Quais as pautas pendentes e os desafios dos vereadores de Fortaleza cujo mandato se encerra em 2024
O último dos quatro anos da atual legislatura será acompanhado de uma lista de pautas pendentes e esforços dos grupos políticos em busca da reeleição das bancadas
O último ano da atual legislatura da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) terá início nesta quinta-feira (1º), mas em um contexto atípico quando comparado aos demais. O derradeiro ciclo será tocado em paralelo a uma estratégia política onde objetivo central será a conquista de cargos eletivos no pleito municipal.
Espera-se para este ano debates mais acirrados no Plenário Fausto Arruda, assim como também há uma expectativa do Executivo e das bancadas quanto a apreciação de matérias de interesse de ambos grupos políticos e que ficaram pendentes no decorrer dos últimos expedientes.
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O Diário do Nordeste conversou com parlamentares e estudiosos que acompanham a dinâmica do Poder Legislativo para entender qual o impacto da disputa eleitoral no dia a dia de vereadores e vereadoras da Capital cearense e quais desafios estão colocados para o andamento dos trabalhos.
Interesses do Governo
Ao fim de 2023, dois assuntos ficaram em evidência na agenda dos governistas. O primeiro foi a protelação das discussões acerca das desafetações de áreas públicas - alvo de críticas de opositores e de uma derrota do prefeito José Sarto (PDT) frente aos membros do Legislativo. Enquanto isso, em segundo lugar, houve a promessa de que, até março, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) começará a tramitar na Casa.
De acordo com o líder do Governo Sarto na CMFor, Iraguassú Filho (PDT), apesar de afirmar que não existem pautas específicas no raio de atenção da gestão, políticas como a reserva de vagas para pessoas negras na máquina pública e a criação de um Estatuto da Igualdade Racial para o Município serão tratadas como prioridade.
Para o pedetista, o desafio para o primeiro semestre será a conciliação e a unificação da base. "Tivemos algumas dificuldades no ano passado, isso é normal, mas a gente tem conversado. O prefeito atendeu os vereadores coletivamente e vai receber individualmente, provavelmente, a partir do início de fevereiro", sinalizou
Iraguassú pontuou que espera-se, como encaminhamento das futuras conversas individuais, ajustes visando as movimentações da janela partidária, que terá início em março e possibilitará aos políticos com mandatos proporcionais a migração de legendas sem a perda da cadeira. "Tem muita gente que está em partidos da oposição e faz parte da base", constatou o entrevistado.
PDDU é uma dúvida e desafetações ficarão de fora
Quanto ao Plano Diretor, a liderança governista apontou que, apesar da previsão da Prefeitura Municipal, não há nenhuma novidade. "Mas continua o trabalho relacionado. Se houver sinalização desse trabalho, aí é uma decisão do Executivo, mas que a gente deve fazer uma reunião com a base antes, para entender", revelou Iraguassú Filho.
Ainda segundo ele, o maior objetivo do grupo é que as mensagens do Executivo sejam menos polêmicas em 2024 e, para tanto, questões como as desafetações dos terrenos, apesar de serem objeto de debate técnico e de conversas entre a liderança e as pastas responsáveis, devem ficar fora de apreciação. "A princípio não serão pautadas", demonstrou Iragussú ao se referir ao assunto.
Sobretudo no primeiro semestre, o líder afirmou que pretende dialogar com os colegas de plenário e com o Paço Municipal sobre a execução de emendas individuais que foram demandadas no ano passado.
O fato das matérias polêmicas ficarem fora de tramitação reforça o que pensa André Sathler, professor do Mestrado em Poder Legislativo do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados, ao apontar que, se no decorrer dos últimos anos projetos que exijam um debate mais conciso não foram levados para a análise do plenário, não devem entrar na agenda de apreciação agora. "Projetos muito relevantes têm uma janela de oportunidades, que é o primeiro ano", disse.
"Realmente, no Brasil, pela dinâmica do nosso sistema político, o primeiro ano na Casa Legislativa é definidor. No segundo ano você ainda emplaca algumas coisas, mas depois fica mais complicado", relatou.
Período de cobranças e fiscalização
Em um tom crítico ao mandato do prefeito Sarto, o vereador Júlio Brizzi (PDT) disse acreditar que este será um ano difícil. Ao que acusou o pedetista, que integra uma ala antagônica aos colegas de partido governistas, a condução feita pelo gestor municipal amplia o somatório de dificuldades sentidas pelos parlamentares ao tocarem o trabalho legislativo.
Em seu primeiro mandato, Brizzi admitiu que nunca teve a experiência de atravessar um processo eleitoral ocupando a cadeira de vereador, mas que o cenário atual tem exigido "muito trabalho" e "unidade" dos parlamentares para que possam contribuir.
Ele afirmou que, por fazer parte de um bloco independente na Casa Legislativa, vai tentar aprovar propostas que ainda estão na sua agenda programática e cobrar a implementação de ações que já foram aprovadas e nunca executadas pela Prefeitura.
Para o vereador, o envio do PDDU não deve ocorrer mais em 2024. Entretanto, na visão dele, pela natureza do processo democrático e por força das dinâmicas da política, o ano eleitoral deve acirrar os ânimos.
Quem concorda com a ideia de que será um ano desafiador é a vereadora Adriana Almeida (PT), que na retomada dos trabalhos assume a posição de líder da bancada de oposição na CMFor. Nas palavras dela, uma das prerrogativas parlamentares, a de fiscalizar a execução de ações, deve ter um destaque no decorrer dos próximos meses.
"A gente se depara com um cenário eleitoral que a gente tem que ficar ainda mais fiscalizador. Acho que o papel de fiscalização do vereador e da vereadora esse ano vai ter que ser muito mais intenso", projetou.
Apesar da ideia de intensificação de uma ou outra atribuição, André Sathler, do Cefor, explanou que não há nenhum estudo que aponte para esse fenômeno, mas fez observações: "Eu diria que no caso de um vereador que vá concorrer contra uma prefeitura em que o prefeito é de uma oposição, aí faz sentido a função da fiscalização tomar força, também como um instrumento eleitoral".
Também professor do programa de pós-graduação da Câmara dos Deputados, Ricardo de João Braga comenta que, dada a capacidade reduzida do posto de vereador, não há um incentivo para que haja essa atuação mais concreta em ações fiscalizatórias.
"Se você olhar para as cidades do Brasil, vai ver que bancada de oposição ativa é uma coisa muito rara. Quando existe, é sempre muito minoritária", comentou, defendendo a ideia de que "brigar com o prefeito" não seria uma opção para esses parlamentares, pois assim haveria uma dificuldade de prestar serviços e benfeitorias para a população.
Reajuste salarial
"Na Educação, que é a minha área, temos vários problemas centrais, estamos aí com o reajuste do piso salarial, que o Ministério da Educação deu 3,62%, abaixo da inflação, que é de 4,72%. A categoria está pedindo 10,09%", lembrou Adriana Almeida, indicando que a temática deve entrar no dia a dia da Câmara com a retomada do expediente.
O assunto veio à tona no início do ano, quando o Governo Federal publicou uma portaria conjunta com valores que compõem a base de cálculo para a aplicação de uma majoração no piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público.
Em Fortaleza, conforme informou o sindicato da categoria, uma defasagem no vencimento faz com que seja necessário uma recomposição ainda maior que o patamar indicado pela administração federal.
Enquanto próxima liderança oposicionista, ela comentou que uma reunião será marcada ainda na primeira semana de fevereiro para reforçar o diálogo que tem sido feito, e que o intento do seu agrupamento é ter uma postura contundente.
Segundo a vereadora Cláudia Gomes (PSDB), 3º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, a concessão do reajuste para os docente da rede municipal deverá ser um dos temas considerados pelo Colégio de Líderes e pela Mesa Diretora, embora assuma que, até o momento, nenhuma proposição que trate disso tenha sido direcionada pelo Gabinete do Prefeito.
Para ela, que está em seu terceiro mandato na CMFor, o contexto de acirramento já é uma realidade no cotidiano da Câmara, sobretudo nos últimos dois anos. Em sua compreensão, o embate político vivido no colegiado é um reflexo das disputas constantes entre os grupos que estão à frente do Governo do Estado e da Prefeitura da Capital.
Preocupação com quórum
À frente de um mandato coletivo, o "Nossa Cara", único eleito para o Legislativo de Fortaleza, a vereadora Adriana Gerônimo (PSOL) destacou que o período eleitoral em concomitância com o pleito municipal será uma novidade para ela e suas companheiras de projeto político, mas que sabem das prioridades a serem consideradas nesse espaço de tempo.
"Temos algumas questões que ainda são prioritárias, como a questão do Plano Diretor, que ainda está no processo de participação popular nos territórios, tem a Educação, o acesso à Cultura", destrinchou.
Entre as preocupações elencadas por ela estão a possibilidade de não conseguirem quórum nas sessões legislativas, caso haja uma negligência dos colegas em prol da realização das suas campanhas políticas.
"Temos esse compromisso, que por mais que seja um ano eleitoral, existem coisas que nesse final de mandato, tanto do Executivo quanto do Parlamento municipal, que são inadiáveis", defendeu Adriana.
Na Câmara Municipal, o quórum mínimo para a realização de sessões ordinárias é de 1/5 do quantitativo de 43 vereadores que compõem o quadro de titulares da Casa - ou seja, 9 membros.
Na CCJ, tudo dentro da normalidade
A preocupação dos demais não parece ser um fator que considerado no cálculo de Lúcio Bruno (PDT) ao tomar suas decisões na volta do recesso parlamentar. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da CMFor, o político disse que não acredita que o processo eleitoral deva atrapalhar a atividade legislativa.
"Normalmente, as casas legislativas, quando há ano eleitoral, reduzem os dias de sessões ordinárias. Não sei o que o presidente Gardel (Rolim) irá fazer, mas isso é uma coisa que a Assembleia Legislativa inclusive fez agora na eleição para deputados", relembrou.
"Acredito que o dia a dia, os debates, o que deve acontecer mais é que eles se intensifiquem mais, o aumento das discussões dos projetos, cada um defendendo o que acredita. A tendência é essa, porque estamos num ano eleitoral", explicou, afirmando que não sabe ao certo sobre a chegada do Plano Diretor.
Na leitura de Lúcio Bruno, os vereadores, de fato, devem estar mais ausentes. Porém, no sentido inverso, estarão mais inteirados de qual projeto político-partidário irão defender.
"Vou ter que ocupar mais o meu tempo, trabalhar mais para poder dar conta do trabalho legislativo e, fora isso, ir atrás de visitar os eleitores para tentar voltar para a Câmara", exemplificou Lúcio Bruno, que pretende se reeleger.
Políticos nas ruas
Segundo o pesquisador André Sathler, no ano da eleição "as coisas já estão dadas" e, por conta disso, os políticos buscam ter uma presença maior nas ruas, próximo ao eleitor.
Perguntado sobre o reflexo disso no andamento das tramitações, ele salientou que a intervenção é direta: "Esse ano em si, normalmente, afeta o ritmo dos trabalhos. Ele fica menor, justamente porque o vereador vai querer ficar na rua".
O comportamento, é explicado pela tentativa de "angariar o voto face a face", atribuiu Ricardo de João Braga ao Diário do Nordeste. "Isso é uma coisa central. A atividade do político é direcionada, primeiramente, para essa atividade", enfatizou.
Indagado sobre o que é comum nas relações entre os legisladores e gestores nesse fim de mandato, Ricardo comentou que "a depender da força do prefeito, vai haver uma avaliação de posição dos vereadores". "Se o prefeito está forte, pode concorrer a uma eleição ou força para fazer um sucessor, é pouco conveniente que os vereadores sejam muito contra o prefeito", considerou.
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Chegadas e partidas podem ser vistas no plenário da Câmara Municipal, da mesma maneira que poderão ser percebidas na estrutura do Município - onde alguns parlamentares licenciados conduzem secretarias e outras repartições públicas.
Pelo menos foi o que disse Ricardo de João Braga ao detalhar a natureza do processo: "É um sistema muito dinâmico. É possível ter um retorno, assim como também é que um secretário se candidate a prefeito".
Um impacto secundário, relacionado com a diminuição do ritmo, disse o integrante do Cefor, é a expectativa quanto a composição da próxima Mesa Diretora, a formação do plenário, as estimativas de quem vai ganhar ou como ficará a correlação de forças visando possíveis acordos. "É um ano de muitas negociações", advertiu.