Ceará tem os maiores números de assassinatos e suicídios de profissionais da Segurança Pública no Nordeste em 2024

Ao total, 32 policiais das Forças de Segurança cearenses foram vítimas de crimes violentos ou tiraram a própria vida, no ano passado. Os dados de todo o País foram coletados e divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública

Escrito por
Messias Borges messias.borges@svm.com.br
16 policiais militares foram assassinados no Ceará, em 2024, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Legenda: 16 policiais militares foram assassinados no Ceará, em 2024, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Foto: Leábem Monteiro/ SVM (Fevereiro/2024)

O Ceará terminou o ano de 2024 na liderança de rankings negativos na Segurança Pública: foi o estado do Nordeste com mais mortes de servidores da área, tanto por assassinatos como por suicídios. Ao total, 32 policiais das Forças de Segurança cearenses foram vítimas de crimes violentos ou tiraram a própria vida, no ano passado. Os dados foram coletados e divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

A Pasta do Governo Federal considera como "profissionais de Segurança Pública" os policiais civis, militares, penais, federais e rodoviários federais, bombeiros militares, peritos, guardas municipais e agentes de trânsito, a partir de dados fornecidos pelos estados e pelo Distrito Federal.

Conforme a estatística, o Ceará somou 17 mortes violentas de profissionais de Segurança Pública, em 2024. Foram 16 policiais militares e um guarda municipal assassinados. Esse número coloca o Ceará no 4º lugar entre os estados de todo o Brasil, atrás apenas do Rio de Janeiro, com 70 mortes; São Paulo, com 31; e Pará, com 23.

No Nordeste, o Ceará teve o maior número de crimes violentos com agentes de segurança como vítimas. Logo atrás, ficaram a Bahia, com 17 mortes; e Pernambuco, com 7. Na comparação com os anos anteriores, 2024 teve o maior número de homicídios de profissionais da Segurança, no Ceará, desde 2018 (em 2017, foram 28 mortes).

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profissionais de Segurança Pública foram assassinados no Ceará, entre 2015 e 2024. Foram 116 policiais militares, 18 policiais civis, 9 policiais penais, 4 policiais rodoviários federais, 2 bombeiros militares e 2 guardas municipais.

Entre os 16 PMs assassinados no Ceará no ano passado, dois agentes teriam sido mortos por integrarem uma milícia, que está "em guerra" com um grupo ligado à facção carioca Comando Vermelho (CV), na região do Pirambu, em Fortaleza, segundo as investigações policiais: o soldado Bruno Lopes Marques, morto em 12 de fevereiro; e o cabo José Heliomar Adriano de Souza Filho, executado no dia 12 de maio.

Já o cabo Wagner Sandys Pinheiro de Lima foi assassinado pela própria esposa, após uma discussão, dentro de casa, também na Capital, na noite de 23 de dezembro último. Renata Íris de Souza Araújo Pinheiro já foi denunciada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) pelo homicídio.

Neste ano de 2025, dois policiais já foram assassinados no Ceará por integrantes de facções criminosas. O subtenente PM Francisco Ricardo Silveira Neto foi morto a tiros e com uma facada, no Pirambu, no dia 15 deste mês. E o policial penal José Wendesom Rodrigues de Lima foi executado a tiros, no Centro de Fortaleza, na última terça-feira (28).

Confira os principais dados:

O sociólogo do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, acredita que "uma sociedade violenta é violenta para todo mundo, sobretudo para o operador de segurança pública, que tem uma função onde há uma maior exposição aos efeitos das dinâmicas criminais e da violência".

"Em relação aos casos de violência contra policiais, que culminam na vitimização de policiais, nós temos que ter dois cuidados muito importantes. O primeiro, é preciso entender o contexto dessa violência. Eu preciso entender o que aconteceu em cada um desses casos, para que o Estado possa criar protocolos e criar ações que vão prevenir a violência contra esse operador de segurança pública", aponta o sociólogo.

Outra situação é que, independentemente do caso, identificado que há uma responsabilidade de terceiros nestes casos de violência contra policiais, é preciso que o Estado se mobilize por meio das instituições de Justiça para responsabilização. Isso é muito importante para evitar que outros policiais tomem a frente e criem outros problemas para a sociedade. É preciso um freio (aos criminosos), mas esse freio não pode ser dado pela motivação de outros policiais para criar situações de vingança, e sim pelo Estado, pelo trabalho de investigação, de inquérito, de processo e de responsabilização efetiva da Justiça aos indivíduos que cometeram esse tipo de violência."
Luiz Fábio Paiva
Sociólogo

O advogado especialista em Direito Criminal e Segurança Pública e representante da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (ASSOF-CE), Werner Feitosa, analisa que "o aumento das mortes de policiais no Ceará em 2024 pode ser atribuído principalmente à escalada dos conflitos territoriais entre grupos criminosos organizados, um fenômeno que tem colocado os agentes de segurança pública em situações de elevado risco e vulnerabilidade".

É evidente que os policiais são a última barreira entre a sociedade e a criminalidade, e essa exposição constante ressalta a necessidade urgente de políticas públicas voltadas à valorização e proteção desses profissionais. Uma das medidas fundamentais seria a criação de um programa habitacional exclusivo para os agentes de Segurança Pública. Essa iniciativa proporcionaria moradia digna e segura para os profissionais, afastando-os de áreas de alto risco e garantindo maior estabilidade para suas famílias."
Werner Feitosa
Advogado

Questionada sobre as mortes de policiais, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) informa, em nota, que "os crimes contra a vida de servidores das Forças de Segurança do Ceará ocorridos em Fortaleza são investigados pela 11ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), unidade especializada em investigar crimes dolosos contra a vida e latrocínios praticados em desfavor de agentes de segurança pública do Estado. Já as ocorrências em outras cidades ficam sob a responsabilidade das delegacias da região".

"A SSPDS e suas vinculadas Polícia Civil e Polícia Militar do Ceará (PMCE) reiteram ainda que não medem esforços para elucidar os casos, bem como identificar, localizar e prender os suspeitos das ações criminosas", destaca a Pasta, que acrescenta que "emprega todos os recursos disponíveis nas Forças de Segurança do Estado para capturar suspeitos de participação nos casos de CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais), bem como elucidar as circunstâncias dos crimes".

A SSPDS/CE destaca ainda que os profissionais da segurança são capacitados acerca de protocolos de sobrevivência policial em situações de riscos durante os períodos de folga. A iniciativa, denominada de Instruções de Táticas Individuais (ITIs), foi instituída em 2020 pelo comando-geral da PMCE. A capacitação tem o objetivo de orientar os PMs sobre como devem agir em ações preventivas, em procedimentos ao sair de casa, no manuseio de armas de fogo e algemas, posições táticas, além de orientações básicas e treinamentos voltados para técnicas de sobrevivência policial em veículos próprios e em deslocamento a pé."
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará
Em nota

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Suicídios na tropa policial

O Ministério da Justiça e Segurança Pública recebeu dados de que 15 profissionais de Segurança Pública cometeram suicídio, no Ceará, em 2024. Foram 10 policiais militares, 2 policiais civis, 2 guardas municipais e 1 policial rodoviário federal. Esse número foi o maior da série histórica, desde 2015.

O Ceará ficou em 3º lugar no ranking de suicídios de agentes de segurança, em todo o Brasil, atrás apenas do Rio de Janeiro, com 18 mortes, e Rio Grande do Sul, com 16. No Nordeste, ficou em 1º lugar - Bahia e Pernambuco tiveram 5 mortes cada e ficaram em 2º lugar na região.

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suicídios de profissionais da Segurança Pública do Ceará foram registrados entre 2015 e 2024. Foram 47 policiais militares, 10 policiais civis, 6 guardas municipais, 5 policiais penais, 3 bombeiros militares, 1 policial rodoviário federal e 1 perito.

O advogado Werner Feitosa acredita que falta "suporte adequado à saúde mental desses profissionais". "Os policiais lidam diariamente com situações extremas de estresse, convivendo com eventos traumáticos e altos níveis de tensão durante o serviço. Esses fatores, quando somados a outras dificuldades estruturais, tornam-se um fardo insuportável para muitos", completa.

Segundo o advogado da ASSOF-CE, os policiais convivem com um "endividamento crescente", em virtude da perda do poder de compra e de empréstimos que precisam se submeter; e também sofrem com uma "carga horária exaustiva, muitas vezes intensificada por serviços extraordinários realizados na tentativa de complementar a renda", o que "acaba por privar os policiais de momentos de lazer e convivência familiar, que são fundamentais para manter o equilíbrio emocional".

O sociólogo Luiz Fábio Paiva concorda que os casos de suicídio na tropa policial também podem estar associados à exposição à violência do trabalho, mas pondera que os casos precisam ser analisados individualmente.

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Opções de acolhimento para os policiais

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará sustenta que "mantém constante atenção na preservação da saúde mental dos profissionais das Forças de Segurança do Estado". "O acolhimento, a escuta e o acompanhamento desses servidores são realizados pela Assessoria de Assistência Biopsicossocial (Abips) da SSPDS, além da Coordenadoria de Saúde e Assistência Social e Religiosa (CSASR) da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e do Departamento de Assistência Médica (Damps) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE)", garante a Pasta.

Segundo a SSPDS, a Abips tem atendimento presencial no Centro Integrado da Segurança Pública (Cisp), no bairro Aeroporto, em Fortaleza. "Por meio dessa Assessoria, são realizados atendimentos psicológicos, plantões psicológicos, atendimentos sociais, atendimentos psiquiátricos, fisioterapia, além de palestras, ações e intervenções em grupo. Em todo ano de 2024, foram realizados 10.624 atendimentos direcionados a agentes de segurança e dependentes familiares destes servidores", destaca.

Conforme a Assessoria, os serviços desempenham uma função de importância estratégica na fomentação da saúde de forma holística, multiprofissional, ao mesmo tempo em que providenciam o suporte indispensável na mitigação do risco de suicídio. Eles asseguram que agentes em situações vulneráveis possam contar com um serviço biopsicossocial especializado. Podem ser atendidos quem integra a SSPDS e suas vinculadas: Polícia Militar do Ceará (PMCE), Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE), Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp) e Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp)."
SSPDS
Em nota

Na Coordenadoria de Saúde e Assistência Social e Religiosa, o atendimento presencial é realizado em um prédio no bairro Farias Brito, em Fortaleza. "O local conta com ambiente para atendimentos psicológico e social, fisioterapia e pilates, consultórios de atendimento médico, odontologia e espaço para pequenos grupos. O atendimento acontece por agendamento e livre demanda. Além disso, existem quatro Núcleos de Assistência Biopsicossocial (NABs) em Sobral, Quixadá, Crateús e Juazeiro do Norte. Ao todo, a PMCE conta com 21 psicólogos oficiais, três terceirizados e três psiquiatras. No total, em 2024, foram realizados 26.934 atendimentos nas áreas de psicologia, medicina, odontologia, assistência social e fisioterapia", detalha a SSPDS.

Por fim, o Damps, da Polícia Civil, "presta assistência aos policiais civis e aos colaboradores da Delegacia Geral da Polícia Civil e a seus familiares, por meio de um trabalho educativo, preventivo e terapêutico. Além de realizar atendimentos individuais ou em grupo com os policiais, servidores e familiares que necessitam de apoio, o Damps também promove atendimento médico, fisioterápico, psicológico, nutricional e acompanhamento por educadores físicos. Se necessário, o Damps ainda encaminha o servidor ao Instituto de Saúde dos Servidores do Estado do Ceará (Issec), além de manter parcerias com outras instituições para otimizar o atendimento. Em 2024, o Damps fez 6.876 atendimentos nas áreas clínicas, de psiquiatria, psicologia e fisioterapia".

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