Adoção: videochamadas ajudam a formar famílias na pandemia
Vinculações entre pretendentes, crianças e adolescentes - além de conclusão de processos - têm sido possíveis com o uso de dispositivos de comunicação a distância; acelerar trâmites é, ao mesmo tempo, necessidade e desafio
Isolamento social impõe distância. Zero abraços, zero afeto físico. É difícil para quem tem família e vive longe dela, e mais ainda para quem segue em busca de conseguir uma. No Ceará, mais de 100 crianças e adolescentes estão disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), e outras milhares vivem por trás desse número, em unidades de acolhimento. Na véspera do Dia Nacional da Adoção, comemorado amanhã (25), o desafio é distinto de todos os outros: dar celeridade aos processos, de forma online, para garantir a formação de novas famílias, mesmo em plena pandemia.
"O mundo tá desabando, mas a gente tá junto, e isso é o que importa". A frase-sonho de muitos se tornou realidade para a professora Camila* (nome fictício para preservar identidade) há exatos 20 dias, quando foi realizada, com um mês de atraso, a audiência virtual que concedeu a ela e ao esposo a guarda definitiva de Caio*, 9. O processo foi iniciado ainda em 2017, quando o casal entregou a papelada com a expectativa de uma adoção rápida - que se estendeu por três anos.
"Imaginamos que, como tinha muitas crianças já abrigadas, seria rápido, até porque queríamos uma maiorzinha, que já soubesse da história, de onde vinha. Mas só entramos no cadastro um ano depois do pedido, e foi mais outro ano até chamarem a gente pra conhecer nosso filho. É muito difícil não saber quanto tempo vai ser essa gestação", narra Camila, criticando a falta de cumprimento dos prazos previstos na Lei da Adoção (nº 13.059/2017) - segundo a qual o processo de habilitação deve acontecer em 120 dias, prorrogáveis por mais 120.
Só em julho de 2019 o casal recebeu o chamado para conhecer Caio, com recém-completados 9 anos, e quatro meses depois o pequeno foi morar com os novos pais. "Se ainda estivéssemos no processo de visita, nessa pandemia, seria infernal. Não teria como fortalecer esse vínculo. Mas agora, no meio de tudo isso, ele é a nossa certeza, a alegria da nossa vida. Ele mesmo diz que tá achando ótimo ficar em casa, com a família dele", sorri a mãe, orgulhosa do filho "bem-humorado e amoroso".
Foi também neste mês, no dia 15, que foi sentenciado o fim da espera de quase quatro anos da agente penitenciária Celiane Diógenes, 46, e do esposo, Ricardo Diógenes, 41, pelo filho Moisés, 12. Em 2016, após tentativas de engravidar inclusive por fertilização in vitro, o casal entrou na fila de espera de adoção - mas só conseguiria conhecer Moisés três anos depois. O garoto estava fora do perfil inicial estabelecido por Celiane e Ricardo (de até 5 anos de idade) quando foi visto pelos então futuros pais em um evento.
Reconhecimento
"Eu tinha o sonho de criar uma barriga, ter a gravidez, mas me abri pra adotar. Porque, acima de tudo, meu sonho era mesmo ter um filho. Ano passado, fui convidada para ir a uma ação onde havia crianças fora da faixa mais procurada. Sem conhecer, é muito difícil pra gente abrir a mente para outras idades. Lá, vi o Moisés. Foi um sábado. Na segunda, pedi no Fórum pra trocar a idade do meu perfil e já fui procurar por ele".
O pequeno foi visitado pelo casal na unidade de acolhimento entre julho e novembro, quando foi autorizada a ida para casa - onde todos os obstáculos do processo de adaptação à nova família foram derrubados pela pandemia. "Ele entrou mesmo na família, todo mundo recebeu muito bem, mas eu ainda tinha uma dificuldade. Com esse isolamento, com meu marido e eu em casa direto, aí negócio entrou nos eixos. A gente se acostumou um com o outro de uma forma que agora é um grude só!", vibra Celiane.
Os atrasos impostos pela crise sanitária, contudo, chegaram a preocupar a família, cuja audiência com a rede judicial do processo de adoção foi feita online. "Até 10 minutos antes, a gente não conseguia acessar o aplicativo pra audiência. No último minuto, deu certo. Me preocupei demais, porque demoraria mais ainda a conseguir a guarda definitiva. Já tava doida pra incluir o Moisés no meu plano de saúde, tirar identidade, CPF, morrendo de medo de acontecer alguma coisa e não ter como ir a um hospital", relata a mãe de Moisés - que "representa alegria, futuro e símbolo de algo que não vou me arrepender jamais".
O sentimento de esperança também foi trazido por Lis Marie, de 11 meses, à casa dos pais, Francisco Vanderlir, 30, e Wladya Kayena, 44. Após uma espera de cinco anos, o processo de adoção foi concretizado em uma audiência online, no último dia 20. "A rotina muda completamente, principalmente da mãe, que abdicou da profissão para ficar o tempo integral com ela. Mas toda mudança valeu a pena. Ao acordarmos todos os dias ela está lá, olhando pra gente com sorriso", declara-se o pai.
Para Vanderlir, "muitos casais estão ansiosos pelo prazer de serem pais e muitas crianças estão à espera de serem amadas" nesse período de isolamento, o que exige mais celeridade ainda na condução dos processos. "Gostaríamos muito que a Justiça fosse mais ágil entre a habilitação e a vinculação. Toda criança é uma felicidade dentro de casa, tenho muitos parentes que moram aqui no bairro. Até aparecer a pandemia, todo dia tinha gente aqui para brincar com ela. Agora, estamos nos contentando com WhatsApp", descreve.
Dificuldades
Julliana Andrade, supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude (Nadij), reconhece as dificuldades que a pandemia de Covid-19 impõe, mas afirma que "os processos estão caminhando". "Não está havendo visitas às famílias, por exemplo, mas como são muito importantes, recomendamos que sejam feitas ligações de vídeo, para que a criança ou adolescente mantenha contato como o pretendente e sinta um pouco de segurança, nesse isolamento. Existem processos em que isso é viável, outros não".
Conforme a defensora pública, o contato com as unidades para acompanhar casos que possam ser concluídos diante das limitações atuais é constante - mas, com prazos processuais suspensos, "tudo anda mais devagar", como complementa o defensor público Adriano Leitinho. "Estamos nos esforçando. Temos três audiências, no mínimo, por dia, e as juízas estão sendo rápidas. Novas vinculações estão sendo viabilizadas, por videoconferências, telefone, pra dar início a esse período de convivência", destaca.
É Adriano o responsável pelas ligações que noticiam às famílias o tão sonhado desfecho dos processos. "A primeira reação é de espanto, não acreditam que estamos ligando. Depois, vem a euforia, começam a pular de alegria, algumas choram. E a gente acaba se emocionando também, porque num período desse de tantas dificuldades, precisamos de forças. E receber uma notícia dessas é alento e esperança", finaliza.
Processos de adoção ganham desfecho em meio à pandemia com audiências e visitas online, por videoconferência. Garantir celeridade das ações é desafio dos órgãos de proteção e do Poder Judiciário