Municípios tornam-se destino para estrangeiros

Escrito por
Legenda:
Foto: Antônio Vicelmo

Por que um europeu ou norte-americano sai de sua terra, berço da civilização e da democracia, para morar no Brasil ou, mais precisamente, no Interior do Ceará? Nos municípios do Estado, há muitos casos de estrangeiros que construíram novas vidas, mesmo sem as belezas do Litoral cearense, destino certo para muitos de seus conterrâneos. A miscigenação brasileira que começou entre o índio, o africano e o português, logo se diversificou com imigrantes de todo o planeta. Os italianos vieram no cheiro do café, no rastro da abolição da escravatura. Depois, chegaram os japoneses. O resultado foi um povo alegre e aberto ao novo, como só existe no Brasil, uma terra em que ninguém é estrangeiro, onde é possível mudar um destino sem perder a identidade e onde cada brasileiro tem um pouquinho do mundo em seu sangue. Assim também é o Ceará onde, em diferentes municípios, europeus e norte-americanos constroem novas vidas.

É o caso do suíço Urs Philipoma. Conhecido por Ulle. Ao completar 23 anos, formado em carpintaria, Philipona viveu uma crise existencial. Seu destino já estava traçado pelo esquema político-social da Suíça. O jovem assumiria o comando da oficina de carpintaria de seu pai, sem nenhum problema econômico para o resto da vida. A partir de então começou a questionar o projeto de vida que lhe foi imposto. Descobriu que existe um mundo de portas abertas para aventuras, solidariedade, convivência fraterna.

Pensou em viajar para a África. Ali estavam milhares de crianças pobres, esperando uma mão amiga. Mas a guerra impediu sua migração. Inscreveu-se então no Projeto Movimento Popular de Famílias, que tinha como objetivo profissionalizar crianças carentes do bairro Dois Irmãos, em Recife (PE). Desembarcou na capital pernambucana, em 1976, trazendo na bagagem o diploma de carpinteiro e a vontade de ajudar aquelas crianças sofridas.

No Brasil, encontrou o grande amor de sua vida. Casou-se com Dagmar Araújo, uma morena bonita, que o trouxe para o Crato, onde começou outro desafio: a necessidade de viver por contra própria, sem ajuda das instituições suíças que financiam projetos sociais. Montou a sua oficina, no pé da serra do Crato e se integrou à comunidade regional como partícipe do seu desenvolvimento. Hoje, o “Suíço” como é também conhecido, pai de três filhas, é o mais requisitado fabricante de móveis do Cariri. Aqui, segundo afirma, encontrou uma virtude que está se tornando cada dia mais rara na Europa, o calor humano, o prazer de estar sendo útil à comunidade e os desafios do dia a dia. “Apesar das dificuldades, o povo é alegre e solidário”, ressalta Philipona, confessando que não suporta viver no meio da multidão como um anônimo.

Para matar a saudade do seu País, ele adquiriu um pedaço de serra, onde construiu uma casa que tem o nome de “Recanto Suíço”. É o seu refúgio, o aconchego dos conterrâneos, amigos e parentes. É o santuário ecológico adornado pela Floresta Nacional do Araripe.

Sua conterrânea, a suíça Simone Kaser, também moradora do Crato, tem história marcada pelo misticismo. Em 1991, a então professora primária teve uma visão, atribuída ao Espírito Santo, na qual ela estava no meio de um grupo de crianças de cores diferentes com roupas rasgadas e descalças. Estas crianças estavam no Nordeste do Brasil. Assim, surgiu o “Projeto Crer e Ser”, que objetiva tirar as crianças da rua e evangelizá-las com o amor de Jesus, para reintegrá-las à sociedade.

O trabalho missionário foi antecedido de uma história parecida com a de Ulle. Simone procurou sentido de vida, na década de 90, viajando para o Brasil, a fim de, segundo disse, se reencontrar consigo mesmo. Conheceu favelas, alegrias, tristezas, sofrimento e solidariedade. Era o campo ideal para desenvolver o seus trabalho. Pediu ajuda dos amigos suíços que mantém o projeto. Construiu no Sítio Misericórdia, em Crato, uma casa-escola. O que fascina Simone é a alegria do povo, o espírito de solidariedade. “A Suíça tem os Alpes, aqui eu tenho a serra do Araripe”, compara. Esta semana, Simone recebeu mais uma missionária que veio da Holanda, a jovem Gea Rijruarte, casada com o brasileiro Ermerson Rocha. Cada um tem uma história para contar. São pessoas a procura de um sonho chamado felicidade que, nem sempre, é encontrado nos bens materiais.

Antônio Vicelmo
sucursal Crato