Em 1 ano de vacinação da Covid, qual o estágio da imunização no Ceará e quais as perspectivas?
Proteção contra variante, dose de reforço e acesso aos imunizantes. Em um ano de aplicação vacina, os desafios desse grande processo têm sido inúmeros
Domingo, 17 de janeiro de 2021, o Brasil iniciou uma corrida de esperança que não se sabe ao certo o quanto precisará ser repetida, mas evidências já comprovam: a imunização contra a Covid alterou o trágico cenário da pandemia.
Desde a 1ª dose aplicada, em uma enfermeira, em São Paulo, outras milhões chegaram aos brasileiros. No Ceará, dos 9,2 milhões de residentes, até quinta-feira (13), 7 milhões receberam ao menos a primeira aplicação. Mas, o número de não vacinados preocupa.
Passado esse tempo do início da imunização, a ciência segue em busca de respostas robustas sobre diversas questões. Uma delas: a efetividade dos imunizantes diante de cada nova variante.
Os desafios são contínuos frente a um vírus cuja dinâmica é complexa.
Em paralelo, evidências científicas demonstram a proteção assegurada contra casos graves e óbitos, mesmo quando a transmissão é acelerada, como no atual cenário, com a variante Ômicron.
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No Estado, a primeira imunização contra a Covid ocorreu na noite da segunda-feira, 18 de janeiro de 2021. Naquela altura, apenas a Coronavac era aplicada no país, e as primeiras doses percorreram mais de 4 mil km do Butantan até municípios do Ceará. Nos meses seguintes, outros 3 imunizantes passaram a ser utilizados (Astrazeneca, Pfizer e Janssen) e assim permanece até o momento.
Nesse intervalo, ampliou-se também a população vacinável por idade. A cada avanço das pesquisas, há inclusão de público: primeiro adolescentes de 12 a 17 anos, e mais recentemente, crianças de 5 a 11 anos.
No total, o Estado recebeu 17,6 milhões de doses de vacinas. Destas, 15,2 milhões foram aplicadas nos municípios.
A estimativa atual - baseada nos dados mais recentes divulgados no vacinômetro da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), no dia 13 de janeiro - , é de que o Estado tem 7,6 milhões de pessoas acima de 12 anos aptas a receber a vacina. Desse total, passado 1 ano da vacinação, 91,78% receberam a D1. Só desse público ainda falta vacinar 613 mil pessoas.
Com a inclusão das crianças de 5 a 11 anos, entram na fila de pessoas vacináveis no Estado outros 904 mil residentes. O desafio é imunizar esta população e ampliar as demais marcas. Até o dia 13, dos 7,6 habitantes acima de 12 anos, 83,49% receberam a D2 e 20,37% a dose de reforço.
Quais cidades estão mais avançadas? E quais estão mais atrasadas?
Garantir a máxima cobertura vacinal e equacionar isso com a ausência de dados quanto à população a ser alcançada é uma das dificuldades, já que o Censo Demográfico - pesquisa que aponta a quantidade de moradores de cada localidade - , não foi realizado em 2020.
Nesse cenário, os dados usados pelos órgãos da saúde são projeções feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso faz com que, em muitos casos, a população vacinada seja maior do que a estava prevista. O contrário também ocorre. Prefeituras do Ceará, nesse tempo, alegam que há menos habitantes do que o estimado e, por isso, o índice de cobertura vacinal parece ser pequeno.
No balanço sobre um ano da vacinação, conforme o vacinômetro da Sesa, somente a cidade de Catarina, no Centro Sul do Estado, tem menos de 50% da população com D1. O Diário do Nordeste tentou contato com a gestão municipal, mas até a publicação dessa matéria não obteve êxito.
Em 181 cidades, mais de 70% dos moradores já receberam a D1. Em 25 cidades, o número de pessoas que receberam a D1 supera os 100% de residentes estimados pelo IBGE. Guaramiranga, 1º cidade a vacinar 100% da população é uma delas.
O pequeno município serrano é o que proporcionalmente mais vacinou com D1 no Ceará. Na cidade 5,6 mil pessoas receberam a vacina quando a estimativa é de que seriam 4,2 mil moradores no local.
A secretária municipal de Saúde, Silvana Soares, relata que “foram muitos os desafios desde o início da campanha. Apesar de Guaramiranga ser uma cidade pequena, geograficamente temos locais distantes e de difícil acesso, onde as pessoas não tem acesso à internet. Devido a isso, tivemos que montar uma equipe para realizar esses cadastros da população no Saúde Digital”.
O efeito da vacinação, afirma ela, é que no atual cenário, embora haja o aumento de casos de Covid, gestão municipal percebe que “são casos leves, as pessoas não estão se hospitalizado e nem indo a óbito.”
Nesse um ano, quais os maiores desafios na imunização?
Desde que a vacina da Covid chegou ao Brasil, não foram poucos os desafios para concretizar a aplicação. Nesse processo, alguns obstáculos podem ser destacados:
- Garantia de compra de vacina pelo Governo Federal: no decorrer da campanha de imunização, sobretudo, no início dela, houve atraso na compra e repasse das vacinas. Diante da lentidão do Governo Federal, estados e prefeituras chegaram a cogitar e a pleitear a compra com recursos próprios. O Ceará foi um deles;
- Cadastro da população: devido à dimensão da campanha, não havia no país base de dados sobre a quantidade precisa de pessoas a serem vacinadas. No Ceará, o governo adotou um cadastro digital próprio para garantir a logística da vacinação;
- Aceitação da vacina: na imunização contra a Covid, por razões diversas, ainda há pessoas que não compareceram à vacinação. Em um cenário de pandemia, os não vacinados são um problema para a saúde pública e um desafio aos governos, que precisam investir em busca ativa para alcançar coberturas mais elevadas;
- Surgimento de variantes e necessidade de evolução da tecnologia dos imunizantes: diante da dinâmica diferenciada do vírus, empresas produtoras de vacinas precisam atualizar a tecnologia para garantir eficácia e efetividade das vacinas, bem como as autoridades sanitárias precisam cobrar essa atualização.
Para o coordenador do Centro de Inteligência em Saúde do Ceará e cientista-chefe da Saúde do Estado, José Xavier Neto, o não comparecimento das pessoas à vacinação é o grande dilema. “O acesso não é um problema. As vacinas estão aí. A questão talvez esteja ainda com algum problema de acessibilidade, mas talvez gire em torno da aceitação”, completa.
José Xavier ressalta que o total de não vacinados é alto e “suficiente para gerar um grande número de doentes”.
“Ainda temos uma parcela da população resistente à vacina. Mas também temos um problema de acesso, atraso na vacinação dos adultos, atraso, agora, na vacinação das crianças. Mas, o maior desafio é a informação. É garantir que as pessoas tenham segurança da eficácia, mas também de que as vacinas não possam fazer mal”, avalia o professor do Departamento de Patologia e Medicina legal da Faculdade de Medicina da UFC, Edson Holanda Teixeira.
Já é possível falar quais imunizantes são mais efetivos contra o coronavírus?
“A vacina é a saída para a pandemia”, reforça o professor da UFC, Edson Holanda. Ele enfatiza que os imunizantes têm como principal papel “evitar que as pessoas morram. Obviamente têm também eficácia em relação a sintomas, hospitalização, e todas as vacinas utilizadas no Brasil foram importantes para controlar o número de pessoas que precisam de leitos de UTI”.
"Não quero nem imaginar se nós tivéssemos esse espalhamento da Omicron sem a cobertura vacinal”, acrescenta.
O coordenador do Centro de Inteligência em Saúde do Ceará, José Xavier Neto, também reitera a relevância das vacinas para evitar hospitalizações e mortes, independentemente da tecnologia utilizada. Mas, explica que há diferenças de efetividade.
“Você verá que as vacinas de RNA (Pfizer, Moderna) tem mostrado uma eficácia maior, seguida das vacinas com tecnologia de adenovírus modificados (Astrazeneca, Janssen, Sputnik), e depois as vacinas feitas com o vírus atenuado (Coronavac)”.
Como está o andamento da dose de reforço?
Uma outra constatação feita cientificamente no decorrer da pandemia é a queda na proteção gerada pelas vacinas alguns meses após a imunização. Por isso, países do mundo inteiro adotaram doses de reforços da vacina.
No Ceará, segundo vacinômetro da Sesa, a cidade com dose de reforço mais avançada é Reriutaba, 55,74% da população já foi vacinada com a D3. Fortaleza, por exemplo, tem cerca de 25% da população com a dose de reforço.
Na nova etapa, quantas crianças devem ser vacinadas no Estado?
Conforme estimativa do Governo do Estado, 904 mil crianças entre 5 e 11 anos estão aptas a receberem a vacinação contra a Covid no Ceará. Essa população precisa ser cadastrada na plataforma Saúde Digital.
O imunizante a ser aplicado nas crianças desta faixa etária é a Pfizer/Comirnaty pediátrica. Esta vacina é armazenada em frascos de 2ml, multidose (10 doses/frasco) e tampa na cor laranja, diferente da aplicada na população maior de 12 anos, cuja cor é roxa.
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Qual o grau de eficácia das vacinas contra a Ômicron?
O potencial da variante altamente transmissível escapar dos atuais imunizantes disponíveis é uma questão que tem alertado o mundo. Mas, ainda não há estudos conclusivos quanto a essa questão.
Na terça-feira (11), a Organização Mundial da Saúde afirmou que mais estudos são necessários para descobrir se as atuais vacinas oferecem proteção adequada contra a variante.
No Brasil, no início de dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) requisitou a todas às empresas fornecedoras de vacinas da Covid usadas no Brasil informações sobre os estudos em andamento.
O Diário do Nordeste solicitou informações à Anvisa sobre essa questão. Em nota, o órgão informou que “solicitou estes dados e vem acompanhando os estudos e evidências disponíveis. No entanto, ainda não é possível emitir uma posição definitiva”.
O que já se sabe sobre campanhas futuras? Haverá vacina todos os anos?
Essas são perguntas que ainda aguardam resposta a partir de dados concretos coletados em pesquisas científicas. O que se sabe até agora é que a imunidade gerada pelas vacinas depende de uma série de fatores, como idade, presença de comorbidades, tecnologia, exposição ao vírus, entre outros.
“Vamos ter esquemas de vacinação provavelmente anuais. Talvez, duas vezes por ano. E essas vacinas continuam as mesmas ou elas vão evoluir na direção da evolução do vírus. Talvez para a Covid, a gente chegue a um estado muito semelhante ao que temos para as vacinas de influenza. Que são vacinas desenvolvidas sempre para tratar o vírus que dominou o surto epidêmico do ano anterior”.
O professor da Faculdade de Medicina da UFC, Edson Holanda, ressalta ainda que há uma questão: “a distribuição desigual entre continentes e países. Isso gera um problema que é o campo aberto em potencial para a mutação e o acúmulo de mutações e variantes. Essas variantes podem escapar das vacinas e causar um problema mundial”.
De acordo com ele, com o atual quadro, o reforço na vacinação deve ser semestral. “Mas se o número de mutações não forem suficientes para causar mutações que escapem da vacinação, podemos ter anual. O fato é que não há como prever isso, porque temos países que não tem 1% da população vacinada”, avalia.