Especialista analisa principais questões que envolvem debate sobre reforma tributária

Tributarista destaca o Ceará como exemplo em práticas que estimulam bom comportamento de contribuintes e critica propostas de reforma

Escrito por Redação , negocios@svm.com.br
Legenda: Para Gama, é injusto acabar com uma política de estímulo à leitura ao ampliar a tributação para o segmento

Com diferentes propostas elaboradas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e pelo Governo Federal, a Reforma Tributária parece ainda estar longe de encontrar um modelo que atenda ao fisco e a contribuintes dos mais variados setores. A seguir, Tácio Lacerda Gama, professor de direito tributário e presidente do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT), aborda as principais questões que envolvem o debate sobre a reforma.

Nós temos uma proposta na Câmara e uma no Senado para a reformulação do sistema tributário brasileiro, além da proposição apresentada pelo Governo Federal. Na sua avaliação, alguma dessas propostas cumpre ou se aproxima de cumprir a simplificação desejada? Quais são os principais pontos das proposições que a gente tem hoje?

Existe um interesse da sociedade brasileira em reformar o sistema tributário que foi percebido pelos deputados e senadores. A grande questão é que o remédio depende do diagnóstico. E a complexidade do sistema tributário não deriva nem da Constituição, nem da lei. Então, não é alterando a lei que eu vou resolver essa complexidade.

As duas propostas oferecem o remédio errado para o problema certo. A complexidade vem de uma relação mal sucedida entre fisco e contribuinte, que precisam ter formas de entendimento melhores. Mudar a lei é mudar a causa da briga, mas não é mudar a briga. A proposta do governo aumenta exponencialmente a complexidade, porque vai fazer pessoas que hoje recolhem tributo de uma forma muito simplificada, aplicando alíquota sobre uma base de cálculo só, tenham que apurar crédito e débito.

É possível uma reformu-lação eficaz do sistema tributário brasileiro sem aumento de carga tributária, apenas com a redistri-buição do que temos?

As empresas, em geral, terão aumento de carga tributária, porque está tendo uma variação de alíquota muito maior do que seria necessária para corrigir as derrotas que o governo sofreu na Justiça. Só que não interessa ao empresário o sistema como um todo. Interessa ao empresário o sistema dele. E o sistema dos empresários brasileiros, de 99% deles, terá alíquota aumentada com a proposta apresentada pelo governo.

É esperado que a reforma tributária acabe com a guerra fiscal entre estados, e os secretários fazendários do Nordeste sempre deixaram claro o medo de que isso penalize ainda mais a região. O que tem sido trabalhado para compensar a mudança é a criação de um fundo regional. Como você avalia isso? É uma solução eficaz? Ou é preciso ir além?

A guerra fiscal não é fruto da Constituição nem da lei. A gente tem que criar condições para que o aplicador da lei veja vantagens de se entender com o contribuinte e não em brigar com o contribuinte. O Estado do Ceará é um exemplo para o Brasil inteiro de boas práticas que estimulam o bom comportamento do contribuinte, e isso é um fato. O Nordeste pode perder muito com essas propostas, mas a região tem ativos muito importantes que precisam ser adequadamente explorados, como o clima, proximidade com mercados importantes, terra fértil e barata, praias maravilhosas. Esses são ativos que o Nordeste precisa brigar com altivez, sabendo da sua força e dentro da sua capacidade política.

O ministro Paulo Guedes defendeu a taxação de transações no comércio eletrônico para reduzir a cobrança que recai sobre a folha de pagamento. Na sua avaliação, é uma troca pertinente? Quais seriam os impactos dessa taxação?

A gente precisa entender que, com um problema complexo como esse, você tem pelo menos três visões. Uma visão econômica, uma jurídica e uma política. Do ponto de vista político, a CPMF é uma bomba. Foi o único tributo que gerou movimento cívico para o seu não recolhimento e é uma vitória. Só que você tem o IOF que já estava na Constituição. O Estado vai precisar de recursos no futuro. O momento agora é de endividamento público. Taxar operações eletrônicas é muito pouco inteligente. Você não tem como discriminar. Agora, tributar meios de pagamento, eu não vejo problema.

O Banco Central anunciou o PIX, novo sistema de transações instantâneas. O ex-presidente do BC, Ilan Goldfajn, acredita que o imposto para transações digitais pode penalizar esse sistema. De fato, isso é um risco? Por quê?

A tendência do mundo é utilizar meios de pagamento e reduzir dinheiro em espécie. Se você cria uma CPMF, você aumenta a circulação de dinheiro em espécie. Eu sou simpático à ideia de que você restrinja o pagamento em dinheiro, que faz com que você tenha o uso do banco como intermediador da atividade econômica. Então, toda vez que se pensa em criar um tributo sobre meios de pagamento você está criando um estímulo à informalidade.

A gente viu efervescer também na internet a possibilidade de os livros ficarem mais caros com a taxação proposta na reforma do Guedes. Foi um tema que levantou bastante polêmica porque representa o fim da isenção para o segmento. Guedes disse que o governo poderia aumentar o valor do Bolsa Família pra compensar isso. Mais uma vez: é uma troca que vale a pena?

Há uma ideologia equivocada atrás dessa proposta e de outras de que se você tiver uma tributação com uma única alíquota com o maior número de pessoas e de forma regular, as pessoas não vão discutir entre si. Então a ideia é de que o conflito só surge porque existe diferença de tratamento. Essa é uma ideia intuitiva, até interessante, mas ela não é atenta a outro fato, que criar conflitos no Brasil dá muito dinheiro. E é injusto e perverso um tratamento igualitário acabando com a única política que eu conheço de estímulo à leitura no Brasil.

Qual é a sua avaliação sobre a realização de uma reforma tributária nesse momento que o País está vivendo, com mais de 100 mil mortes pelo coronavírus e em meio a uma forte crise econômica?

O Governo Federal publicou o maior pacote de ajuda tributária para manutenção de empregos e empresas que eu assisti na minha vida profissional. O Brasil, durante 20 anos, foi um dos principais destinos de investimentos com esse sistema tributário que está aí. Temos muito o que fazer dentro da tributação. Há muita injustiça a ser corrigida, mas precisamos ter mais debates, mais pluralidade. Eu espero que esse foco que o governo teve - que foi muito produtivo para manter milhares de empregos nesta pandemia - volte para pensar em maneiras de estimular a atividade econômica e estimular investimentos. Porque é de investimento que vem receita tributária, é de investimento que vem emprego.

Muitas mudanças operadas pelo governo entram na área tributária mesmo que fora da reforma, principalmente quando o assunto são o fim dos benefícios concedidos a empresas, como a desoneração da folha e IPI. Essa movimentação é justificada para dar mais saúde fiscal ao governo, mas é viável fazer hoje, em plena pandemia?

Essas coisas não são simples. Os benefícios fiscais são ajustes entre o fisco e o contribuinte para levar empreendimentos para locais onde eles não estariam, dando emprego, desenvolvimento, pagando tributos, ainda que seja um pouco menos. Acho que a gente tem que sair do momento ideológico e ir para um momento pragmático.

O momento pragmático envolve ouvir o setor produtivo. Escutar os muitos atores envolvidos. Não é algo para ser feito só por economistas, ou só por juristas ou só por políticos ou cientistas políticos. O setor produtivo deve ser ouvido. É necessário um debate global. Não é o momento de injustiça, de insensibilidade com o setor produtivo. O momento é de atenção, de criar estímulos ao desenvolvimento e não de multiplicar duas, três, quatro, cinco vezes a carga tributária de quem emprega 75% das pessoas deste País.

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