Junho de 2013: o que pensa hoje dos protestos o juiz aposentado do Ceará que foi capa do NYT
Dez anos após o episódio, Silvio Mota acredita que a onda de manifestações de junho ocorreu devido a uma insatisfação com o sistema político brasileiro
Capa do jornal americano The New York Times (NYT) em junho de 2013, o juiz cearense aposentado Silvio Mota chamou atenção da imprensa internacional ao enfrentar, sozinho, uma barreira policial durante uma manifestação, na Copa das Confederações, em Fortaleza.
Em meio à multidão que reivindicava mais investimentos em educação, saúde e moradia e protestava contra os Poderes Executivo e Legislativo, o magistrado cearense pedia melhorias sociais e a derrubada da PEC 37, que propunha concentrar as investigações criminais apenas nas Polícias Civis e Federal, impedindo a atuação do Ministério Público.
"Eu não participei de todos, houve alguns (protestos) completamente malucos. Apareceu até uma senhora reclamando do preço da ração do poodle dela. Aquele que eu fui, foi uma manifestação organizada pela esquerda, justamente para aprofundar as conquistas sociais. A Dilma (Rousseff, à época presidente do Brasil) entendeu aquilo muito mal"
A manifestação que o magistrado cearense se refere ocorreu no dia 27 de junho, no entorno da Arena Castelão — que era palco dos jogos da Fifa. No dia 25 de junho daquele ano, dois dias antes, a Câmara dos Deputados rejeitou a PEC 37 por 430 votos a 9. Dois parlamentares se abstiveram. Mesmo após a derrubada, o tema continuou sendo pauta das manifestações para demonstrar a insatisfação com o assunto.
"Naquele dia, eu fui protestar mais especificamente contra a Proposta de Emenda Constitucional 37, que tirava poderes de Polícia do Ministério Público. Era um absurdo completo. O Congresso estava inclinado a aprovar a emenda, mas voltou atrás, e a emenda caiu. Então, as manifestações surtiram efeito", declara.
Dez anos após o episódio, Silvio Mota acredita que a onda de manifestações de junho ocorreu devido a uma insatisfação com o sistema político brasileiro, principalmente com o Congresso Nacional. Todavia, a reação dos governantes à época foi desproporcional, conforme avalia.
Episódios de violência, vandalismo e forte repressão policial marcaram os atos em todo País, inclusive em Fortaleza. A Capital cearense foi uma das cidades brasileiras que registrou protestos violentos e com grande público.
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"Havia uma unanimidade, no início, de se querer avançar no social, que eu me recordo de ter visto as torcidas do Ceará e do Fortaleza juntas. Eu estou me referindo mais àquela manifestação que deu aquela foto (no NYT), aquele rebuliço todo. Era em pleno Governo da Dilma, era uma manifestação para aprofundar conquistas sociais e, ao invés de receber as reivindicações, ela soltou a Força Nacional em cima da gente", analisa, ao esclarece que a blusa verde e amarela que vestia era favorável à derrubada da PEC 37, e não da Seleção Brasileira, como se tornou popular anos depois em protestos contra o então governo petista.
Os protestos em Fortaleza contavam com forças policiais estaduais e federais.
'Salvo pela fotografia'
O juiz aposentado explica que os manifestantes já estavam cansados da forte repressão policial em Fortaleza e disse que a foto que estampou a capa do jornal The New York Times o "livrou de uma surra". Ele conta que a passeata estava pacífica quando os agentes começaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo.
"Eu estava andando normalmente, quando eu vi foi aquela chuva de gás lacrimogêneo. Eu estava com a minha mulher, estava tudo pacífico, fiquei com raiva e avancei por cima do pessoal e não parei. Mas o que aconteceu? Eles estavam começando a abrir uma roda para me cercar, aí quando eu vi veio o repórter e bate a fotografia. Eles viram, ficaram completamente abestalhados, não sabiam o que fazer. Eu fui salvo por aquela fotografia, se não eles tinham me batido."
O magistrado reconhece, no entanto, que houve provocação aos policiais. Apesar de não ter agressão, na hora que os agentes lançaram as bombas de gás, os manifestantes — e ele inclui a si e a esposa — emanavam palavras de ordem contra os policiais.
Ele relembra que alguns hinos satíricos foram surgindo devido à truculência da Polícia. O humor, todavia, buscava amenizar a situação.
Na época, o então governador Cid Gomes disse que os protestos eram louváveis e deveriam ser respeitados. Sobre a "truculência desproporcional" da Polícia Militar relatada por parte dos militantes, Cid afirmou que "bombas de efeito moral" e de "gás de pimenta" foram utilizadas "em casos que tentaram ultrapassar os limites".