Início da vacinação geral contra Covid em Fortaleza não alivia restrições sanitárias, dizem médicos

Cuidados para evitar a doença ainda devem ser mantidas já que o ritmo de vacinação é lento e há escassez de doses

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Médico defende que, enquanto não se alcançar uma prevenção coletiva, todos os indivíduos, mesmo vacinados, precisam manter os cuidados sanitários
Foto: Thiago Gadelha

A abertura, neste domingo (6), de uma nova etapa da campanha de vacinação contra Covid-19 em Fortaleza tem sido considerada um avanço, tendo em vista que pessoas do público geral, de 18 a 59 anos de idade, começaram a ser chamadas para receber o imunizante. No entanto, médicos alertam para a necessidade de manutenção das restrições sanitárias, pois os cuidados devem ser pensados de forma coletiva. 

“Enquanto não se alcançar uma prevenção coletiva, de vacinação em massa de pelo menos 70% da população, todos os indivíduos, mesmo vacinados, precisam manter os cuidados que já são conhecidos”, afirma o doutor Roberto da Justa, infectologista, professor da Universidade Federal do Ceará e integrante do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS.

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Segundo ele, um importante conceito vem sendo trazido para discussão: a vacina enquanto medida de proteção individual e como medida de proteção coletiva. O primeiro caso, de acordo com Roberto da Justa, é importante, contudo menos efetivo, uma vez que há vários exemplos de pessoas que foram imunizadas com as duas doses e, mesmo assim, contraíram a doença – embora de forma mais branda, sem risco de internação e óbito.

“O efeito mais importante e esperado da vacinação é que ela seja uma medida de prevenção coletiva, abrangendo pelo menos 70% da população. Isso impacta na circulação do vírus e atrai mais benefícios do que a questão da prevenção individual”, situa, ao referenciar o caso de sucesso verificado no município de Serrana, em São Paulo. Um estudo realizado na cidade indicou que, com 75% de vacinados, a pandemia pode ser controlada.

Legenda: Atualmente, Ceará aplicou mais de 2 milhões e 900 mil doses contra Covid-19, conforme última atualização do Vacinômetro, plataforma atualizada pela Sesa
Foto: Thiago Gadelha

Velocidade de cobertura

No estágio em que o Ceará se encontra – com mais de 2 milhões e 900 mil doses aplicadas, conforme última atualização do Vacinômetro, plataforma atualizada pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) – Roberto da Justa estima que a redução dos danos ocasionados pelo cenário pandêmico vai depender da velocidade de cobertura

Se tomarmos como exemplo o município de Serrana, em São Paulo, quanto mais rápido aquela porcentagem de vacinados for alcançada, maior o impacto em termos de contenção dos danos”
Roberto da Justa
Infectologista e professor da Universidade Federal do Ceará

Entre os efeitos da aceleração da campanha de vacinação estão a redução de casos de infecção e de óbitos; diminuição da pressão sobre o sistema de saúde – sobretudo o público; redução da circulação viral; e diminuição da chance de surgimento de novas variantes do vírus.

“A vacinação aberta a toda a população da Capital representa um grande avanço. Mas há uma ressalva: o processo precisa ser mais rápido. Nós temos poucas vacinas. A velocidade de vacinação no Brasil, de uma maneira geral, vem sendo muito lenta, e em Fortaleza também. Claro que a culpa não é da gestão municipal; a culpa é da falta de vacinas, uma vez que a aquisição é feita pelo Governo Federal”, detalha.

“A gente fica motivado e satisfeito por ver isso avançando, mas precisamos aumentar a velocidade de vacinação da população”.

Legenda: Estudiosa explica que o processo de criação de anticorpos por parte das vacinas requer um tempo e, por isso, não se deve relaxar quanto às medidas sanitárias
Foto: Fabiane de Paula

Possibilidades de otimização

Semelhante perspectiva é defendida por Ligia Kerr, epidemiologista e professora de pós-graduação na área pela Universidade Federal do Ceará. A estudiosa explica que o processo de criação de anticorpos por parte das vacinas requer um tempo e, por isso, não se deve relaxar quanto às medidas sanitárias.

A imunização não é assim, você toma a vacina e já está imunizado. Para se tomar as duas doses, leva até três meses, em alguns casos. Algo que tem que ficar bem claro é que nenhuma vacina tem 100% de eficácia. Assim, todas as medidas de higiene, isolamento e distância em lugares abertos devem ser mantidas. Essas são coisas que ainda vamos enfrentar por muito tempo"
Ligia Kerr
Epidemiologista e professora da Universidade Federal do Ceará

Assim como o doutor Roberto da Justa, a epidemiologista também reforça que, se o ritmo de vacinação está lento não apenas no Ceará, mas em todo o Brasil, é devido à ausência de chegada de mais doses dos imunizantes nos Estados e municípios. 

Ainda assim, a recente aprovação, na última sexta-feira (4), do imunizante Sputnik V pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – juntamente à Covaxin, da Índia – deve trazer novos ares para o panorama atual.

Legenda: Liduina Rocha afirma que a possibilidade de vacinar toda a população de uma cidade ou Estado significa uma realidade epidemiológica mais segura
Foto: Kid Júnior

“A entrada da Sputnik V pode gerar uma mudança radical no quadro porque são 39 milhões de doses chegando para o Nordeste. É possível que tenhamos, realmente, um impacto muito grande. Talvez não consigamos atingir todas as pessoas da região, mas vamos contar com outras vacinas e esse já será um grande passo”, vibra.

“Nós temos unidades de saúde, temos pessoal... Se a gente tiver vacina, a gente anda. Para termos uma ideia, em 2010, quando se vacinou contra a H1N1, foram imunizadas 88 milhões de pessoas em três meses. No dia 19 de junho, completamos o sexto mês da campanha de vacinação contra a Covid no Brasil e a porcentagem de vacinados ainda é muito pequena. É importantíssimo vacinar toda a população”.

Realidade mais segura

Obstetra, presidente do Comitê Estadual de Prevenção da Morte Materna, Fetal e Infantil e integrante do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS, Liduina Rocha afirma que a possibilidade de vacinar toda a população de uma cidade ou Estado significa uma realidade epidemiológica mais segura. 

“A vacina não é só uma questão de proteção individual, mas de imunidade coletiva. Assim, a gente só vai ter mesmo segurança – e a realidade tem mostrado isso – quando a maioria de nós estivermos vacinados, que é o que está se apontando como perspectiva agora”, sublinha.

Ela igualmente destaca que o Brasil, de uma forma geral, é detentor de um programa nacional de imunização que seria capaz de responder muito rapidamente às demandas da sociedade, haja vista a significativa capilaridade do projeto. “O que nos faltou, e ainda nos falta, é uma decisão política, de saúde pública, de termos vacinas. Porque, como estamos constatando, se tivermos os imunizantes, as coisas são otimizadas”.

Legenda: Estudiosa enxerga a necessidade de que a campanha de vacinação seja encarada como uma política pública acessível para toda a população
Foto: Fabiane de Paula

Desta feita, Liduina Rocha acredita que a pandemia não se resolverá do ponto de vista individual. Não à toa, a necessidade de que a campanha de vacinação seja encarada como uma política pública acessível para toda a população – independentemente se as pessoas pertencerem ao grupo de risco ou não.

“Porém, enquanto a maioria de nós não está vacinada, precisamos seguir com os níveis de isolamento determinados pela nossa realidade epidemiológica – utilizando máscara adequada, prezando pelo distanciamento e por todas as outras medidas. Elas ainda são necessárias e vitais para evitar a propagação de uma doença que, claramente, tem vinculação respiratória”, recomenda.

Precisamos ter um pouquinho de paciência para esse momento. Ao mesmo tempo, também necessitamos de muita força para continuar entendendo e lutando para que a vacina seja acessível para todo mundo, mas que, depois da vacinação, tem um tempo. E aí é necessário seguir todos os cuidados”
Liduina Rocha
Obstetra e presidente do Comitê Estadual de Prevenção da Morte Materna, Fetal e Infantil