Cocaína 'envenenada' na Argentina pode ter sido adulterada com opióide 100 vezes mais forte
Pelo menos 22 pessoas morreram após consumirem a droga
Uma intoxicação em massa com cocaína adulterada causou pelo menos 22 mortes na periferia de Buenos Aires, em uma emergência que as autoridades já consideraram "controlada" nesta quinta-feira (3).
O secretário provincial da Saúde, Nicolás Kreplak, afirmou que postos de venda da droga foram desmantelados e “20 mil doses foram confiscadas”.
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Um porta-voz do Ministério da Segurança da província disse à AFP que o produto causou 22 mortes. Além disso, 20 pacientes permanecem internados com assistência respiratória mecânica. Mais de 80 pessoas foram hospitalizadas nas últimas 24 horas, em hospitais do oeste e norte da Grande Buenos Aires.
"Teria sido uma tragédia maior" se não tivesse sido apreendida "uma grande quantidade" de cocaína aparentemente misturada com um opiáceo, disse Pablo Bianco, chefe de gabinete da província de Buenos Aires.
Fentanil
A adulteração teria sido feita com fentanil, substância 100 vezes mais potente. A droga é um agente responsável pela chamada 'crise de opioides' nos Estados Unidos, causando diversas mortes por overdose.
Em território norte-americano, a droga é vendido com receita médica e geralmente prescrita para vítimas de acidentes ou pacientes que se recuperam de cirurgias e sofrem de dores fortes e têm tolerância a outros opioides. O medicamento causou a morte do cantor Prince.
Traficantes presos
O chefe e dois outros membros da quadrilha de traficantes da cidade de San Martín que distribuiu a cocaína foram presos na madrugada desta quinta-feira.
O secretário de Segurança de Buenos Aires, Sergio Berni, negou que "uma guerra às drogas" seja a causa da adulteração. Ele atribuiu o ocorrido à inexperiência no manuseio de produtos químicos. "Ninguém conspira contra seu próprio negócio", argumentou.
A cocaína foi distribuída a partir da noite de terça-feira no assentamento Villa Puerta 8, no município de Tres de Febrero, a 40 quilômetros da capital.
Alerta
Alguns consumidores morreram de parada cardíaca súbita e vários em suas próprias casas. "Espero um milagre", disse Beatriz Mercado, angustiada, no hospital para onde levou o filho de 31 anos após encontrá-lo na cozinha de sua casa. "Eu o encontrei caído no chão. Mal, muito mal, quase não respirava, com os olhos virados para trás", contou.
O Ministério da Saúde de Buenos Aires se viu obrigado a emitir um inédito "alerta epidemiológico" na quarta-feira e pediu aos consumidores que se desfaçam de substâncias adquiridas recentemente.
Reincidência
“Tivemos três casos de pessoas com intoxicação que receberam alta e nesta quinta-feira voltaram (a ser hospitalizadas) porque voltaram a consumir”, afirmou Kreplak ao canal TN.
A droga letal ainda está em análise, mas Berni antecipou que contém um opiáceo, pois muitas pessoas intoxicadas reagiram positivamente ao tratamento médico para esses casos de abuso de consumo.
Segundo o ministro argentino da Segurança, Aníbal Fernández, o problema do tráfico e consumo ilegal de drogas na Grande Buenos Aires, com seus 10 milhões de habitantes, "está tão grave quanto sempre foi, com o agravante de superprodução e superoferta" de substâncias de baixo custo e qualidade.
Berni apontou que, na cidade de Buenos Aires e na província de mesmo nome, que concentram 40% da população do país, "há uma venda de 250 mil doses de cocaína por dia”.
Em 2020, em plena pandemia, o consumo de drogas ilícitas caiu na Argentina. Foram apreendidas 2,7 toneladas de cocaína e 198 toneladas de maconha. Em 2017, havia sido apreendido um recorde de 12,1 toneladas de cocaína.
Pobreza e drogas
A Grande Buenos Aires registra um índice de 45,3% de pobreza e 10,1% de desemprego, segundo o Instituto de Estatísticas.
Villa Puerta 8, onde a cocaína adulterada foi vendida, é um bairro de 170 casas precárias onde muitos jovens se envolvem no tráfico de drogas, indicaram moradores à imprensa.
Mas "a droga não tem status social: ricos, pobres, classe média, profissionais. Não adianta realizar prisões, façamos centros de reabilitação", disse Beatriz Mercado, mãe de uma vítima em estado grave.
Blanca, mãe de um dos internados, declarou em frente ao hospital que o Estado não lhe oferecia alternativas ao tratamento privado para viciados, que custa 60 mil pesos por mês (300 dólares no câmbio paralelo).
O sociólogo Alberto Calabrese, especialista em vícios, disse à AFP que a subnotificação do uso de drogas ilícitas no país “é muito grande” e que “em condições de pobreza e falta de horizontes, é muito provável que aumente o consumo de seja o que for”.
"Não é preciso colocar o problema exclusivamente em termos de pobreza, porque é um equívoco, ele atravessa a sociedade, com drogas legais e ilegais", completou.