O soldado Antônio José de Abreu Vidal Filho, um dos policiais militares (PMs) réus acusados de participação na Chacina do Curió, que deixou 11 pessoas, a maioria jovens, mortas em Fortaleza em 2015, está nos Estados Unidos e não vai depor presencialmente no Tribunal do Júri. O julgamento começou no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, nesta terça-feira (20), e ele deve testemunhar por videoconferência.
De acordo com o advogado Delano Cruz, que representa a defesa de Antônio José, ele está de licença da Polícia Militar do Ceará (PMCE) "pois não tinha nenhum impedimento e nem prisão preventiva decretada" e está nos EUA desde 2019, pois foi acompanhar a esposa, que estuda educação física e administração de empresas.
"Ele está tranquilo. Vamos aguardar o resultado soberano do júri, e acredito que no máximo até sexta-feira (23) ele estará absolvido dessas graves imputações", afirma o advogado.
A expectativa é que os depoimentos dos réus sejam realizados entre esta quarta-feira (21) e quinta-feira (22), a depender do andamento da oitiva das testemunhas.
PM esteve na região do Curió, aponta processo
O PM não virá ao Ceará pois tem uma filha de quatro meses, conforme a defesa. A defesa dele pontua que o interrogatório acontecerá por vídeo e que eles "acreditam piamente que ele vai ser absolvido pois está provado nos autos que ele não estava nas cenas dos crimes".
Segundo os autos do processo, o PM inicialmente mentiu que não estava na região da Grande Messejana na noite da chacina. Ele depôs que na madrugada do dia 12 de novembro saiu para jantar com a namorada e retornou para casa, sem passar pelas imediações de onde ocorreram os assassinatos.
Entretanto, conforme a denúncia do MPCE, a quebra do sigilo telefônico, por meio da análise das Estações Rádio Base (ERBs) permitiu que os investigadores descobrissem que às 01h29 o soldado recebeu uma ligação de celular na região da Lagoa Redonda e, minutos depois, fez um telefonema, na área do Curió, exatamente onde ocorreram as execuções.
Conforme a denúncia, isso mostra que "sem sombra de dúvidas' Antônio José "corroborou na autoria dos fatos delituosos".
Traumas expostos no Júri
O começo do Júri do Curió, que deverá ser um marco na Segurança Pública do Ceará, contou com a escolha do júri, composto por cinco homens e duas mulheres, e depoimentos de três sobreviventes e testemunhas de acusação.
A primeira pessoa a depor foi um dos sobreviventes, um homem de 28 anos. Ele, que tinha 20 anos no dia do crime, relatou no julgamento que levou entre 8 e 12 tiros de homens armados que se apresentaram como policiais para rendê-los e confessou que tem medo da polícia.
A primeira testemunha de acusação ouvida no julgamento foi, inclusive, a irmã desse sobrevivente. Ela estava na calçada de casa quando "vários homens" desceram de um carro gritando: "É a Polícia, bota a mão na cabeça!".
Ela relembra que correu e se escondeu embaixo de um veículo. "Foi muito tiro. Quatro pessoas morreram na calçada da minha casa. Até hoje tenho depressão, ansiedade. Eu me mudei do Curió no dia seguinte", desabafa.
Noite de terror
O segundo sobrevivente deu um relato também contundente. Ele foi agredido e baleado após sair da própria casa para ajudar vítimas. O homem de 37 anos disse que ouviu gritos e, quando foi para a rua, viu corpos no chão.
Ele ajudou a socorrê-los e colocou as vítimas na caçamba de seu carro. Entretanto, homens armados tentaram interceptar o veículo e ele teve de se jogar da janela para fugir.
A testemunha acabou se escondendo em uma churrascaria, mas foi encontrado e levou socos e chutes, além de ser alvejado disparos de arma de fogo. A vítima disse perante aos jurados que foi questionado pelos agressores "se ele sabia quem matou um policial".
Já na inquirição do terceiro sobrevivente, foi relatado que ele se tornou uma vítima após sair de uma pizzaria, onde terminava um expediente. Ele contou ao Tribunal que homens saíram de um carro branco com coletes e balaclavas e gritaram: "É agora!".
O homem, hoje com 28 anos, depôs que foram muitos tiros em um curto período de tempo. Um amigo dele correu, mas foi baleado também e morreu. Ele sobreviveu e teve uma lesão medular. "Não deu nem para contar os disparos", contou a vítima.
'Mãe, me ajuda, tomei um tiro'
A segunda testemunha de acusação a depor no primeiro dia de julgamento foi Catharina, mãe de Pedro Alcântara Filho, uma das vítimas da Chacina. Ela pediu a volta dos réus ao plenário, o que foi atendido pelo Colegiado de juízes. Frente a frente com os acusados de serem os algozes de seu filho, ela lembrou aquelas que seriam as últimas palavras do jovem: "Mãe, me ajuda, tomei um tiro".
Ela disse que escutou 13 tiros e achou que eram fogos. O filho chegou em casa lesionado. Catharina tentou socorrer o jovem, mas ele só disse: 'Mãe, eu te amo"... e em seguida desmaiou.
Ela e vizinhos colocaram os outros feridos na carroceria de um carro, mas no trajeto para o hospital o veículo no qual ela levava o filho e outras vítimas foi parado pelos próprios assassinos. Eles mandaram o carro parar e perguntaram se eles respondiam por alguma coisa, contou. Demoraram a liberar o veículo e um deles ainda deu um murro no rosto do adolescente Alef, que estava baleado na caçamba da caminhonete.
No hospital, ela presenciou mais violência e aviltamento por parte de quem deveria servir e proteger a sociedade. “Policiais fardados entraram no hospital tiraram fotos do meu filho morto, postaram nas redes sociais e botaram na legenda: ‘bandido bom é bandido morto’”, contou revoltada a mãe de Pedro Filho, que não era bandido e nunca havia sido preso.
Mas não ficou por aí. Ela disse ainda ter sido provocada por outros policiais no dia mais triste da vida dela e de muitas outras mães. “Lembro que um policial disse assim: vagabundo é assim, na bala. Daqui a pouco é esse daí”, se referindo ao outro filho de Catharina.
Julgamento segue
Nesta quarta-feira (21), o Tribunal segue com as oitivas de outras testemunhas. No primeiro dia, foram três sobreviventes e duas testemunhas de acusação. Ainda na terça, o colegiado de juízes indeferiu pedido da defesa de reinquirir na fase dos debates a primeira testemunha de acusação.
Também foram dispensadas duas testemunhas de acusação que seriam ouvidas por videoconferência, após a defesa fazer pedido ao Ministério Público.
Veja as etapas do Júri
- Oitiva das vítimas sobreviventes e das testemunhas
- Interrogatório dos réus
- Debate entre acusação e defesa
- Leitura de quesitos
- Votação do jurados
- Sentença dos jurados