar que a mídia impressa é importante para a estratégia eleitoral, o estrategista político especializado em Comunicação Persuasiva Abel Lumer acredita que o valor maior esteja na estratificação de renda.
O material impresso não é de convencimento do eleitor, é de consolidação da mensagem. [...] A gente tem que ter muito cuidado para não ter um olhar condescendente sobre os extratos socioeconômicos mais baixos. [...] Eu acho que a divisão de extratos sociais é muito mais por interesse de assuntos do que estética e forma. O que você tem que fazer é um material impresso diferente para o interesse de cada pessoa. Se eu moro num bairro que não tem asfalto, não está na minha hierarquia de preocupações, talvez, uma casa de inovação com computadores
Lumer ainda lembra que o WhatsApp pode continuar como tendência para as candidaturas, mas com um conteúdo mais pessoal. Pelas regras da legislação eleitoral, as campanhas podem produzir material para o aplicativo de mensagem, desde que os destinatários tenham voluntariamente se inscrito nas listas de transmissão.
“Hoje, os políticos estão usando como se fosse um repositório das suas redes sociais, com a mesma linguagem, com a mesma estética, e não é isso. O WhatsApp requer uma estratégia menos invasiva, mais pessoal. [...] (Há) um volume imenso de informação ali para o usuário, para o eleitor médio que tem dez coisas para pensar na vida antes de pensar em política. Só vai despertar a atenção dele aquele conteúdo que falar ao seu coração dele”, avalia.
Mas nem só de internet vive a política: as campanhas de rua foram e são essenciais para os candidatos.
“Cada vez mais a gente vai precisar entender que os meios vão conversar entre si. Mas para ter a (propaganda na) internet, precisa ter uma (campanha de) rua boa. Elas rebatem entre si, conversam a todo momento: é um conteúdo construído a partir da rua”, aponta Darlan Campos.
Inteligência artificial
Tendência dos últimos anos – sobretudo dos últimos meses – a inteligência artificial (IA) deve ser usada à exaustão nas campanhas políticas. É bem comum se deparar com políticos de ou sem mandato brincando com as novidades estéticas dessa ferramenta nas redes sociais.
Para Campos, esse é um dos fenômenos mais importantes para as campanhas online em termos de publicidade e comunicação.
Rayane Moreira, por sua vez, vai além e lembra que o uso da IA pode auxiliar os processos de pesquisa de eleitorado por agremiações partidárias e candidatos.
A IA vai ser primordial para coletar dados, entender as tendências que estarão em movimento, que estão sendo mais faladas naquele ambiente politico. Isso ajuda a alcançar o sucesso eleitoral. Vai auxiliar a produção de conteúdo e a coleta de dados sobre o comportamento do eleitor, por exemplo
Contudo, por ainda ter impactos sociais desconhecidos, o uso exige cautela. Abel Lumer lembra episódio recente que ilustra essa preocupação: alunos de uma escola do Rio de Janeiro usaram uma ferramenta de IA para simular imagens de colegas de sala nuas e compartilharam as fotos geradas artificialmente pelo colégio. O caso foi parar na polícia.
Da mesma forma, acende-se um alerta sobre o uso indiscriminado dessa novidade. Propostas no Congresso já discutem o tema, mas ainda de forma muito rudimentar.
Humor
O boom de influenciadores nos últimos anos deve continuar interferindo na política, desta vez com uma camada a mais de complexidade: o humor. Não é raro ver detentores de mandatos recorrendo a memes e a uma linguagem cômica para conversar com o seu público. O caminho inverso também é observado, quando populares comentam assuntos políticos com descontração.
Exemplos disso são as páginas dos cearenses Selma de Nieta e Jardel Silva. Enquanto a primeira é uma personagem que tem um apelo maior entre os profissionais da educação com o bordão “Deixe ela!”, o segundo emula a figura dos chamados “puxa-sacos” de prefeitos, cativando os usuários das redes sociais e gerando identificação.
Para os especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, não é de surpreender que candidatos recorram a esse tipo de linguagem.
“Com o humor, consigo falar coisas sérias de forma leve, então é uma linguagem importante de aproximar o eleitor. Memes, influenciadores são elementos que vão contribuir muito para fazer essa quebra de linguagem. Qual o grande papel do influenciador? É a quebra a bolha”, afirma Darlan Campos.
Para Lumer, há ganhos e perdas com esse formato, e isso vai depender de como os responsáveis pela comunicação política vão conduzir essa dinâmica.
“Quando o meme é muito depreciativo, violento e vulgar, realmente empobrece (o debate), mas é uma estética, é uma maneira de comunicar para os mais jovens, de atrair pessoas que não tinham atenção voltada para política com um olhar mais tranquilo, mais compreensível, com uma estética que não precisa fazer muita força para pensar”, avalia.
“Os memes podem ser usado de maneira saudável e atrair eleitores. Quem não estava acostumado a debater política, pode começar um debate a partir dessa estética”, conclui Lumer.
@j4rdelsilv4 ei, não fale do meu prefeito nãoo #fy #prefeito #meupresidente #meuprefeito #cidadepequena #meme #ceara #nordeste #humor ♬ som original - O Amigo do Prefeito 💙🤣
Regras de campanha
Com início marcado para 16 de agosto, a campanha eleitoral é o momento em que a propaganda explícita é liberada na rua, na internet e em outras mídias. Já a propaganda gratuita no rádio e na TV deve ser exibida entre 30 de agosto e 3 de outubro, antevéspera do primeiro turno de votações. Este será em 6 de outubro. Para cidades com mais de 200 mil habitantes, o segundo turno, caso haja necessidade, acontecerá em 27 de outubro.
Quanto à propaganda na internet, há regras básicas como a indexação aos registros da Justiça Eleitoral dos endereços eletrônicos onde serão veiculados os conteúdos e a proibição de publicidade paga. Por outro lado, a legislação permite a contratação de serviços de impulsionamento de conteúdo por candidatos, agremiações partidárias ou representantes legais.
Mas é necessário respeitar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) em atividades como o envio de mensagens eletrônicas, a realização de propaganda via telemarketing e o disparo de propaganda por mensagens de texto. Todos esses atos devem ocorrer apenas após cadastramento voluntário do eleitor, que também deve ter meios de se descadastrar.
Em caso de descumprimento, os responsáveis podem ser enquadrados na prática de abuso de poder econômico e propaganda irregular, estando passíveis de multa que varia entre R$ 5 mil e R$ 30 mil.
A legislação também possibilita o uso de direito de resposta na internet: os responsáveis pelas mensagens lesivas podem ser punidos com multa, além de terem o conteúdo removido por determinação judicial.
Já na mídia impressa, a propaganda paga é autorizada até a antevéspera da eleição, desde que haja no anúncio, de forma visível, o valor pago pela inserção. Nesse caso, a reprodução na internet é permitida, mas apenas se feita no sítio do próprio jornal.
Outra regra envolvendo meios impressos é a da adesivação de veículos. As campanhas podem usar materiais do tipo (de até 0,5 m²) em caminhões, carros, bicicletas e janelas de residências. Também são liberadas para distribuir materiais gráficos e a utilização de bandeiras em vias públicas, apenas se móveis e dentro de horário delimitado: das 6h às 22h. Vale destacar que isso só pode ser feito até véspera da eleição, ou seja, sábado (5).
Quanto à circulação de carros de som e minitrios, a legislação permite apenas em carreatas, caminhadas e passeatas ou durante reuniões e comícios, desde que respeitado o limite de 80 dB (oitenta decibéis) identificados a 7m de distância do veículo.
Os comícios normais, por sua vez, devem ocorrer entre as 8h e 24h, bem como o uso de aparelhagens de sonorização fixas. Já os comícios de encerramento de campanha podem se estender por mais duas horas, mas com uma distância de 48h antes e até 24h depois da eleição. Os chamados “showmícios”, com a apresentação musical de artistas, são vedados.