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Com reajuste de 3,6%, piso do magistério de 2024 fica em R$ 4.580 e categoria articula ganho real

Portaria do Governo Federal divulgou valores que servem como base para cálculo do reajuste salarial dos professores e patamar desagradou categoria por estar abaixo da inflação

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Protesto de professores
Legenda: Na foto, professores de Fortaleza participam de ato em protesto pelo reajuste implementado no ano passado.
Foto: Fabiane de Paula

A publicação de uma portaria conjunta do Ministério da Fazenda (MF) e do Ministério da Educação (MEC), que estabelece os valores transferidos pelo Governo Federal para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em 2024, no último dia 29, provocou a atenção da classe política quanto ao piso salarial dos professores. 

A preocupação dos políticos é a remuneração dos profissionais da educação, já que uma das modalidades contempladas pelos repasses, o Valor Anual por Aluno (VAAF), é utilizado como base para a estipulação do reajuste do salário da categoria. A conta é simples: é observada a diferença entre o VAAF definido no fim do ano anterior com a do último ano. A percentagem resultante deste comparativo é a aplicada na majoração dos vencimentos dos trabalhadores do magistério.

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O percentual obtido da diferença entre 2022 e 2023 é de aproximadamente 3,62%, patamar inferior ao da inflação, que fechou o ano em 4,72%, segundo apontou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) - cálculo que é tido como a prévia oficial do país. Uma vez abaixo do resultado, que influencia diretamente no preço de produtos, sejam alimentos ou outros bens de consumo, os ganhos dos professores perdem valor real de compra.

Classe política se pronunciou

Um dos que manifestaram insatisfação com a portaria foi o deputado federal Idilvan Alencar (PDT). Ao que disse o parlamentar cearense, o reajuste mais recente é muito abaixo dos dois últimos: 14,95% (2023) e 33,24% (2022). Quando aplicada a majoração sobre o atual padrão de remuneração, o salário salta timidamente de R$ 4.420,55 para R$ 4.580,57. O aumento, na prática, seria de R$ 160.

"Eu considero que os gestores, sejam os governadores ou prefeitos, precisam fazer um esforço financeiro para que tenha pelo menos um ganho real, acima da inflação", sugeriu o político em entrevista ao Diário do Nordeste. 

Segundo ele, a questão foi um dos pontos de pauta de uma conversa com o titular do MEC, Camilo Santana (PT), antes da divulgação da tabela de valores. Fui recebido por ele na quarta-feira (20) e a portaria saiu no dia 29 de dezembro. Mas como eu já tinha alguns prognósticos, demonstrei minha preocupação com esse possível valor", comentou Alencar.

O parlamentar afirmou que a partir da portaria baixada, a ideia é que haja uma complementação dos vencimentos dos educadores pelos administradores de municípios e estados. "Agora, vou me juntar com as centrais sindicais para fazer com que tenha um valor um pouco maior", apontou. 

O índice também foi repercutido pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL). Em suas redes sociais, ela manifestou a insatisfação com a perspectiva de majoração deste ano. "Acompanhei nos últimos dias o debate sobre o reajuste do piso salarial do magistério, que ficou em 3,62%, índice abaixo da inflação. Isso significa a absurda redução do piso", escreveu ela em seu perfil no X, antigo Twitter.

"O caminho de professores e funcionários para conquistar o reajuste real será a luta, contem comigo", completou a gaúcha no microblog.

Composição do repasse

O Fundeb é formado por um conjunto de receitas, arrecadadas pela cobrança de impostos diversos. A cesta de tributos reúne desde montantes advindos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) até os que chegam por meio de contribuições com o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). 

O VAAF, por sua vez, é definido com base na disponibilidade de recursos financeiros arrecadados para o fundo e no número de matrículas na rede de educação básica. Assim, se o volume de uns dos componentes reduz, há uma implicação direta no valor que é repassado.

Nos anos anteriores, atos oficiais da administração federal formalizaram a recomposição salarial, considerando a regra que utiliza a diferença entre as tabelas do VAAF dos dois anos para estabelecer o patamar. Até essa segunda-feira (8), nenhuma informação que confirma a aplicação do percentual havia sido divulgada pelo MEC.

A regra em questão é usada como parâmetro para a promoção de reajustes desde 2010, dois anos depois da sanção da lei que implementou o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público.

Fachada do MEC
Legenda: Previsão de 3,62% considera portaria do MEC e do MF, com valores dos repasses do Fundeb, publicada no último dia 29.
Foto: Reprodução / Marcelo Camargo / Agência Brasil

Pelo que explicou André Carvalho, assessor técnico do Sindicato Apeoc, entidade que representa os professores no Ceará, as discordâncias com relação aos valores, seja quanto ao reajuste dos profissionais ou na quantia que é enviada pelo Ministério aos estados e municípios é algo comum. 

"Em alguns anos, como este, você vê muitas queixas de entidades falando que o volume do reajuste é baixo em comparação ao que vai vir de receita e, por outro lado, como essa situação ocorre de maneira descompassada de ano a ano, têm anos que as gestões reclamam que o dinheiro que vai vir é menor do que o reajuste dado", avaliou.

Ele lembrou ilustrando o histórico recente. "No ano de 2023, por exemplo, o piso de professor sofreu um reajuste de 14,95% e a receita média do Fundeb Ceará cresceu 4%. Esse ano a coisa se inverte, temos uma receita que vai crescer acima de 10%, pelo que tudo indica, e um piso salarial de professor que, se for confirmada a técnica de todos os anos, vai estar na casa de 3,6%", disse. 

"Não é a primeira vez que a gente tem uma frustração em relação a esse índice. Tivemos no ano passado um reajuste de 14,95%, em 2022 foi de 33,24% e em 2021 o reajuste foi de 0%. Foi zerado porque essa mesma conta de um ano sobre o valor do outro dava negativa e como não existe redutibilidade de salário, ficou nesse percentual". 
André Carvalho
Assessor técnico da Apeoc

Categoria está insatisfeita

Ao que disse Anízio Melo, presidente da Apeoc, a legislação que prevê a aplicação da técnica, "desde a sua origem, tem espaços vazios que precisavam ser completados". "A lei do piso precisa ser pensada apenas como valor inicial. Se é valor inicial, precisamos que essa repercussão da valorização se dê em toda carreira do magistério, não apenas no piso. Entendemos que a aplicação simplesmente do índice do piso aos salários dos professores não resolve", declarou.

Como foi dito pelo representante, os professores defendem que sejam criados pisos diferenciados, que levem em conta a formação de cada profissional, possibilitando uma valorização das carreiras. Para bancar essa política, os trabalhadores da educação sustentam que seja implantado um fundo nacional.

Quanto ao reajuste para este ano, Anízio argumentou que o sindicato o entende apenas como uma referência. "Vamos querer ganhos acima da inflação, lutar para que todas nossas promoções possam ser pagas para 100% da categoria, que os professores temporários tenham salário inicial equivalente ao de um professor concursado, o fim da reforma da previdência e a valorização dos funcionários da educação", elencou.

Um levantamento realizado pela Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), veiculado em julho do ano passado, mostrou que 162 cidades cearenses deram um aumento aos seus professores em 2023. Na época, todas as localidades que aderiram aplicaram um acréscimos entre 14,81% e 16%. 

A incorporação dos percentuais, aliás, aconteceu em um momento de dificuldade para as municipalidades, que viram os recursos diminuírem diante da queda nas transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), nos dividendos obtidos pela repartição do ICMS e de valores recebidos por meio de outras fontes.

O reajuste foi alvo de uma recomendação da própria Confederação Nacional de Municípios (CNM), entidade municipalista que congrega as gestões dos 5.568 cidades brasileiras. Ela defendeu a ideia de que não havia base legal para a medida no patamar indicado. Uma nota disponibilizada no site da instituição falou de um "vácuo legislativo" e mencionou um impacto financeiro aos cofres municipais de R$ 19,4 bilhões por ano.

Paço Municipal de Fortaleza
Legenda: Trabalhadores da educação acusam Prefeitura de Fortaleza do não pagamento do piso salarial.
Foto: Reprodução / Fábio Lima / PMF

Fortaleza foi uma das localidades que aplicaram o percentual do ano passado. Mas, de acordo com Ana Cristina Guilherme, que preside o Sindicato União dos Trabalhadores em Educação de Fortaleza (Sindiute), não houve o cumprimento do piso salarial. 

A situação tem condicionado aos professores a reclamarem por um percentual maior, a fim de equiparar os vencimentos ao salário-base da categoria e aplicar o índice previsto para esse ano pela regra de reajuste, atingindo assim a quantia estipulada de R$ 4.580,57.

"Em Fortaleza estamos pedindo o valor do piso. Esse valor é o da referência inicial. A diferença nossa para o valor desse piso é 10,09%, que é o que nós queremos receber esse ano. Isso sem ganho real e ainda com um índice abaixo da inflação".
Ana Cristina Guilherme
Presidente do Sindiute

Ana Cristina continuou: "Já que a rica Fortaleza teve a quarta economia do país e a primeira do Nordeste, assim como o prefeito está anunciando, com um PIB que cresceu 12%, o justo seria os 12%. Mas não é isso que estamos pedindo. Queremos 10,09% e muito certos de que não iniciaremos o ano letivo se não tivermos". 

"Nós já pedimos audiência com o prefeito. Nossa data-base é 1º de janeiro. Estamos aguardando ele marcar a audiência, ou mesmo anunciar, o reajuste de 10,09%, que é o que precisamos para ter o que é lei", acrescentou a líder do Sindute ao descrever o contexto de tratativas com a gestão da Capital cearense.

A mobilização integra uma negociação que tem sido encampada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), instância que agrega representações em todo o país. Coordenadas por ela, diferentes frentes têm realizado ações neste sentido junto aos entes federados.

Poder Público em silêncio

Procurado para se manifestar sobre o assunto, o Ministério da Educação se manifestou através de nota informando que a recomposição salarial dos professores está prevista na lei que regulamenta o Fundeb e, desta forma, o órgão federal não tem "nenhuma margem para arbitrar o índice de correção a ser aplicado". O MEC também disse que sua função no processo é "informar" por meio de portaria qual foi a variação no VAAF no último exercício, em comparação com o período anterior.

"Conforme a Portaria Interministerial MF/MEC nº 7, de 29 de dezembro de 2023, o VAAF-MIN para o último exercício foi estabelecido em R$ 5.315,56. Em 2022, este valor foi de R$ 5.129,80. Portanto, a variação foi de 3,62%. Este é o índice que deverá corrigir o Piso Nacional dos professores, o que elevará o valor para R$ 4.580,57", alegou o comunicado. 

A portaria que irá homologar o parecer técnico sobre o índice de atualização do salário-base dos educadores deverá ser baixada nos próximos dias, completou a pasta, que argumentou ainda seguir o que determina a legislação vigente.

Em junho de 2023, o Governo Federal crioou um Fórum Permanente para acompanhamento da implementação da política do piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Além de representantes do MEC, fazem parte do colegiado nomes da CNTE, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

"O aprimoramento da Lei nº 11.738/2008 está na ordem do dia deste Fórum, tendo sido debatido exaustivamente em sete reuniões presenciais realizadas no ano passado", frisou o ministério ao tratar do dispositivo legal que estabelece, dentre outros pontos, a técnica usada para o cálculo salarial.

Do mesmo modo que o MEC, a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) foi interpelada pela reportagem para que pudesse comentar sobre as cobranças da classe de professores local, sobretudo no que diz respeito a possível complementação do acréscimo previsto após a publicação da portaria da administração federal. O braço da Educação da Prefeitura Municipal de Fortaleza não respondeu aos questionamentos até a veiculação desta matéria.

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