Decreto estadual que suspendeu atividades presenciais em escolas e universidades completa um ano nesta sexta-feira (19)
Há exatamente um ano, imediatamente após a confirmação dos primeiros casos de Covid-19 no Ceará, um decreto do Governo Estadual suspendeu as aulas presenciais. Hoje, doze meses depois, os dilemas e as superações relacionados às escolas fechadas incluem o nível aprendizagem, as limitações de acesso e adaptações ao uso das tecnologias, os impactos sócio-emocionais e o medo do aumento do abandono escolar.
No decorrer do último ano, a rede privada retomou, em certo grau, as atividades em sala de aula. Contudo, o novo lockdown impôs novamente restrições.Já na rede pública, a maioria das escolas municipais e estaduais, segue fechada desde março de 2020, e nesse um ano, não foram poucos os desafios.
“A sala de aula fez e ainda faz muita falta”, ressalta a estudante Rebeca Sales Mota, moradora do Conjunto Ceará, em Fortaleza. A pandemia atravessou o percurso do 2º ano do ensino médio para ela.
Assim como milhares de outros alunos, professores e gestores, o ano passado foi de surpresas, adaptações e tentativas. Estudante da escola da rede estadual Dr. Gentil Barreira, hoje ela cursa o 3º ano em um 2021 que começou com expectativas de mudanças, mas que, dada a gravidade da crise sanitária, segue cheio de restrições na área da educação.
“Nós, alunos, tivemos grandes desafios, mas acredito que um dos maiores tenha sido a falta de um ambiente correto para estudarmos. Na escola, tínhamos um lugar feito e pensado especialmente pra isso. Já em casa, existem outras dinâmicas acontecendo ao mesmo tempo, então, na maioria das vezes, é impossível se concentrar nas aulas e nas leituras”, relata a estudante.
A falta de um espaço adequado causou, segundo ela, “muitas frustrações, ansiedade e outros problemas” que dificultaram a experiência do ano letivo de 2020.
Na rede pública estadual, nesse intervalo de tempo, algumas escolas voltaram, ainda em 2020, a ter aulas presenciais na preparação para o Enem.Em 2021, conforme estabelecido pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc), as unidades puderam escolher, no início do ano, se adotariam um modelo híbrido — presencial e remoto —. Mas, o avanço da pandemia, voltou a afetar essa possibilidade.
O ano passado também demandou a garantia de suporte para que, na ausência das salas de aula, fosse possível garantir o processo educativo. A Seduc afirma que já distribuiu chips de internet para 347 mil estudantes e está em processo de compra de 150 mil tablets.
Professores tentam combater desânimo de alunos
“Eu acredito que tivemos muitos desafios, mas dois eu destaco: o primeiro foi manter o vínculo do aluno com a escola. A escola conseguiu manter esse vínculo através de busca ativa, através de ligações, da parceria com a família", avalia a professora de matemática, Tyara Lima, da Escola Estadual de Educação Profissional Adriano Nobre, em Itapajé, no interior do Ceará.
Já o segundo desafio, conta a professora, é "gerar uma aprendizagem significativa, de fazer que em meio a tantas dificuldades, em meio ao medo, à falta de recursos, ainda assim, o aluno continuasse tendo aula e aprendendo aquilo que era necessário para aquela série”.
Em 2021, relata ela, o início do ano foi de muita esperança. Na instituição, o começo do ano teve aulas híbridas, mas isso não durou muito. “De repente, a gente teve que parar. Nem dessa maneira híbrida a gente pode mais realizar as aulas presenciais”, relembra. Contudo, a prática de 2020 indicou como continuar, avalia ela.
Hoje, para a professora, o maior desafio é “quanto a questão dos alunos de primeira série”. De acordo com Tyara, essa etapa recebe um público advindo de distintos escolas, com realidades diferentes. Em 2021, a batalha inclui vencer o desânimo.
“Com o tempo, esse modelo pode se tornar sacal para eles (alunos), não é? Eles podem ficar cansados. Então, a gente precisa inovar na prática, nas metodologias, estar sempre buscando novas maneiras de atrair esse aluno”, afirma.
Escolas divergiam sobre aulas remotas
A realidade vivenciada nas redes de ensino do Ceará se repete país afora. Segundo pesquisa da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com apoio do Unicef e Itaú Social, 63,3% das redes de ensino do Brasil estavam planejando iniciar o período letivo de forma remota, enquanto 26,3% cogitaram o modelo híbrido, e 3,8% decidiram que voltariam presencialmente.
As expectativas para a volta às salas de aula, porém, mais uma vez foram suspensas por causa da pandemia. E os impactos a curto, médio e longo prazo na educação brasileira continuam a se acumular.
“Hoje, tem mais de cinco milhões de crianças (no País) que não estão aprendendo, tendo acesso à educação (mesmo, às vezes, estando matriculados em escolas). A gente já está vendo um impacto muito grande”, alerta Dennis Larsen, coordenador do Unicef para o Semiárido.
A entidade considera que escolas devem ser serviços essenciais, sendo as últimas a serem fechadas e as primeiras reabertas, dependendo da situação epidemiológica de cada lugar.
Somada casos de doença na família e problemas de saúde mental engatilhados pela pandemia, essa dificuldade de aprendizagem preocupa ainda mais porque pode levar ao abandono dos estudos. “Começam a sair aos poucos”, sinaliza Dennis.
Desafio de deter o abandono escolar
Além da brusca necessidade de adaptação, a suspensão das aulas presenciais, efeito da crise sanitária, também gerou temores quanto ao possível aumento do abandono escolar.
No Ceará, essa situação no decorrer dos anos anteriores à pandemia apresentava melhoras. O medo era que a ausência das atividades presenciais ampliasse esse problema histórico.
Dados quanto à saída precoce dos alunos das escolas, referentes a 2020, ainda serão divulgados oficialmente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Apesar do cenário preocupante, a rede municipal de Fortaleza, segundo projeção da Prefeitura, também deve registrar, pelo 6º ano consecutivo, queda nas taxas de abandono escolar.
A Secretaria Municipal de Educação (SME) atribui a redução, em pleno ano da pandemia, principalmente, às buscas ativas por estudantes que não participavam das atividades escolares remotas. No ano passado, conforme a pasta, ficou em 98% o índice de devolutiva de atividades e de interação com os professores.
Na escola estadual Adauto Bezerra, no Bairro de Fátima, em Fortaleza, o diretor da unidade, Otacílio Bessa, explica que apesar das limitações quanto às aulas presenciais nesse último ano, houve redução de abandono escolar em relação a 2019, caindo de 2,1% para 1,6%.
“Quando a gente saiu [das aulas presenciais, um ano atrás], a gente imaginava que, em 15 dias, voltava. Estamos até hoje nessa história. A acolhida [dos alunos] não pode esperar quando a gente estiver presente de novo. A gente tem que fazer isso no cotidiano, de forma remota”, compartilha o gestor.
No Adauto Bezerra, segundo Otacílio, a busca ativa por alunos que não comparecem às aulas remotas é feita tanto por um professor — o “diretor de turma” — quanto por outros estudantes que são eleitos para representar os colegas. No primeiro ano da pandemia, foram diagnosticados, principalmente, de acordo com o diretor, casos de depressão e ansiedade e doenças [além da Covid-19] na família.
Para o coordenador do Unicef para o Semiárido, Dennis Larsen, essa estratégia da busca permanece a mais acertada para diminuir a evasão e o abandono escolar e deve ser ampliada este ano. Isso porque, “uma vez que [os estudantes] perdem o vínculo [com a escola], é muito mais difícil voltar” e o Brasil pode chegar a retroceder 20 anos em estatísticas educacionais.
“A escola é essencial. Não só pela aprendizagem, mas, também, porque crianças sofrem risco de violência [fora dela] e é um lugar que mantém a saúde mental. Deve ser”, pontua o especialista.
O acesso a equipamentos tecnológicos para participar das aulas foi um dilema em 2020 e continua sendo uma dificuldade este ano, diz o diretor da Adauto Bezerra, Otacílio Bessa. Nos casos em que o aluno não consegue de jeito nenhum participar das atividades, a escola oferece apostilas detalhadas e disponibiliza os professores para orientar os estudos e tirar dúvidas quando necessário.
Na Capital, a Prefeitura informou que também deve adquirir os equipamentos e distribuir 22.114 tablets para estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) IV ainda este ano. Além disso, garantiu que, em até um mês, vai disponibilizar 242 mil chips para alunos e professores usarem em casa.