Quem toma só 1ª dose de vacina contra Covid-19 tem imunidade incompleta e pode adoecer; veja relatos

Médicos recomendam a aplicação das duas doses e, mesmo após a imunização completa, é orientada a manutenção das medidas de proteção

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Quase três milhões de vacinas, incluindo as duas doses, já foram aplicadas no Ceará
Foto: Thiago Gadelha

Relaxar nas medidas de proteção após a primeira dose do imunizante contra a Covid-19 ou não retornar para a segunda aplicação por já se considerar protegido é uma postura considerada temerária, segundo avaliação de especialistas. Vale lembrar que o vírus já matou mais de 20 mil pessoas no Ceará e quase meio milhão no Brasil.

As vacinas atualmente disponíveis no Plano Nacional de Imunização (PNI) possuem esquema vacinal em duas etapas, ou doses. Além disso, somente cerca de duas semanas após a segunda aplicação a proteção se tornar mais eficiente.

O médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ivo Castelo Branco, explica que "a primeira dose [da vacina] imuniza, após 15 dias, apenas parcialmente. A segunda dose é um complemento. Após 15 dias da segunda aplicação, o paciente tem a imunidade completada".

Contudo, a epidemiologista Carline Gurgel, também professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) destaca que mesmo após este período, é prudente recomendar às pessoas que preservem as medidas de biossegurança, como uso de máscaras e distanciamento social. 

O vírus continua circulando. A proteção efetiva e em massa, só será alcançada com a imunização de rebanho, que é quando uma grande parcela da população recebe a segunda dose. Mas, para isso, a vacinação tem que avançar mais rapidamente.
Caroline Gurgel
Epidemiologista e virologista

Sensação de segurança 

Não retornar à segunda dose ou relaxar nos cuidados podem, segundo Ivo Castelo Branco, estarem relacionadas a falta de informação das pessoas. "Muitos pensam que, ao tomarem a vacina, elas estarão automaticamente protegidas. Com esse pensamento, acabam se expondo e baixam a guarda", detalha.

Diante da atual conjuntura epidemiológica do Brasil, com casos ainda em alta e risco do surgimento de uma terceira onda da doença, Ivo avalia que dispensar o uso de máscara após a vacinação, como tem acontecido em países da Europa e nos Estados Unidos, não será possível aqui no País.

"O vírus ainda está circulando muito fortemente. Não atingimos uma imunidade de rebanho e estamos distantes disso. Então, mesmo vacinada, a pessoa pode ser infectada e veicular o vírus. É importante ressaltar que a vacina reduz drasticamente o risco de morte ou de sintomas graves, mas o indivíduo ainda pode contrair a doença. Por isso a importância de manter a proteção até que vacinemos grande parcela dos brasileiros", ilustra o especialista. 

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O aposentado Francisco Aldo Pinto, de 69 anos, se enquadra neste grupo. Ele recebeu a primeira dose da vacina em 28 de abril e, logo em seguida, contraiu a doença. "Não sei como aconteceu [a infecção]. Minha esposa e eu não nos expomos, mas esse vírus está em todo canto, acabamos adoecendo", relembra.

No dia 10 de maio, o idoso foi internado no hospital São José, recebendo alta pouco mais de uma semana depois. "Minha esposa também se infectou, mas não precisou ser internada. Eu, como senti moleza no corpo, dor de cabeça e tosse, precisei me internar. Mas, graças a Deus sai logo e deu tudo certo. Não fiquei com nenhuma sequela", comemora aliviado.

Neste domingo, dia 6, Aldo e sua esposa finalmente poderão tomar a segunda dose da vacina. Ansioso pela data, ele afirma: "vamos redobrar as medidas de proteção. Máscara, álcool em gel e sair de casa só quando necessário, essa doença não é brincadeira".

Já o agricultor, natural de Ocara, Samuel da Silva, de 63 anos, precisou ser internado devido às complicações da Covid-19 em menos de uma semana após a primeira dose da vacina, em 13 de maio. 

"Eu procurei um médico lá em Ocara mesmo porque estava sem sentir gosto na boca", relata. O agricultor encontra-se, agora, internado na enfermaria do Hospital Estadual Leonardo da Vinci (HELV). Por causa da doença, ele ainda não conseguiu tomar a segunda dose do imunizante. Segundo o idoso, a contaminação aconteceu na estrada, ao parar para conversar com conhecidos que estavam sem máscaras.

“A gente ainda não entende” 

O gerente administrativo Narcélio Holanda, de 23 anos, não pôde ver os avós completarem a imunização contra a Covid-19. Isso porque oito dias depois da primeira dose aplicada no avô, Valmir Augusto, de 72 anos, o mesmo foi internado por complicações da doença pandêmica. Em seguida, a avó de Narcélio, Maria José Silva, de 63 anos, também precisou de cuidados médicos para tratar a Covid-19. No entanto, nenhum dos dois conseguiu se salvar da doença e faleceram com sete dias de diferença. 

A primeira morte foi a da avó, Maria, em 31 de março, e em seguida, o avô, Valmir, dia 6 de abril. “Meu avô tomou a primeira dose no dia 15 de março. Já minha avó só foi chamada meses depois da morte, para a primeira dose. No dia 23 [de março] meu avô precisou ser internado. A gente recebeu a mensagem para a segunda dose do meu avô no final de abril, mas ele já tinha falecido”, coloca. 

Mesmo após as mortes, o neto afirma que a família ainda se questiona sobre como tudo aconteceu de maneira rápida, além da forma como se deu a contaminação dos mais velhos, que estavam isolados da família em casa mesmo depois da primeira dose do avô.

A gente ainda não entende como isso aconteceu. Eles sempre foram muito cuidadosos, moravam só, ninguém os visitava, nada. Foi tudo muito rápido”
Narcélio Holanda
Gerente administrativo

"Cinturão de proteção"

A imunização em massa citada por Caroline Gurgel e Ivo Castelo Branco permitirá a criação de um “cinturão de proteção”, conforme já fora atestado por estudo realizado pelo Instituto Butantan em Serrana, cidade do interior de São Paulo. Lá, toda a população adulta apta para receber a vacina foi imunizada com a Coronavac.

Ao fim deste experimento (com aplicação das duas doses), houve redução de 95% das mortes por decorrência da Covid-19. Para os cientistas, o controle da epidemia no município paulista ocorreu após 75% da população adulta ser vacinada.

Estamos distantes deste cenário [de Serrana]. Portanto, todos têm que tomar as duas doses e manter os cuidados após a imunização. 
Ivo Castelo Branco
Infectologista

O Diário do Nordeste questionou à Secretaria da Saúde (Sesa) do Ceará se a pasta dispõe do quantitativo de cearenses que não retornou para tomar a segunda a dose. A Sesa, no entanto, não respondeu até à publicação desta matéria. 

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Vacinação no Ceará

Conforme o Vacinômetro, da Secretaria Estadual da Saúde, o Ceará já aplicou 2.891.991 doses do imunizante, dentre os quis 1.091.575 são referentes a segunda dose. Ainda nesta semana, terá início a vacinação do público geral, entre pessoas de 18 e 59 anos, respeitando a ordem decrescente de idade.

O avanço no processo de imunização foi autorizado pela Sesa após os Ministérios Públicos Estadual, Federal e do Trabalho expedirem recomendação. Dos 184 municípios do Ceará, 83 já estão aptos a iniciarem a vacinação da população em geral. Esta etapa deve começar por Fortaleza, já no próximo domingo (6).

Para avançar na vacinação, o requisito era de que os municípios atingissem imunização acima de 90% da meta do terceiro grupo, formado por pessoas com comorbidades, gestantes, puérperas e pessoas com deficiência. 

 

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