49% das mulheres vítimas de crime sexual nos ônibus em Fortaleza foram 'encoxadas' ou apalpadas
Os crimes tendem a acontecer das 5h às 7h, período predominante de uso diário e lotação dos coletivos

Ir até uma parada de ônibus, entrar no coletivo e até mesmo passar por um terminal para poder chegar ao trabalho ou à escola ou faculdade. A rotina enfrentada por milhares de pessoas tende a ser ainda mais desgastante para as mulheres que sofrem ou já sofreram importunação sexual neste trajeto.
"Quando eu vejo que o ônibus tá vindo muito lotado, eu já evito, também por causa do 'roça roça'", disse uma enfermeira, de identidade preservada que entrou para as estatísticas de vítimas de crimes sexuais nos ônibus que circulam em Fortaleza.
Uma pesquisa divulgada pela Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) com base na plataforma Nina revelou que 49% das mulheres que denunciaram ter sofrido importunação sexual foram 'encoxadas' ou apalpadas.
Em seguida, 16% das vezes as vítimas relatam que passaram por algum tipo de intimidação. Só neste ano foram recebidas cerca de 80 denúncias através da ferramenta.
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No ano passado foram 209 denúncias. Já considerando desde a data do lançamento do 'Nina', em setembro de 2022, são somadas 752 denúncias, sendo 81% feitas pelas próprias vítimas e 19% por testemunhas.
PERFIL DAS VÍTIMAS
A enfermeira que conversou com a reportagem está dentro perfil de vítima delineado na pesquisa: mulher jovem e jovem-adulta (de 21 a 40 anos), estudante ou funcionária de empresa privada.
"A maior incidência de casos ocorreu dentro dos ônibus (80%), seguida pelos terminais (7%) e paradas de ônibus (6%)", segundo a Etufor. Os crimes tendem a acontecer das 5h às 7h, período predominante de uso diário e lotação dos coletivos.
"Eu já perdi as contas de quantas vezes passei por isso no ônibus, foram inúmeras vezes e é muito vergonhoso, angustiante"
A socióloga e pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, Fernanda Naiara Lobato, ponta que "essa pesquisa mostra que existe sim uma cultura do machismo, do estupro, muito enraizada. As pessoas precisam entender que podem denunciar, quem presenciou, não só quem sofreu, até mesmo para que estratégias de proteção e de responsabilização sejam construídas".
"É muito importante que os agressores se sintam constrangidos pela sociedade e pelo Estado. Perceber o assédio ainda é muito difícil, pois é tratado como algo natural ou uma violência menor e sem importância. Então, o reconhecimento dessas práticas é crucial para que as denúncias sejam feitas. A presença de órgãos do Estado capazes de serem uma rede de apoio e canais de denúncia é uma estratégia a ser implementada nos terminais. Assim como campanhas que orientem sobre as consequências para os agressores, uma vez que é tipificado como crime", disse a socióloga.
"O transporte público é um lugar especialmente inseguro para mulheres que o utilizam como um direito à mobilidade. O assédio que faz parte desse cotidiano violento, portanto, aponta que uma grande violação de direitos está acontecendo"
ENFRENTAMENTO
Fernanda acrescenta que "o problema é o assediador, não a vítima. Nós criamos estratégias para de alguma forma evitar, se proteger, mas o assédio vai acontecer se o assediador estiver disposto a violentar uma mulher ou uma menina em um momento de vulnerabilidade" e que "chamar a atenção para essa realidade traumática é reconhecer que ela existe".
A Prefeitura de Fortaleza divulga que "para fazer uma denúncia, as pessoas podem se cadastrar na ferramenta através do WhatsApp (+55 85 93300-7001) e devem fornecer o máximo de informações possível sobre o incidente, incluindo o número do veículo, horário, linha, local e referências para facilitar a identificação do agressor"
A denúncia via plataforma Nina não substitui o Boletim de Ocorrência
O Diário do Nordeste solicitou entrevistas por meio da Secretaria das Mulheres de Fortaleza e com fonte da Polícia Civil do Ceará, mas não teve resposta.