Furto ao Banco Central em Fortaleza: o crime que entrou para a história completa 20 anos; relembre
Quadrilha subtraiu mais de R$ 164 milhões, em cédulas de R$ 50 usadas, e fugiu por um túnel de 80 metros de extensão
Há 20 anos, criminosos entravam no caixa-forte do Banco Central, em Fortaleza, nas primeiras horas de 6 de agosto de 2005 (um sábado), sem serem percebidos pelo esquema de segurança ou interrompidos por qualquer pessoa. A quadrilha colocava as mãos em milhões de cédulas de R$ 50 usadas, que totalizavam R$ 164 milhões, e fugia por um túnel. O episódio entrou para a história da Segurança Pública brasileira e virou até filme.
O crime foi descoberto apenas no dia 8 de agosto (segunda-feira), quando os primeiros funcionários chegaram ao Banco Central e notaram o furto. A Polícia Federal (PF) foi acionada e começou a montar um quebra-cabeça para chegar a uma quadrilha ousada e dotada de conhecimentos de engenharia.
Os investigadores se depararam com um túnel de 80 metros de extensão, com 75 centímetros de diâmetro e sistema de ventilação. Foi por lá que o grupo criminoso transportou 3,5 toneladas de cédulas, com o auxílio de roldanas, ganchos e tambores. A escavação dava até uma casa na Rua 25 de Março, no Centro de Fortaleza, onde supostamente funcionava uma empresa de grama sintética.
A casa havia sido alugado pela quadrilha em abril de 2005, pouco mais de três meses antes do furto milionário. O suposto proprietário da empresa de grama sintética, Jorge Luiz da Silva, (que se identificou inicialmente como Paulo Sérgio), afirmou à PF, ao ser detido, que a Polícia Militar, a Coelce (antiga concessionária de energia) e a Vigilância Sanitária estiveram no imóvel nesse período, mas não desconfiaram do túnel que chegava ao Banco Central.
Após o furto, o dinheiro se espalhou por Fortaleza, pelo Interior do Ceará e por outros estados. Uma parte era transportada fisicamente dentro de carros. E a outra, começava a ser utilizada na compra de bens à vista "supervalorizados", para realizar uma rápida lavagem de dinheiro. O bando precisava dar capilaridade a R$ 164,7 milhões de reais.
'Operação Toupeira'
A Polícia Federal seguiu o rastro do dinheiro. A operação, liderada pelo delegado federal Antônio Celso, foi nomeada de 'Toupeira', em referência ao mamífero especializado em escavações. Quatro dias após o furto milionário, a PF localizou um carro e um caminhão-cegonha com 11 veículos que tinham chegado no Estado de Minas Gerais. Nos automóveis, foram encontrados R$ 2,5 milhões em cédulas de R$ 50 usadas - o que coincidia com o dinheiro furtado.
Os carros tinham partido de uma concessionária em Fortaleza. Dois irmãos, proprietários da empresa, foram presos. Era apenas a "ponta do iceberg" de um esquema grandioso. Nos dias seguintes, a investigação descobriria que a quadrilha tinha braços de Boa Viagem, no Interior do Ceará, e de São Paulo - berço da facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).
Foi a partir da prisão de José Charles de Morais, em Minas Gerais, que a PF chegou a membros de uma família, naturais de Boa Viagem e suspeitos de participar do crime. Charles era proprietário da empresa que levava veículos e R$ 2,5 milhões em um caminhão-cegonha e era irmão de Marcos Rogério Machado de Morais, o 'Rogério Bocão', e primo de Antônio Jussivan Alves dos Santos, o 'Alemão', de Antônio Artênio da Cruz, o 'Bode', e de Robson de Souza Almeida.
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'Alemão' se notabilizou como o principal nome do maior roubo a banco da história do Brasil. Entretanto, em entrevista ao Diário do Nordeste em 2020 (nos 15 anos do furto ao BC), o delegado federal aposentado Antônio Celso, que coordenou a Operação Toupeira, explicou que Antônio Jussivan não era o líder da quadrilha.
O 'Alemão' não era o chefe do negócio. Ele quem levantou a fita, como dizem no linguajar dos bandidos. O 'Véi Davi', por exemplo, mandava mais no grupo que ele. O 'Alemão' tinha uma ascendência maior com o pessoal do Nordeste. Os que tinham mais poder entre eles era o 'Véi Davi', 'Fernandinho' e Moisés. Eram, inclusive, pessoas mais experientes que o 'Alemão'."
'Véi Davi' é o apelido de Davi Salviano da Silva, um líder da quadrilha. Já 'Fernandinho' é Luís Fernando Ribeiro, suspeito de ser o principal financiador da escavação do túnel. "Alemão procurou o 'Véi Davi', que disse 'Olha, quem tá com grana no momento é o 'Fernandinho'. Tá com um assalto grande, cheio da grana'. Tudo custou mais ou menos uns 800 mil", acrescentou Antônio Celso, na entrevista concedida há 5 anos.
Prisões e condenações
As autoridades tinham o desafio de prender e responsabilizar dezenas de envolvidos com o crime que surpreendeu o País e, ao mesmo, recuperar uma quantia superior a R$ 164 milhões em espécie.
Um dos primeiros suspeitos presos foi o 'Véi Davi', ainda em setembro de 2005, na posse de R$ 12,5 milhões, em uma residência no bairro Mondubim, em Fortaleza. Ele foi condenado a 47 anos de prisão, na Primeira Instância da Justiça Federal, pelos crimes de furto, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e uso de documento falso.
A defesa de Davi Salviano da Silva conseguiu diminuir a pena para 17 anos e 6 meses de prisão, na Segunda Instância. Ele foi colocado em liberdade, mas voltou à prisão em outubro de 2021, em razão de um mandado de prisão expedido pela Justiça Federal em Minas Gerais, por participação em um sequestro de funcionários da Caixa Econômica Federal, naquele Estado, em março de 2003.
Em paralelo à ação policial legal, os criminosos que furtaram o Banco Central em Fortaleza também fugiam de extorsões - inclusive de policiais. Luís Fernando Ribeiro, o 'Fernandinho' ou 'Fê', foi um dos suspeitos a também virar vítima.
'Fê' foi sequestrado por criminosos, em São Paulo, no dia 7 de outubro de 2005. Os sequestradores pediram R$ 2 milhões à família da vítima, que realizou o pagamento, entregue por um advogado. Mesmo assim, 'Fernandinho' foi encontrado morto, dois dias após o sequestro, no Interior de Minas Gerais. A investigação apontou para a participação de policiais civis no crime.
Já 'Alemão' foi preso em Brasília, apenas em fevereiro de 2008. Enquanto era procurado pela PF, ele se estabeleceu na região do Distrito Federal e Goiás, onde comprou fazendas e se apresentava como fazendeiro, com uso de um nome falso.
Antônio Jussivan Alves dos Santos foi condenado pela 11ª Vara Federal a 49 anos e 2 meses, pelos crimes de furto, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e uso de documento falso. Na Segunda Instância, a pena foi reduzida para 35 anos e 10 meses de reclusão. Em outro processo, ele foi sentenciado a 80 anos e 10 meses de reclusão, por lavagem de dinheiro.
No dia 8 agosto de 2017, 'Alemão' protagonizou outra ação ousada: tentou fugir, em um resgate de presos da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, em Pacatuba, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Houve um confronto entre criminosos e a Polícia Militar, e o acusado de furto ao BC sofreu três tiros. Ele foi capturado e hospitalizado e, depois de receber alta, foi transferido para uma Penitenciária Federal de Segurança Máxima.
Moisés Teixeira da Silva, conhecido como 'Tatuzão', 'Toupeira' ou 'Topógrafo', não tinha esses apelidos à toa. Ele foi apontado pela Polícia Federal como o principal idealizador do túnel cinematográfico feito em Fortaleza, depois de colecionar fugas de presídios a partir de escavações. Moisés foi capturado em São Paulo, em julho de 2009, e condenado a 16 anos de prisão, pela Justiça Federal no Ceará. A pena foi reduzida para 14 anos, na Segunda Instância.
A prisão mais recente de destaque, relacionada com o furto milionário, foi a recaptura de Marcos Rogério Machado de Morais, o 'Rogério Bocão' ou 'Cabeção', primo de 'Alemão'. Ele foi encontrado em Sorocaba, no interior de São Paulo, em dezembro de 2023.
'Bocão' estava foragido desde 2011, quando ele e outros oito detentos fugiram de um presídio na Região Metropolitana de Fortaleza. Marcos Rogério estava preso desde agosto de 2007. Ele foi condenado pela Justiça Federal a 49 anos e 2 meses de prisão, pelos crimes de furto, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e uso de documento falso; mas teve a pena reduzida para 35 anos e 10 meses de reclusão, na Segunda Instância. Em outro processo, o cearense foi condenado a 8 anos e 6 meses de prisão, por lavagem de dinheiro.
Confira os números dos processos do furto ao Banco Central:
- 28 ações penais na Justiça Federal no Ceará;
- 133 denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF);
- 119 condenados pela 11ª Vara Federal;
- 7 absolvidos pela 11ª Vara Federal;
- 13 absolvidos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) - a Segunda Instância;
- 2 acusados mortos durante o trâmite dos processos;
- 2 acusados tiveram os processos declinados para a Justiça Estadual.
Apesar das prisões e das condenações, a União não viu mais cerca de 63,4% do dinheiro furtado do Banco Central, há 20 anos. Entre o dinheiro em espécie recuperado e o leilão de bens apreendidos, as autoridades estipularam que R$ 60 milhões foram recuperados (cerca de 36,5% do valor total).