Efeitos da vacina só devem ser sentidos nos próximos meses

Mesmo com a aplicação de doses contra a Covid-19 começando ainda em janeiro, especialistas explicam que a produção de anticorpos ainda levará cerca de dois meses. Medidas de proteção individual devem ser mantidas

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Especialista alerta que medidas de proteção individual devem ser mantidas, mesmo após vacinação
Foto: Thiago Gadelha

A vacinação contra a Covid-19 no Ceará começou já na segunda-feira (18), um dia após a liberação do uso emergencial da CoronaVac pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No primeiro bloco de contemplados, devem ser vacinados 109 mil cearenses que fazem parte de dois grupos prioritários: profissionais de saúde da linha de frente contra a doença e idosos que residem em instituições de longa permanência (Ilpis). Ainda assim, especialistas avaliam que os impactos da imunização, contudo, somente devem ser verificados nos próximos meses.

Os grupos devem receber duas doses da mesma vacina, com intervalo de 14 dias, para terem maior eficácia de proteção garantida. A CoronaVac é produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. Segundo o painel Our World in Data, ela já é utilizada na China e na Turquia. A aplicação é intramuscular.

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O biomédico e microbiologista Samuel Pereira projeta que o efeito inicial da imunização será diminuir a taxa de mortalidade, mas só depois de, no mínimo, dois meses.

"A imunidade vai levar um tempo para ser adquirida, mesmo começando agora. Só vamos sentir os resultados dela, mesmo nesses grupos prioritários, talvez daqui a uns dois meses. Demora um tempo para tomar a primeira dose, depois a segunda, e então o sistema imune começar a trabalhar na redução dos quadros infecciosos. Na população geral mesmo, só quando começar a aplicação de forma mais disseminada", esclarece.

Samuel explica que os dois primeiros grupos prioritários têm objetivos diferentes. Os profissionais de saúde, de unidades públicas e particulares, têm chances maiores de infecção por terem contato direto com pessoas diagnosticadas positivamente, podendo servir como vetores de contaminação para outras pessoas de convívio próximo. Já os idosos institucionalizados vivem em residências com aglomerações e, como muitos são imunodeprimidos ou portadores de doenças crônicas, podem desenvolver outras formas mais graves da doença.

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Para o microbiologista, um nível de proteção maior, com impacto direto na redução de casos, deve ser mais sentido após a imunização de indivíduos que lidam com atendimento ao público, como professores, motoristas e caixas de supermercado. Conforme o plano estadual de imunização, contudo, a maior parte desse grupo só deve ser contemplada na Fase 4.

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Restrição

Keny Colares, médico infectologista e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), reforça ser "pouco provável" que se observe uma mudança muito importante no comportamento da doença até que uma parcela significativa da população seja vacinada. "Espero que essa vacina seja adquirida em quantidade maior para que a gente consiga, nos próximos meses, imunizar uma quantidade grande. Se for muito pequena, o efeito prático para a maioria também vai ser pequeno", afirma.

O planejamento da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) é que a vacinação nos 184 municípios comece simultaneamente. Com a chegada dos lotes em Fortaleza, as vacinas serão distribuídas por regionais de saúde num plano logístico que envolve aviões, helicópteros e transportes terrestres.

No entanto, para o biólogo, epidemiologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luciano Pamplona, na prática, esse início de vacinação ainda não deve ter grande impacto na saúde coletiva justamente porque o público-alvo ser mais restrito.

"É só o começo, um marco simbólico, mas não vamos ter essa proteção até os próximos meses", explica.

Segundo o plano estadual de operacionalização da vacina da Sesa, só o público estimado de idosos em instituições de longa permanência é de 115.978 pessoas. Já o de trabalhadores da saúde, incluindo os da linha de frente, é de 182.907. O epidemiologista avalia que, com a distribuição para todos os municípios, a capacidade de proteção da vacina será diluída. "Teria mais sentido concentrar em regiões onde há maior taxa de internação", sugere.

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Imunidade

Pamplona reforça duas formas de entender o resultado da aplicação da vacina, com a consequente imunidade populacional. "Para impactar na redução da transmissão, precisaria ter uma grande parte da população vacinada. Outro ponto é reduzir casos graves e internações de grupos de maior risco, que envolve vacinar idosos e pessoas com comorbidades", indica o biólogo.

O especialista ressalta também que, por não haver vacina suficiente para toda a população brasileira "nos próximos meses ou anos", será preciso manter ainda o uso indiscriminado de máscaras, lavar as mãos e evitar tocar olhos, boca e nariz, além de respeitar o distanciamento mínimo entre os indivíduos.

O infectologista Keny Colares reitera que "o tempo vai dizer" quando será possível identificar o resultado concreto de todo o processo de vacinação. "À medida em que formos vacinando e verificando redução de casos e óbitos, veremos de forma mais clara e se é suficiente para retirar as medidas de proteção", diz.

De acordo com o microbiologista Samuel Pereira, a recomendação para a chamada "imunidade de rebanho" é que a cobertura vacinal atinja entre 85% e 90% da população, com o ideal de 95% e uma porcentagem mínima de 70%.

Ela ajudará a proteger pessoas que possam ter alergia a algum componente da vacina, por exemplo. Porém, ainda permanece a dúvida de quanto tempo essa imunidade adquirida deve durar - se alguns meses ou mesmo anos.

"À medida que tenho várias pessoas imunizadas ao redor, o vírus não circula. Existe uma barreira de indivíduos que não adquire a doença e isso impede que ela chegue até mim. Contudo, a pesquisa não acabou. Essa vacina é emergencial, mas vai continuar sendo aperfeiçoada até atingir maior eficiência, seja de 70%, 80%, 90%. Ainda precisamos saber se será preciso tomá-la todo ano ou se o vírus vai deixar de circular", afirma Samuel Pereira.

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