Violência, gravidez e falta de estrutura: pesquisa denuncia cenário de centros socioeducativos do CE
Superintendência Estadual respondeu que melhorias de infraestrutura e de vistoria têm sido realizadas e que adolescentes grávidas aguardam decisões judiciais
O 5º Monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense, que será lançado nesta terça-feira (12) na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), denuncia uma série de irregularidades e problemas no Sistema Socioeducativo cearense - como casos de violência, adolescentes grávidas reclusas e falta de estrutura - e faz recomendações às autoridades.
A pesquisa foi realizada por técnicos do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA-CE), do Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Fórum DCA) e do Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, entre maio e junho de 2022, a partir de entrevistas com 133 internos (o que, na época, representava 23% de um total de 563 crianças e adolescentes) das 18 unidades socioeducativas que existem no Estado - espalhadas por Fortaleza, Sobral, Iguatu e Juazeiro do Norte.
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Os técnicos concluíram que 14 das 18 unidades socioeducativas (ou seja, 78% do total) não possuíam infraestrutura em conformidade com os parâmetros do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Alguns dos problemas de infraestrutura foram elencados por uma uma das técnicas do Monitoramento, a psicóloga do CEDECA, Jamyle Souza, em entrevista ao Diário do Nordeste: "Eram espaços muito úmidos, muito quentes. Para passar pouco tempo lá, a gente teve muita dificuldade. É comum ter poças de água acumuladas. Os banheiros são dentro dos dormitórios, não têm aparelhos sanitários, são 'turcas' (espécie de vaso instalado no nível do chão), fica um odor muito forte. Não tem cama, os colchões ficam em cima de pedras. E as alimentações são feitas dentro dos dormitórios".
Isso se liga diretamente às questões de saúde dos adolescentes, que são principalmente doenças dermatológicas e respiratórias. Não tem como não pensar na influência desses locais na saúde dos adolescentes."
Procurada pela reportagem, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo do Ceará (SEAS) respondeu, em nota, que "as unidades socioeducativas do Estado apresentam metodologia e equipes qualificadas para a prestação de serviço e que vem atuando para evoluir ainda mais na estrutura física e infraestrutura externa de algumas unidades, para atender cada vez mais os padrões do Sinase".
Conforme o Monitoramento, 77 jovens em conflito com a lei (58% do total entrevistado) afirmaram que já sofreram violência na unidade. E, em 13 dos 18 centros, há relatos de episódios de violência praticados por socioeducadores.
Jamyle Souza afirma que são "violências tanto físicas quanto psicológicas". "Há relatos de jovens que são chamados de 'bandidos', situações de transfobia. A gente também encontrou agressões físicas, situações de tortura. E revistas vexatórias, em que os adolescentes ficam nus, precisam se agachar e tossir três vezes. A gente encontrou até, em uma unidade, escrito na parede como deve ser feita essa revista. Essa revista vexatória não é citada na portaria da SEAS sobre como uma revista deve acontecer", detalha.
Sobre as denúncias de "revistas vexatórias", a SEAS afirma que, em 2020, "iniciou a instalação de scanners corporais nas unidades socioeducativas visando qualificar os processos de revista pessoal, sendo recurso inclusive reconhecido pelos órgãos de monitoramento como um avanço".
Em 2021, a SEAS publicou a Portaria nº 004 que institui as regras de segurança preventiva, definindo procedimentos operacionais no âmbito das unidades. As equipes são orientadas ainda em formação inicial sobre seu conteúdo e continuamente acompanhadas na sua operacionalização. Em caso de condutas de profissionais em desacordo com as diretrizes socioeducativas, os casos são apurados pela Corregedoria."
Adolescentes grávidas e adoecimento mental
O 5º Monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense também revela que pesquisadores se depararam com 6 adolescentes grávidas, no Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa - que já foi alvo de denúncias de tortura e assédio sexual em outubro deste ano.
O CEDECA afirma que a manutenção das adolescentes grávidas em reclusão fere Resolução Conanda n. 233/2022, que estabelece diretrizes e parâmetros de atendimento socioeducativo às adolescentes privadas de liberdade no Brasil. Segundo o Órgão, as jovens denunciaram o uso de algemas, dificuldade de ter acesso à exames ginecológicos, assédio sexual e adoecimento mental.
A SEAS alegou que "no caso de adolescentes gestantes, lactantes, mães e titulares de guarda ou tutela de crianças e adolescentes, a informação é repassada de forma imediata para o sistema de justiça, a quem cabe a decisão sobre a aplicação da medida".
Outra preocupação da pesquisa foi com a saúde mental dos internos. Ao todo, 53 adolescentes ouvidos (43% do total) relataram apresentar pensamentos suicidas; a mesma quantidade revelou já ter se auto lesionado; e 55 jovens (41%) disseram fazer uso prescrito de psicotrópico.
Recomendações às autoridades
Os técnicos concluíram a pesquisa com recomendações às autoridades, que englobam melhorias de saúde integral e saúde mental, educação e infraestrutura para o Sistema Socioeducativo cearense. Confira algumas delas:
- Fechamento das duas unidades, São Miguel e São Francisco, ambas mencionadas na ação civil pública ajuizada pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará) e pela Defensoria Pública Geral do Ceará em agosto de 2022;
- Reforma das unidades consideradas inadequadas de acordo com os padrões do Sinase;
- Garantia periódica de Práticas Integrativas e Complementares nos Centros Socioeducativos, com a perspectiva de promoção de saúde e que atendam as necessidades de cada adolescente;
- Garantia periódica de atendimento psicossocial a todas/os adolescentes, sendo a periodicidade de cada atendimento avaliada a partir da demanda apresentada;
- Criação do Censo Escolar do Sistema Socioeducativo Cearense, com divulgação anual de dados desagregados, de modo a subsidiar a efetivação do direito à educação para as/os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade;
- Garantia da matrícula, frequência e documentação/certificação escolar, de todos/todas adolescentes na rede pública de ensino, incluindo as pessoas com deficiência, em qualquer fase do período letivo, contemplando as diversas faixas etárias e níveis/ etapas/ modalidades da educação, bem como as desigualdades sociais, raciais e de gênero;
- Desenvolver ações e projetos contínuos de enfrentamento das violências de gênero na unidade, que envolvam a direção, socioeducadores/as, adolescentes e seus familiares;
- Ampliação e execução do orçamento previsto para a reforma dos centros socioeducativos, de modo a melhorar as condições estruturais das unidades que são precárias ou inadequadas.