Número de inscritos para o Enem no Ceará cai 25,2% em relação a 2020

Especialistas associam redução a prejuízos de aprendizagem provocados pelas aulas remotas, quebra de vínculo entre aluno e escola e negação de pedidos de isenção das taxas de inscrição

Legenda: Em 2020, 325.706 candidatos do Ceará se inscreveram para o Enem.
Foto: José Leomar

O número de inscritos do Ceará para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano caiu 25,2% em relação à última edição do exame, em 2020. A queda acompanha a conjuntura nacional e pode estar atrelada à Covid-19. Segundo o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que aplica o Enem, houve redução de 29,5% nas inscrições em todo o País

A baixa, conforme especialistas consultados pelo Diário do Nordeste, pode ter acontecido em razão dos prejuízos à aprendizagem provocados pelas aulas remotas, da quebra de vínculo dos estudantes com as escolas e da decisão do Governo Federal de não bancar a isenção de quem faltou à edição de 2020. 

“Os estudantes que fazem o exame são, em sua maioria, das classes C, D e E, que vêm de escola pública. Ano passado, muitos deixaram de fazer a prova por receio da pandemia, da situação sanitária. E essa decisão do MEC [Ministério da Educação] de não dar isenção deve ter excluído muita gente que não consegue realizar a avaliação sem a isenção”, observa Lucas Hoogerbrugger, líder de Relações Governamentais do movimento Todos pela Educação. 

No entanto, ele lembra que, no campo de justificativas para não comparecer à prova, não havia nada relacionado especificamente à situação sanitária. “As justificativas eram doenças e outros tipos de imprevisto”, cita o especialista. 

No Ceará, o Governo Estadual sancionou lei que assegura a isenção a estudantes e egressos da rede pública estadual que, devido à pandemia, não prestaram o Enem em 2020 e tiveram seus pedidos negados pela gestão federal.  

“Tentamos fazer um apelo ao Ministério da Educação para que garantisse a isenção não só no Ceará, mas no Brasil inteiro. Como não foi garantido, mandamos uma lei para a Assembleia Legislativa garantindo o pagamento”, disse, à época da sanção, no último 6 de julho, o governador Camilo Santana. 

No entanto, ainda preocupa a situação sanitária, especialmente para evitar que haja outras abstenções no exame este ano. “Ano passado, muitos deixaram de fazer a prova porque estavam com medo das condições sanitárias e, de fato, quando foram verificar os espaços, tinha salas superlotadas, sem ventilação cruzada, aglomerações na entrada”, enumera Hoogerbrugger.  

Decisão de esperar 

Outro fator apontado pelo consultor educacional Rogers Mendes para a redução nas inscrições é a decisão pessoal de candidatos que, devido às aulas remotas, não se sentem preparados para se submeter ao Enem este ano ou mesmo que preferem aguardar a situação sanitária no País melhorar. 

Sobre outro possível cenário de grandes abstenções, Mendes diz que não é possível cravar nenhuma projeção, visto que vai depender do cenário de casos, internações e óbitos causados pela Covid-19 no momento do exame. “Tem um vai e volta nas tensões da pandemia”, lembra o especialista. 

Histórico 

O montante atual de cadastros para o Enem no Ceará (243.414) é o menor desde 2011, quando 300.294 candidatos se inscreveram para o exame que se tornou a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil. 

A tendência de queda no número de inscritos existe, pelo menos, desde 2016. No entanto, há explicações técnicas para isso. 

De acordo com Mendes, no início da década, houve um “boom” de inscrições em virtude da mudança de perfil do Enem, que deixou de ser uma “autoavaliação” para ser um exame admissional para o ensino superior.  

Além disso, ele lembra que, entre 2013 e 2016, a prova foi utilizada, também, para gerar certificado de conclusão de ensino médio, o que também puxou um aumento de participação. Sem contar a “correção de fluxo” natural que acompanha a redução de matrículas no ensino médio e questões ligadas ao crescimento populacional. “Claro que existe fenômeno de um ano pra o outro de um trabalho mais efetivo de mobilização [para as inscrições] que gera uma queda ou subida, mas é um número muito instável”, diz. 

Hoogerbrugger também ressalta que, em 2016, quando os números de inscrições começaram a cair, houve a retirada do Exame Nacional Para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) do Enem, o que, da mesma forma que fez aumentar a participação, fez, também, diminuir. 

Enem e Novo Ensino Médio 

Nesta semana, o MEC anunciou que o cronograma de implementação do Novo Ensino Médio deve começar em 2022 e ser concluído em 2024 com uma reformulação total do Enem baseada nas novas matrizes curriculares. 

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No entanto, Mendes acredita que, até lá, deve ser considerada uma fase de transição. “Talvez, o que a gente tenha durante um tempo, sejam dois exames”, aposta o especialista. Isso porque, segundo ele, tanto precisam ser respeitadas as trajetórias das turmas formadas no Novo Ensino Médio quanto das que ainda estão concluindo a etapa na matriz “tradicional”, atual. 

“A gente precisa respeitar uma geração de pessoas que quer acessar a universidade, fazer o Enem, e que não teve o Novo Ensino Médio como um modelo organizacional”, compreende o consultor. 

Já Hoogerbrugger destaca que, nos países onde se acelerou mudanças em avaliações educacionais logo após uma reformulação do currículo escolar, “os efeitos foram negativos”. Por isso, e por entender que há um descompasso no cronograma de implementação desse modelo, que deveria ter sido aplicado desde 2017, o especialista entende, também, que avaliações como o Enem também vão precisar ser reajustadas à realidade atual dos estudantes.