Espera por adoção de crianças e adolescentes em Fortaleza aumenta na pandemia e chega a 4 anos
Tempo que famílias precisam aguardar na fila para chegada de futuros filhos cresceu mais de 1 ano desde janeiro de 2020
Entre as distâncias cruéis que a pandemia impôs, uma tem se prolongado mais: a espera de famílias pela adoção de uma criança ou adolescente no Ceará. Em janeiro de 2020, pretendentes passavam cerca de 2 anos e 10 meses na fila – agora, ficam até 4 anos e 1 mês.
A estimativa é da Promotoria de Infância e Juventude de Fortaleza, do Ministério Público do Ceará (MPCE), e mostra que 316 pessoas aguardam na fila para adotar na Capital – das quais 202 entraram nessa espera entre 2015 e 2019.
Dairton Oliveira, promotor de Justiça da Infância e Juventude, avalia que o isolamento social foi o principal fator para aumentar a lentidão com que a fila de espera anda, já que atrasou ou impediu o avanço de algumas etapas dos processos.
“As visitas que as equipes técnicas faziam às famílias ficaram comprometidas. Esperamos que haja um mutirão para resolver os processos das crianças. Sem essas visitas, as crianças não são destituídas das famílias de origem e não temos adoção, a fila não anda”, pontua.
1 a cada 3 pretendentes sai da fila de espera por desistência de adotar, devido à demora, segundo Dr. Dairton Oliveira.
As visitas das equipes de assistência social avaliam se as famílias biológicas têm condições de receber a criança ou adolescente de volta ou se serão disponibilizados para adoção. Enquanto isso, eles permanecem nas unidades de acolhimento, num limbo jurídico.
“O custo de uma criança dessa numa instituição chega a R$ 6 mil por mês. E pior é pra ela, que não tem um acompanhamento adequado. Estudos da Unicef mostram que para cada 1 ano no acolhimento, ela regride 4 meses no desenvolvimento”, lamenta Dairton.
são o tempo máximo que a criança ou adolescente deve permanecer em acolhimento institucional, de acordo com a Lei nº 13.509/2017.
Queda nas adoções efetivadas
De acordo com o promotor, o Ceará teria capacidade de efetivar até 500 adoções por ano, mas mantém uma média de 100. Em 2020, porém, foram 71 novas famílias formadas; e neste ano, até junho, apenas 27 processos foram finalizados.
Só em Fortaleza, a gente conseguiria fazer mais de 150 adoções por ano. A esperança é de que, com o retorno das atividades, a gente consiga recuperar o tempo perdido.
O Estado tem, hoje, 700 pretendentes “disponíveis” – ou seja, aptos – para adotar, e outros 90 já vinculados a crianças ou adolescentes, aguardando guarda definitiva. Os dados são do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coletados nesta segunda-feira (5).
O número de crianças que constam no cadastro como “disponíveis”, porém, é bem menor: só 110. Outras 127 aparecem como “vinculadas” aos futuros pais. Uma conta que, aparentemente, “não fecha”.
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Dairton explica, porém, que o principal problema é a demora do processo de destituição familiar dos pequenos, que, muitas vezes, saem da chamada “janela adotiva” – 0 a 7 anos de idade – à espera de uma definição.
“Cheguei a pensar em desistir”
A servidora pública Genselena Fernandes já amarga a espera pela tão sonhada “família grande” há mais de 2 anos, desde que entregou toda a documentação necessária para ser habilitada a adotar, em abril de 2019.
Já sofri muito, de perder as esperanças, desistir, ficar triste e com tanta raiva a ponto de falar que sairia da fila. Mas os grupos de apoio à adoção dão muita força, ajudam bastante a aguentar.
A angústia é compartilhada por Suyanne Arrais, 42, representante do Conselho Diretor do Coletivo de Pais e Pretendentes à Adoção (COPPA): ela já espera pela adoção de um filho ou filha desde agosto de 2019, um ano depois de entregar a documentação para entrar na fila.
“Com a pandemia, veio o desânimo com a notícia do aumento do tempo da expectativa de espera na fila, que agora está em mais de 4 anos. Mais complicado ainda, considerando que com 3 anos de fila precisamos renovar toda a documentação”, observa.
Além das “burocracias”, Suyanne aponta outro fator como barreira para maior celeridade dos processos de adoção legais: os “burladores” de fila, pessoas que adotam crianças ou adolescentes por fora do Sistema Nacional de Adoção (SNA), clandestinamente.
Meu marido e eu recebemos inúmeras propostas de adoção ilegal, inclusive de advogados. Não aceitamos, porque queremos contar pro nosso filho ou filha, e com orgulho, que buscamos todos os meios lícitos para adotar. Que não foi uma 'adoção à brasileira'.
Hoje, no Ceará, mais de 800 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos vivem em unidades de acolhimento à espera de novas famílias. Do total, menos de 13% estão disponíveis na fila de adoção legal.
Por e-mail, a reportagem questionou ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) se têm sido adotadas medidas para minimizar os impactos da crise sanitária nos processos de adoção e dar mais celeridade a eles, e ainda quais etapas foram mais prejudicadas pela pandemia. Não houve resposta até esta publicação.