Aviação regional ensaia retomada pós-pandemia no Ceará, mas ainda enfrenta gargalos logísticos

Falta de companhias especializadas, de aeronaves adequadas e a instabilidade econômica do País dificultam avanço do segmento

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: Aeroporto de Jericoacoara foi um dos terminais cearenses de maior crescimento nos últimos anos
Foto: Ingrid Coelho/Diário do Nordeste

A aviação regional no Ceará encerrou o ano de 2022 com movimentação de passageiros superior à de 2019, ano anterior à pandemia. Quase 795 mil pessoas passaram por sete aeroportos localizados no interior do Estado, o que representa um crescimento de 49% em relação a 2021 e de 31% na comparação com 2019.

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Apesar de ensaiar uma retomada e mesmo uma expansão, o segmento ainda enfrenta fortes dificuldades na disponibilidade de aeronaves adequadas e mesmo na divulgação de destinos. O desenvolvimento do setor também geraria competitividade regional, além da atração de investimentos para as cidades no entorno dos aeroportos. 

Entre os terminais que recebem voos comerciais atualmente, o de Juazeiro do Norte e Jericoacoara são os mais consolidados. Conforme dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o aeroporto localizado no Cariri recebeu 489 mil passageiros ao longo do ano passado, enquanto o de Jeri acolheu 301 mil.

Além dos dois, Aracati, Iguatu, São Benedito e Sobral recebem voos regulares da aviação comercial, embora em menor quantidade. O Estado ainda dispõe de terminais que poderiam receber operações em Camocim, Campos Sales, Crateús, Quixadá e Tauá.

Legenda: Aeroporto de Aracati
Foto: Fabiane de Paula

Uma das principais dificuldades para a expansão da malha aérea nesses terminais é a disponibilidade de aeronaves compatíveis com a operação. A avaliação é do professor do Departamento de Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Claudio Jorge Alves.

Ele explica que, diferente da aviação regional nos Estados Unidos, por exemplo, o segmento no Brasil precisaria utilizar aeronaves de pequeno porte, com cerca de 15 lugares. Dessa forma, os aviões atenderiam a demanda existente e as ocupações ficariam em patamares desejados pelas companhias aéreas.

"(O problema é que) não temos na nossa frota esse tipo de avião. A Gol não tem, a Latam não tem. A Azul tem o Caravan para 9 passageiros. É a única que está operando nesse campo, em alguns estados, com certo sucesso. A Voepass usa o ATR, que é um avião um pouco maior, de 70 lugares. Talvez já seja um pouco grande demais para fazer ligações diárias", pontua.

A falta de aviões está relacionada também à falta de companhias que operem na aviação regional. No Ceará, atuam somente duas empresas especializadas em aviação regional: a Voepass e Azul Conecta, braço da Azul Linhas Aéreas focada em pequenos e médios terminais.

Gol, Latam e Azul atendem Juazeiro do Norte e Jericoacoara com aviões maiores, ligando esses destinos ao Sudeste do País.

Esse é um problema (falta de companhias), porque acaba ficando uma operação relativamente cara. As companhias aéreas, quando trocaram os aviões menores por maiores, tiveram ganho de escala, o que seria mais eficiente. O problema é que aviões maiores exigem uma demanda maior e na aviação regional brasileira, em particular, não cabe aviões grandes".
Claudio Jorge Alves
Professor do Departamento de Transporte Aéreo do ITA

A tese é endossada pelo pesquisador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Nectar-ITA), Alessandro Oliveira. Ele pontua que esse segmento demanda uma constância maior na ocupação dos voos, tendo em vista que poucos assentos são ofertados e que as poltronas vazias acabam pesando mais nos custos da operação.

"As companhias áreas são relutantes em investir no segmento regional, porque é um segmento que tem uma contribuição na lucratividade muito dispersa, tem uma granularidade muito alta, ou seja, você tem que operar nesse segmento de uma maneira sistemática no território para você gerar volume de vendas. Então, a contribuição no faturamento das empresas tende a ser menor no sentido comparativo com o fluxo nas grandes capitais", explica.

Ele exemplifica que, se uma companhia tem oportunidade de colocar uma aeronave saindo de São Paulo para outra capital ou grande cidade, a rota vai estar sempre na prioridade, tendo em vista que ela vai poder colocar uma aeronave maior.

"Isso não quer dizer que a aviação regional não seja lucrativa. Ela tem uma especificidade que muitas vezes faz a companhia aérea ter uma unidade de negócio diferente dentro do seu negócio. Nem todas as companhias aéreas estão dispostas a criar esse sub-segmento na sua malha. Tem que ter aeronaves menores, operar voos com trechos mais curtos, com precificação diferenciada, tem que ter know-how, tem que ter paciência, são várias questões envolvidas", acrescenta.

Potenciais inexplorados

É cristalino que a demanda em aeroportos de capitais é muito maior que a demanda em terminais no interior. Ainda assim, esse volume justifica operações aéreas e podem ser impulsionadas a partir da consolidação da aviação regional.

É o que mostra estudo do então Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, elaborado em 2017. "Projeções de demanda para aeroportos brasileiros" estima a movimentação de passageiros de terminais nacionais, incluindo regionais, até 2037.

Segundo o levantamento, a movimentação de passageiros nos seis terminais cearenses levados em consideração (Juazeiro do Norte, Iguatu, Sobral, Aracati, Crateús e Jericoacoara) passaria de 717 mil em 2017 para 1,23 milhão em 2037, um crescimento de 72,29% em 20 anos.

O estudo ainda faz projeções ano a ano. Em 2022, somente Juazeiro do Norte e Jericoacoara superaram a expectativa traçada. É importante lembrar, no entanto, que o levantamento foi realizado antes da pandemia, evento que interrompeu qualquer trajetória de crescimento do mercado aéreo no Brasil e no mundo.

Legenda: Inauguração do Aeroporto de Jericoacoara em 2017
Foto: Helene Santos/Diário do Nordeste

Oliveira reitera que há potencial para a aviação regional inexplorado no Ceará e em todo o Brasil. Segundo ele, uma alternativa para alimentar esse segmento seria alguma companhia especializada nesse tipo de operação alimentar os voos entre capitais.

"Por exemplo, nos Estados Unidos, o fundador da Azul lançou a empresa Breeze que faz o chamado bypass de um hub, fica colocando voos em rotas não exploradas. Independente disso, um aeroporto da Capital ser um hub pode ser bom para o interior do país e para a aviação regional, porque você pode viabilizar aeronaves menores indo para essas regiões saindo do hub, do aeroporto da grande cidade", sugere.

Hub regional do Nordeste

O engenheiro do ITA e ex-vice-prefeito de Juazeiro do Norte, José Roberto Celestino, indica que o município caririense tem potencial de ser um hub regional do Nordeste em função de sua localização geográfica estratégica.

Legenda: Novo saguão do Aeroporto de Juazeiro do Norte, após reformas que nova concessionária realizou no terminal do Cariri
Foto: Igor Pires/Diário do Nordeste

Segundo ele, Juazeiro fica a cerca de 600km de todas as capitais nordestinas, com exceção de São Luís (MA), o que gera um leque de possibilidades de conexões na Região.

Além disso, Celestino ressalta a pujança econômica do Cariri, variável que está diretamente relacionada ao desenvolvimento do mercado aéreo e que explica, por exemplo, porque a aviação regional no Sul e Sudeste é mais consolidada que no Nordeste.

"A demanda de transporte aéreo está muito associada com PIB, com riqueza. Então, se você está falando de uma região rica, de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, as possibilidades, o interesse, a demanda em voar é maior do que numa região que você não tem tanta riqueza. A parte mais rica do País acaba sendo mais privilegiada nesse sentido de ter as companhias aéreas investindo ali, os aviões lá operam cheios", detalha Claudio Jorge Alves.

O engenheiro também aponta que a divulgação dos voos é um entrave significativo para o deslanche do mercado. Segundo ele, apesar de Juazeiro ter voos regulares pelo menos desde 2000, ainda é comum encontrar pessoas que não sabem da existência de voos para o município.

"Nós também precisamos de estabilidade dos voos. Se a companhia volta e meia cancela, o passageiro pega o carro e vai embora. A tarifa aérea também não pode ser barata, infelizmente, principalmente com aeronaves pequenas, apesar de passagens serem oferecidas por valores acessíveis quando a ocupação está alta", avalia.

Celestino ainda indica que, após a pandemia, o volume de cancelamentos de voos na aviação regional aumentou. Para ele, uma das explicações é que a Anac afrouxou as cobranças para as companhias, em função do prejuízo que elas tiveram durante o período.

"Hoje, a demanda já está com um bom movimento. A Anac devia olhar o lado do passageiro também. Às vezes, um voo que é diário e que pode estar com baixa ocupação, eles cancelam e realocam a pessoa para o dia seguinte", critica.

Aeroportos Regionais do Ceará

  • Juazeiro do Norte
  • Jericoacoara
  • Aracati
  • Sobral
  • Iguatu
  • São benedito
  • Crateús
  • Tauá
  • Quixadá
  • Camocim
  • Campos Sales
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