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'Deixe eles': políticos apostam no humor como estratégia de aproximação nas redes sociais

No perfil pessoal ou institucional, gestores e parlamentares têm apostado em sátiras e em anúncios cômicos para interação com o povo

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
Selma de Niêta
Legenda: Selma de Niêta em ação da Prefeitura de Sobral
Foto: Reprodução/Instagram Ivo Gomes

"Deeeixe ela, que ela é amiga do prefeito" ou "Prefeito, os pais dos meninos tão tudo zangados": você já deve ter ouvido uma dessas frases em algum perfil de prefeito ou recebido uma figurinha de algum político no WhatsApp, não é? O humor, uma das principais características da cultura cearense, tem ficado cada vez mais presente na estratégia de comunicação institucional de políticos do Estado nas redes sociais. 

A estratégia não é à toa, pois reúne espontaneidade com uma linguagem carregada de regionalismo que aproxima as autoridades da população. Todavia, para a comunicação ser efetiva, é necessário avaliar o tipo de mensagem que será repassada, a rede social, o público-alvo, a produção cultural de sátiras por personalidades influentes localmente, bem como humoristas, e o perfil do político. O que deve ser falado, por quem, como e onde varia em cada situação. É o que apontam marqueteiros políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste

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Entre os políticos que têm aderido à estratégia de utilizar o humor nas redes sociais, estão deputados, prefeitos e até prefeituras cearenses. Enquanto no perfil de gestores e deputados as sátiras ou 'brincadeiras' podem exaltar os políticos, nas contas institucionais das administrações públicas a menção ao mandatário é evitada. A medida é necessária para não caracterizar utilização dos canais institucionais para promoção pessoal. 

Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora de Marketing, Bárbara George explica que a estratégia de utilizar vídeos com humor tende a gerar um bom engajamento nas redes sociais, por isso tem ganhado uma boa adesão entre a classe política — principalmente após o período pandêmico. A tática consiste em tentar emplacar uma trend ou rememorá-las a seu favor para que o vídeo "performe" entre 15 dias e um mês. 

A performance, quando cai no gosto do público, gera curtidas, comentários e compartilhamentos, e alavanca a popularidade do perfil na rede social. 

WhatsApp
Legenda: Especialistas apontam vantagens e cuidados ao utilizar do humor nas redes sociais
Foto: Foto: Shutterstock

"A estratégia do humor costuma performar muito bem, porque, quando as pessoas entram no Instagram, TikTok, elas querem consumir conteúdo mais leves. Então, conteúdos mais sérios, mais densos, costumam passar mais despercebidos. Para atingir o usuário, o vídeo precisa prender a atenção nos primeiros três segundos, senão ele vai passar direto" 
Bárbara George
Mestre em Comunicação

Anúncios de prefeituras 

Um exemplo dessa comunicação com humor é o anúncio de uma quermesse junina em Itapipoca, no Interior do Ceará. No último dia 23 de junho, por meio do Instagram, a prefeitura da cidade publicou um vídeo em que três humoristas aparecem simulando uma conversa cotidiana entre moradores do município. Na peça, um deles está dormindo na calçada da praça de uma igreja de Itapipoca, quando de repente acorda assustado falando um "Valha, meu Deus do céu". 

Depois disso, os amigos logo iniciam um diálogo e descobrem que o susto era porque o sonho era "bom demais". Na conversa, vem o anúncio da quermesse de forma descontraída e o desejo de ter "boas atrações".  

Em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, foi o prefeito Bruno Gonçalves (PL) quem utilizou, no dia 19 de junho, o Instagram para anunciar, com humor, a instalação de ar-condicionado nas salas de aula de creches e do 6º ao 9º ano da rede de ensino municipal. Na campanha, o humorista Bob Guerreiro aparece utilizando o celular, simulando um diálogo de cobrança ao gestor. 

A peça inicia, o humorista avisa ao gestor que "os pais dos meninos tão tudo zangado" devido à falta de ventilador na escola. "Os meninos acordaram tudo suado", continua Bob Guerreiro. Na sequência, ele age como se tivesse recebido a negativa do prefeito sobre os ventiladores: "Não vai botar ventilador, não? E o que é que cê vai botar?". 

Logo em seguida, Bruno Gonçalves aparece dando a notícia de que a prefeitura irá começar a instalar ar-condicionado nas salas de aulas. "O problema não é mais o calorizinho, não", afirma. 

Já o prefeito de Sobral, Ivo Gomes (PDT), utilizou o perfil no Instagram, no dia 16 de junho, para passar uma boa notícia de forma cômica: a antecipação da primeira parcela do 13º salário dos servidores municipais. No vídeo, a digital influencer Selma de Niêta, personagem do humorista caririense Jeorge Luiz, aparece no gabinete do prefeito dando "ordens" para o chefe de gabinete.  

Conhecida pelo bordão "Deeeixe ela" e por ser a "mãe da Educação", a personagem inicia o diálogo com a sua clássica frase e alega ter "moral" na Prefeitura de Sobral. É dessa forma que ela anuncia a data do pagamento da primeira parcela do décimo: "Eu quero o dinheiro na conta!", alega Selma de Niêta. 

A personagem, inclusive, tem sido bastante utilizada para anúncios institucionais de prefeitos, primeiras-damas e também para fazer sátiras e brincadeiras com deputados, por exemplo, nas redes sociais. A popularidade de Selma de Niêta, inclusive, tem levado a personagem a ser uma das mais requisitadas para participar de eventos de prefeituras cearenses. 

Não "forçar graça"

O especialista em marketing político Leurinbergue Lima aponta os desafios de se apostar na estratégia. Para ele, o humor pode funcionar "super bem" na comunicação institucional de figuras que já são carismáticas, mas também pode gerar resultado para os políticos mais “introspectivos, sérios” — desde que a utilização seja muito bem equilibrada. Em alguns casos, a melhor interação com a população é por meio de humoristas ou influencer. Afinal, "forçar graça" também pode dar muito errado, avalia. 

"O humor no Ceará é uma coisa muito nossa, é cultural, então é uma forma muito legal de se comunicar. Agora, você só se comunicar com essa linguagem 'engraçada', pode ficar forçado, exagerado. O bom senso é o limite de tudo. Depende muito da notícia que você vai dar. Você não vai pegar um assunto sério e comentar em forma de piada. Mas, por exemplo, 'dinheiro do décimo terceiro caiu na conta' é leve e alegre", analisa Leurinbergue. 

O estrategista político Harley Dias avalia que o conteúdo com humor que será produzido por órgãos públicos ou pelo gestor é pensado em aproximar a comunicação institucional da população, mas também o gestor do eleitor. 

"Tudo que é feito para a político tem que ser muito bem analisado e avaliado, porque quando um eleitor vai votar num candidato, ele vota com a esperança de que melhore a vida dele e da cidade. O exagero pode ser prejudicial, agora pitadas de humor em determinadas ações de um evento, de uma festa, até numa ação para arrecadação do IPTU, pode ser bem aceitável, porque você consegue aproximar o gestor, e o político no geral, do eleitor", avalia Harley. 

Foco no compartilhamento 

Os especialistas apontam, também, que a tática do humor também está presente em outras formas de comunicação. Uma dela, inclusive, é a criação de figurinhas e memes, compartilhadas no WhatsApp e Twitter, por exemplo. Leurinbergue explica que até pouco tempo, os políticos tinham "medo" de utilizar as figurinhas, mas hoje já solicitam que a própria equipe de comunicação produza para compartilhar. 

figurinhas
Legenda: Figurinhas de várias políticos cearenses viralizaram nas redes sociais
Foto: Reprodução

As figurinhas de políticos se popularizaram principalmente na pandemia, com recortes de momentos e expressões de parlamentares, candidatos ou gestores. O recurso permite ainda montagens de fotos, o que possibilitou mais imagens cômicas — que seguem até hoje sendo compartilhadas no WhatsApp. 

"No começo, a classe política tinha muito cuidado com isso, mas, ao longo do tempo, o povo foi criando figurinhas, e figurinhas legais. Tem uma figurinha do Camilo (Santana) que é famosa, que é ele com a mão na cintura e escrito 'marrapaz'. Então, essas figurinhas foram viralizando ao ponto de, hoje, as próprias equipes dos políticos também produzirem figurinhas engraçadas, legais, que vão viralizando e caindo no gosto do povo. Isso é ótimo porque suaviza, humaniza e aproxima o político da população" 
Leurinbergue Lima
Marqueteiro Político

figurinhas
Legenda: Figurinhas de políticos cearenses viralizaram nas redes sociais
Foto: Reprodução

Bárbara George também aponta que as figurinhas são uma boa estratégia para deixar a imagem dos políticos descontraídas. Além disso, ela aponta que o fluxo dos recursos é mais orgânico, ou seja, não tem como controlar a produção das imagens. O recurso, inclusive, colabora para deixar políticos vivos na memória do povo. 

"A gente percebe que uma tendência que a gente observa muito fortemente são as figuras de políticos: as figurinhas, memes, cortes engraçados, tudo isso rende. Antes, isso era visto como piada e chacota, hoje eles veem que, ao longo do tempo, certos políticos ganharam força no meio por conta desse movimento forte de Twitter, TikTok, Instagram, figurinhas no WhatsApp", relata. 

Tendência em 2024 

Devido às várias possibilidades de se comunicar com humor, a característica deve ser ainda mais utilizada nas eleições de 2024, conforme os especialistas. Por isso, a utilização de figurinhas, memes, trends e vídeos com sátiras ou cômicos deve ganhar ainda mais força no meio político. 

"Eu acredito que vai acontecer bastante, mas tudo tem que ser feito com base nos números, no perfil. Se o povo está gostando de figurinha, insere figurinha. Se o número der o contrário, você vê uma forma diferente de chegar ao receptor, para que fique mais viável de o eleitor gostar do candidato. Nós temos que ter cuidado com a mesmice também. Não é porque uma campanha deu certo na eleição passada, que significa que ela vai dar certo agora. Não é uma receita de bolo, cada candidato tem suas diferenças, então precisa de uma estratégia pontual" 
Harley Dias
Estrategista Político

Já Leurinbergue ressalta, também, cuidados que as figuras públicas que pretendem concorrer a um cargo eletivo em 2024 devem tomar.  

Dentre os cuidados para a estratégia não sair "pela culatra", ele aponta que é importante observar os limites legais da comunicação institucional, bem como a rede ideal para passar a mensagem.  

"Até pouco tempo atrás a comunicação institucional de prefeitura, governo, políticos, era muito engessada, porque ela tem limites legais que a Constituição impõe. A comunicação institucional, no perfil da instituição, não pode ser pessoal, não pode levantar a bola do gestor. (...) Mas nas páginas pessoais já é possível fazer isso, porque não tem o 'break' judicial', por isso deputados utilizam mais", acrescenta Leurinbergue. 

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