Mensagem de padre que foi hostilizado em missa no Ceará é que religiões precisam ser luz para fiéis

Mundo em conflitos e construção da paz são desafios para os cristãos, diz o sacerdote Lino Allegri

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Padre Lino Allegri
Legenda: Padre Lino Allegri foi hostilizado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em julho de 2021
Foto: Thiago Gadelha

Planejamento para o ano todo, boletos para pagar, estudos para terminar, família e amigos para dar atenção. Manter a cabeça clara e perseverar em meio ao caos de um início de ano pode ser desafio para muita gente, mas ter esperança em dias melhores segue sendo o melhor conselho, segundo o padre Lino Allegri.

O sacerdote italiano se formou em 1965, na Diocese de Bolzano. Em 1970, chegou em missão ao Brasil. Por duas décadas, trabalhou em cidades da Paraíba, Bahia e Goiás. Finalmente, em 1991, chegou a Fortaleza, onde fixou de vez suas raízes.

Na Capital cearense, foi responsável pelas comunidades do Genibaú, Tancredo Neves e Barra do Ceará, além de participar de pastorais sociais, como a do Menor e a do Povo da Rua.

Há dez anos, em dezembro de 2012, ele recebeu o Prêmio Frei Tito de Alencar de Direitos Humanos, oferecido pela Assembleia Legislativa do Ceará a pessoas ou entidades que se destacam na Defesa da Cidadania.

Enquanto criticava a condução da política de saúde durante a pandemia, em julho de 2021, o sacerdote foi alvo de hostilização em uma missa da Paróquia da Paz, bem como nas redes sociais, por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Padre Lino diz que episódio de violência
Legenda: Padre Lino diz que episódio de violência sofrido em 2022 ficou esquecido. Ele aponta que é preciso focar na humanidade para salvar a humanidade
Foto: Thiago Gadelha

Devido ao caso, o padre foi indicado para o Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. No entanto, ele classifica que, atualmente, a situação está controlada. “O que passou passou, graças a Deus”, percebe.

“2022 foi um ano bem mais tranquilo. Tenho ainda um pouco de dificuldade de as pessoas aceitarem um tipo de presença de igreja, um modo de falar durante a missa, mas não houve mais uma manifestação externa de rejeição”, conta.

Lino, cujos 84 anos foram comemorados no último dia 21 de dezembro, se entende como um homem que espera, porque esperança também exige paciência para absorver e entender os acontecimentos.

Ficando mais velho, a gente percebe que mesmo nos conflitos em que podemos nos ver com desespero e com pessimismo, há sempre possibilidade de melhorar a vida pessoal, comunitária e mesmo da humanidade. É a esperança que nos ajuda a caminhar.

Para ele, esse ensinamento parte do próprio Natal, quando “Deus se fez humano como nós para nos ensinar a viver como humanos”. 

“Ser cristão não é algo fora das nossas possibilidades, como se Ele tivesse colocado para nós um ideal que não poderíamos conseguir. Nós, humanos, é que às vezes somos desumanos: quando, no lugar do amor, colocamos o ódio; no lugar da fraternidade, colocamos a rivalidade; no lugar da capacidade de acolher o outro, criamos muros”.

Ano Novo, Vida Nova

A máxima repetida a cada novo ciclo permanece válida, na leitura do sacerdote, porque traz o desejo de que o ano que entra seja melhor do que o ano que passou. Mas não só pelos desígnios de Deus, ressalta, mas pela própria ação humana.

Afinal, o 1º de janeiro é dedicado ao Dia Mundial da Paz, uma confraternização universal - ainda que o planeta todo viva tempos conturbados, como a guerra na Ucrânia e outros conflitos que não são publicizados.

Como diz o Papa Francisco, a guerra na Ucrânia significa a derrota da humanidade. Isto é triste. Mas a gente mantém a esperança porque a esperança faz parte da vida do cristão.

O sacerdote espera que as igrejas e religiões “sejam luz” e ajudem a estimular esse sentimento, e não, pelo contrário, encorajem um clima de hostilidade e violência, “até em nome de Deus, que é o maior absurdo do mundo”.

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Paz para si e para o mundo

Mesmo que tenha apoio de líderes e comunidades religiosas, o processo de construção da paz começa consigo mesmo, ensina o padre. Primeiro, se faz necessário compreender e solucionar os próprios conflitos internos para, então, contagiar o entorno.

É um esforço lutar contra o egoísmo e a violência que estão dentro de nós, contra essa mania de ver o outro como inimigo. Se nos tornamos pessoas de paz, podemos também construir uma comunidade de paz.

E não há fórmula mágica para se atingir essa completude: os ensinamentos estão descritos na própria base do Cristianismo.

“Viver como cristão é viver como humano, não é outra coisa. Na medida que colocamos os outros como nossos irmãos, conseguimos fazer uma humanidade mais humana”, espera Allegri.

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