Espanha planeja tratar a Covid-19 como doença endêmica; ideia é questionada por especialistas
País com 90% de vacinados acima de 12 anos justificou que atua junto à comunidade científica na tomada de decisões
Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) considere uma posição prematura, a Espanha planeja considerar o coronavírus como uma doença endêmica. A ideia do país abriu o debate entre governos que precisam de "normalidade" e uma comunidade médica que defende "manter a guarda".
Veja também
O governo de esquerda espanhol tem sido o mais enfático em falar abertamente sobre tomar medidas para começar a considerar o coronavírus como uma doença a se conviver normalmente, como a gripe, sempre esclarecendo, porém, que não era um passo iminente.
A Espanha "trabalha com a comunidade científica" para, quando chegar o momento, "passar da gestão da pandemia para a gestão de uma doença que esperamos que a ciência possa tornar endêmica", reiterou o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, em coletiva de imprensa com o seu colega alemão, Olaf Scholz.
A variante Ômicron multiplicou os casos como nenhuma outra, mas sem tantas mortes ou internações, o que levou muitos governos a aliviar as restrições em meio à sexta onda na Europa, dando alguns passos na direção que a Espanha aponta.
No entanto, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, respondeu na terça-feira (18) que a pandemia "está longe de terminar", alertando que "é provável que surjam novas variantes".
A OMS também alertou contra a tentação de minimizar uma doença endêmica. "Endêmico por si só não significa que seja bom; endêmico significa apenas que está aqui para sempre", disse o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, em uma sessão virtual do Fórum Econômico Mundial na terça, citando a malária como exemplo.
A Espanha está em boa posição para abrir o debate, pois possui uma das maiores taxas de vacinação do mundo, com 90,5% de sua população acima de 12 anos totalmente imunizada. "Com uma alta taxa de vacinação, a pandemia pode ser superada melhor", admitiu o chanceler alemão.
"Falsas ilusões"
Para Fernando García, do Centro Nacional de Epidemiologia e porta-voz da Associação de Saúde Pública de Madri, falar de uma endemia neste momento "é criar falsas ilusões".
"Estamos caminhando para tornar o vírus mais endêmico, mas acho que não podemos dizer que já chegamos a essa situação", dialogou Marco Cavaleri, chefe da estratégia de vacinação da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Não há fronteira numérica de casos que separe uma epidemia de uma endemia.
"Epidemia é quando há um surto de casos muito importante, acima do normal, que é o que estamos vivenciando desde o início de 2020. E endemias são casos que podem ter um comportamento sazonal, mas que não pressionam o sistema de saúde", estimou García.
Nem está escrito que um vírus evoluirá para causar menos danos. "A gravidade futura permanece uma grande incógnita. Não há lei que dite que um vírus deve se tornar mais leve", sustenta Antoine Flahault, diretor do ISG (Institute of Global Health) de Genebra, no Twitter.
Sintomas leves e poucas hospitalizações
Quando o coronavírus for endêmico, "a maioria das pessoas terá sintomas leves, haverá alguns que sofrerão complicações que os levarão ao hospital e morrerão", disse García.
"Nunca acontecerá que um quarto dos leitos em unidades de terapia intensiva estejam ocupados por covid, nem 5%. Provavelmente será atendido no campo da atenção primária".
A Espanha tem atualmente mais de 23% dos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) ocupados por pacientes com Covid, e mais de 91 mil pessoas morreram desde o início da pandemia em março de 2020, 2.610 delas entre 17 de dezembro e 18 de janeiro.