Nos casos mais graves da Covid-19, quando a doença compromete muito o funcionamento pulmonar, os profissionais da saúde investem em diferentes métodos clínicos para que os infectados consigam continuar respirando enquanto combatem o vírus.
Os profissionais, então, recorrem a ventiladores mecânicos, capacetes de oxigenação, remédios, uma série de tratamentos não invasivos e que, geralmente, dão resultado. No entanto, em algumas situações, nada disso é suficiente. O ar permanece escasso. A musculatura do corpo fadiga. Aí, a indicação é intubar.
Flávia Lavínia Basílio Soares, 37, é apenas uma das pessoas que precisou passsar por isso. Ela é fisioterapeuta. Trabalha na linha de frente da pandemia. Está acostumada a ver e a tratar pacientes intubados, combatendo o coronavírus em leitos de terapia intensiva (UTI). No entanto, até agosto do ano passado, quando contraiu a infecção, ela ainda não se imaginava “do outro lado”, na condição de quem recebe o atendimento.
No início daquele mês, com 85% do pulmão comprometido, a fisioterapeuta foi internada no Hospital São José, em Fortaleza, e recebeu oxigênio por cateter nasal, máscara e outros procedimentos não invasivos. Mas, nada adiantou. Ela não se lembra, mas diz que sua médica contou que foi ela quem pediu para ser intubada. “E ela [a médica] viu que não tinha outro jeito”, narrou Flávia.
“Mesmo sendo da área, entendendo tudo, na minha cabeça eu ia ficar com aquilo [a sonda] pra sempre. Na hora, apaga, a gente não é profissional, não sabe de nada. Eu entrei em desespero. Várias vezes quis fraquejar”, lembra a fisioterapeuta.
Dos 29 dias de internação, em oito ela estava intubada. E, por ter tido dificuldade na desintubação, teve de passar ainda por uma traqueostomia. “Foi quando conseguiram tirar a sedação e eu fui acordando”, recorda.
A princípio, segundo o anestesiologista Cícero Ivan de Amorim Rodrigues, a intubação “não traz sequela”. O que pode gerar, principalmente, transtornos vocais e de deglutição são a combinação do procedimento com a traqueostomia — procedimento cirúrgico que faz uma abertura na parede da traqueia — e o tempo de intubação.
Há um limite, porém, para esse tempo de intubação. Segundo os especialistas consultados pelo Diário do Nordeste, não deve ultrapassar 15 dias. E, diferentemente do que se convenciona achar, não é uma intervenção para ser feita às pressas, no momento de uma parada cardiorrespiratória, por exemplo. O ideal é que seja programada. “Com intubação, você evita o óbito”, explica Cícero.
Risco x benefício
O processo de intubação em si não provoca riscos, afirma Cícero. O único problema, segundo o anestesiologista, é quando não se consegue intubar. “Tem pacientes que têm alterações anatômicas e que a gente não consegue visualizar a fenda glótica, que é por onde avança com o tubo para intubar. É uma situação crítica, grave, mas tem outras formas. O anestesiologista é treinado para lidar, manejar”, argumenta.
Para o especialista, o principal benefício da intubação é o conforto proporcionado ao paciente. “Insuficiência respiratória aguda é muito desconfortável para o paciente que está ali cansado, sem conseguir respirar”. Com a oferta constante de oxigênio, evitando desgastar ainda mais a musculatura, os pulmões podem se recuperar melhor para voltarem a funcionar sozinhos.
Cícero reforça que a intubação é uma indicação e que o ideal é que ela seja planejada. “Durante o evento [parada cardiorrespiratória], a intubação se torna mais difícil”, alega o anestesiologista. Principalmente porque, para intubar da melhor forma, é preciso que o paciente esteja tranquilo, relaxado, o que dificilmente acontece durante uma parada. “A angústia respiratória é uma das piores sensações”, define.
Desintubado no dia do aniversário
O radialista Alex Montenegro, 58, se entende como alguém agitado, que tem “pressa de fazer as coisas”, “resolver tudo”. Por isso, ele se surpreendeu com a própria postura durante o internamento para tratar a Covid-19, em outubro do ano passado. “Eu tava muito tranquilo. Em nenhum momento me apavorei. O médico disse que isso foi fundamental pro meu processo. A tranquilidade. Mas, quando ele disse que ia me intubar…”.
Alex passou 15 dias intubado no São José e, durante o processo, teve dois Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs). Ele foi desintubado no dia do próprio aniversário, em 2 de novembro. “Eu sou tão ruim que nasci no Dia de Finados [feriado] pra fazer raiva à morte”, conta, brincando. Quando despertou, lembra que se viu confuso: “Eu não sabia onde tava, por que tava ali, se era noite, tarde, perdi a noção do tempo. Achava que tava em Cascavel”.
Devido ao longo tempo em intubação e aos AVCs, após a internação, Alex precisou de uma série de sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia para recuperar os movimentos e a fala. “Eu não completava nenhuma frase, travava a língua. E, como eu trabalho com rádio, [a fala] é minha ferramenta de trabalho”, comentou.
Flávia também teve dificuldade para retomar a própria fala, mas diz que um dos maiores desconfortos foi deglutir. “Tive de aprender a beber água, a me alimentar novamente”, diz. Além disso, devido à perda de massa muscular, precisou fazer exercícios físicos. “Hoje, tô conseguindo trabalhar normal, não fiquei com sequela. Dirijo, trabalho normal. A sequela que eu tenho é um pouquinho de dormência e dor nas pernas, ao final do dia”, compartilha.
Deglutição e comunicação
Segundo a fonoaudióloga Januária Lopes de Melo, a intubação pode levar a um comprometimento das estruturas que envolvem a deglutição e a comunicação, como língua, bochecha, laringe, prega vocal e outras. Comprometimento que pode ser neurológico ou mecânico. O que vai definir é a avaliação feita pelo profissional logo após a desintubação.
Geralmente, as consequências são provocadas pela falta de mobilidade das articulações. “O paciente fica comprometido a nível muscular. Aí, a partir disso, tem que começar um processo de reabilitação para que possa voltar a deglutir. Nem sempre a gente consegue. Tem um limite terapêutico”, alerta a profissional.
O tempo de reabilitação, segundo ela, varia conforme idade, tempo de intubação, gravidade da infecção e condições anteriores à internação. “Normalmente, quando é leve, de um a dois meses consegue reabilitar. O paciente mais grave leva um tempo maior”, comenta Januária.
Independentemente da gravidade, a médica ressalta a importância do acompanhamento terapêutico no pós-intubação. “A gente evita desnutrição, desidratação” e até mesmo broncoaspirações que podem prejudicar a recuperação plena do sistema respiratório, o mais afetado pelo vírus.