PM vira réu por matar preso algemado com tiro pelas costas em Fortaleza

O detento tentou fugir dos policiais e acabou baleado na cabeça.

Escrito por
Messias Borges messias.borges@svm.com.br
(Atualizado às 08:20)
A imagem de uma câmera de segurança mostra um momento em que um preso tentou fugir algemado e foi baleado por policial militar, em Fortaleza. A imagem está em preto e branco, há um poste em primeiro plano e carros na rua.
Legenda: Câmera de segurança filmou o momento em que o preso tentou fugir algemado e foi baleado pelo policial militar, em Fortaleza.
Foto: Reprodução.

Um policial militar virou réu na Justiça do Ceará por homicídio contra um detento, em Fortaleza. Carlos Ritchely de Souza Lopes estava algemado e tentou fugir de uma equipe policial, quando foi baleado na cabeça, pelas costas.

O Ministério Público do Ceará (MPCE) apresentou denúncia contra o cabo PM André Luiz Almeida de Oliveira por homicídio duplamente qualificado (por motivo futil e com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido), no dia 21 de setembro deste ano.

A denúncia foi recebida pela 1ª Vara do Júri de Fortaleza e o acusado virou réu, no dia 29 daquele mês. A Justiça marcou a primeira audiência de instrução do processo para o dia 10 de dezembro deste ano, às 14h15.

Para o MPCE, o cabo Almeida, "abusando das prerrogativas legais, e assumindo o risco de causar a morte, efetuou disparo contra o preso em fuga, a vítima Carlos Ritchely de Souza Lopes, que estava algemado, desarmado, não representava risco imediato de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros".

A ação do policial militar também é investigada em âmbito administrativo, pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD).

A defesa de André Luiz Almeida de Oliveira foi procurada pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre o caso.

No processo, a defesa pediu à 1ª Vara do Júri de Fortaleza para transferir o processo para a Vara da Auditoria Militar, para ser julgado como um crime militar. O MPCE se posicionou contrário ao pedido. A Justiça rejeitou a petição da defesa e ratificou o recebimento da denúncia, no último dia 3 de novembro.

Veja também

Prisão que terminou em morte

Carlos Ritchely de Souza Lopes foi alvo de mandado de prisão por sentença condenatória, na manhã de 24 de julho deste ano. Ele foi preso em casa (onde também funcionava uma oficina de propriedade dele), na Praia da Tabuba, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

O mandado foi expedido pela Vara Única do Júri da Comarca de Caucaia, em razão de uma condenação a 10 anos e 2 meses de prisão, por uma tentativa de homicídio ocorrida em 2009.

A mãe de Carlos Ritchely, Christhiana Lopes, contou à reportagem que o filho "recebeu bem os policiais em casa" e não reagiu. Carlos teria sido levado à Delegacia de Caucaia e depois à Perícia Forense do Ceará (Pefoce), para passar pelo exame de Corpo de Delito.

"Meu filho disse para eu ir ao fórum, no outro dia, onde ele passaria por audiência de custódia. E disse que ficaria um ano e alguns meses preso, então ele não pretendia fugir", afirma Christhiana Lopes.

Depois da Pefoce, o preso foi levado à Delegacia de Capturas e Polinter (Decap), em Fortaleza, ainda no último dia 24 de julho. Câmeras de segurança da região mostram que, ao sair da viatura policial, Carlos Ritchely correu, mesmo algemado. O policial André Luiz Almeida de Oliveira tentou alcançá-lo e efetuou um disparo, que atingiu a cabeça do detento.

"A vítima aproveitou um momento em que estava desembarcando do xadrez da viatura, correu de costas para o policial militar, que, por sua vez, seguiu atrás do preso em fuga, mas o preso já se distanciava, quando, simplesmente, o réu efetuou disparo, atingindo a região temporal esquerda (lateral da cabeça) da vítima, com saída na parte frontal, conforme esquema do Laudo Pericial", destacou o promotor de Justiça Ythalo Frota Loureiro, na denúncia.

Christhiana Lopes foi ao fórum no dia 25 de julho, na expectativa de ver o filho e acompanhar a audiência de custódia. Entretanto, ele não apareceu. Ela foi encontrá-lo no Instituto Doutor José Frota (IJF), já morto e sem identificação. "Entreguei meu filho vivo e recebi ele morto", lamentou.

Pedidos de condenação

Além da condenação à prisão, pelo crime de homicídio qualificado, o Ministério Público do Ceará pediu à Justiça pela perda do cargo público de André Luiz Almeida de Oliveira.

"A conduta criminosa do réu é justamente o contrário do que se espera de um agente de segurança, que deveria velar pelo cumprimento da lei e ser exemplo entre seus pares e uma referência moral na sociedade", considerou o MPCE.

A Defensoria Pública Geral do Ceará também atua no processo. "A Defensoria Pública, por meio da Rede Acolhe, atua no caso oferecendo suporte jurídico e psicossocial aos familiares da vítima, ocupando a posição processual de assistente de acusação", explica o defensor público Muniz Freire.

Temos a expectativa que a Justiça seja feita. Por mais que isso não vá trazer a vítima de volta para o seu ambiente familiar, não deixa de ser uma forma de conforto para os familiares saber que a impunidade não prosperou."
Muniz Freire
Defensor público

A mãe de Carlos Ritchely espera pela condenação do réu e confia na atuação dos órgãos públicos que atuam na acusação. "Estou confiando cegamente no Ministério Público e na Defensoria Pública. Porque, na Polícia, eu não estou confiando", concluiu Christhiana Lopes.

Investigação contra outros PMs

O promotor de Justiça Ythalo Loureiro também remeteu o processo à Vara da Auditoria Militar do Ceará para apurar a responsabilidade criminal dos outros dois policiais militares que integravam a equipe com o cabo Almeida.

Os militares são um subtenente (comandante da equipe) e um soldado. O Diário do Nordeste opta por não divulgar o nome dos policiais, em razão da inexistência de acusação contra eles.

Para a 4ª Promotoria de Justiça do Júri, ao apresentarem a ocorrência a um militar superior, os dois policiais "deixaram de dizer o óbvio, e podem ter omitido, deliberadamente a verdade, para acobertar seu companheiro de farda".

Segundo a denúncia do MPCE, a dupla pode responder aos crimes militares de prevaricação e favorecimento pessoal, previstos no Código Penal Militar (CPM).

Confira o que significam os crimes:

  • Prevaricação: Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interêsse ou sentimento pessoal. Pena - detenção, de seis meses a dois anos;
  • Favorecimento pessoal: Art. 350. Auxiliar a subtrair-se à ação da autoridade autor de crime militar, a que é cominada pena de morte ou reclusão: Pena - detenção, até seis meses.
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados