Saiba o que é o 'kit intubação', qual a importância no tratamento da Covid e o que ocorre se faltar
Kit é essencial para uso durante e após o procedimento de intubação dos pacientes mais graves. Queda no estoque dos medicamentos que o compõem já acende alerta no Ceará
Com o aumento do número de casos confirmados de Covid-19 e, consequentemente, do grande volume de pacientes internados nas unidades hospitalares, alguns municípios cearenses já entraram em estado de alerta devido à queda nos estoques do chamado “kit intubação”.
Conforme o Diário do Nordeste publicou nessa segunda-feira (22), vários municípios do Interior já começaram a registrar falta dos insumos e o que têm é suficiente para apenas mais cerca de duas semanas.
Mas o que é o “kit intubação”? Qual a importância dele para o tratamento da Covid-19 e o que de fato ocorre, se ele vier a faltar?
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Segundo especialistas consultados pela reportagem, o "kit intubação" é um termo informal, popularizado durante a pandemia para se referir ao conjunto de medicações essenciais à realização da intubação orotraqueal.
E também no pós-procedimento, pois o paciente necessita desses mesmos medicamentos para permanecer em sedação contínua, também chamada popularmente de coma induzido.
Três classes de medicamentos
O "kit intubação" é basicamente composto por três classes de medicamentos: os analgésicos, os hipnóticos e os bloqueadores neuromusculares.
Embora o número de medicamentos que o compõe seja variável - a depender do quadro clínico de cada paciente -, o mesmo tem como premissa básica a existência de medicamentos das três classes acima mencionadas, que devem ser administrados conjuntamente.
“A gente une essas três substâncias”, confirma o médico interventor do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) Ceará, Francisco Mendonça Júnior.
Os medicamentos, reforça ele, são “essenciais” durante a intubação, considerada um procedimento salvador de vidas. “O analgésico é para dor, o hipnótico é para manter aquele paciente sedado e o bloqueador neuromuscular seria para fazer com que ele não tenha nenhum tipo de resposta, como o próprio nome diz, muscular”, resume.
Kit é “vital” para tratamento da Covid
Ele lembra que, sem os medicamentos, é impossível colocar o tubo que permite a passagem de ar do ventilador mecânico para a traqueia do paciente, que deve estar sedado, ou ainda mantê-lo em coma induzido por todo o tempo em que estiver com o dispositivo. Portanto, o kit é “vital” no tratamento de pacientes mais graves com Covid-19.
Dentre os medicamentos mais comuns do kit intubação, estão o analgésico Fentanil, os hipnóticos Etomidato, Cetamina, Propofol e Midazolam, além dos bloqueadores neuromusculares Succinilcolina, Atracúrio, Cisatracurio, Pancurônio e Rocurônio.
Sem as medicações, existe um "alto risco" de que pacientes mais graves e que dependem da realização do procedimento morram, acrescenta Mendonça Júnior. "[Essas] pessoas dependem do acoplamento respiratório mecânico e sem essas medicações, elas não vão continuar acopladas porque vão acordar. E acordando, é preciso tirar o tubo porque elas já não conseguem se manter com ele".
Falta de medicamentos preocupa
O médico afirma já ter presenciado a falta de insumos do kit em um hospital em Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). E existe um "alto risco de que isso aconteça em vários locais", alerta, garantindo que, hoje, não há nada que venha a substituir esses medicamentos com segurança. Há somente alguns medicamentos paliativos.
Médico emergencista, Khalil Feitosa ressalta que o "kit intubação" é imprescindível não apenas para tratamento da Covid-19, como também para todo paciente que precisa de assistência ventilatória mecânica.
"O fato de ficar sob assistência ventilatória mecânica é um procedimento doloroso e que precisa de analgésicos potentes e de sedativos que são importantes não só em facilitar o procedimento, mas também de poder amnésico. O paciente quando acorda não lembra do tempo em que esteve intubado".
De acordo com ele, o "grande problema" gerado por uma eventual falta dos medicamentos é "não conseguir fazer a assistência ventilatória adequada desses pacientes. Isso pode dificultar bastante a nossa terapia. Pode ser fatal e danoso para o paciente".
'Dificuldades tremendas'
Médico da linha de frente contra a Covid-19 e doutor em Saúde Coletiva, Bruno Benevides explica que a intubação é um procedimento invasivo. Por isso, o paciente precisa estar devidamente sedado para não atrapalhar. Do contrário, o procedimento pode não ser bem-sucedido. "O paciente pode terminar precisando de outro tipo de intervenção mais invasiva ainda".
Benevides diz que o estoque de medicamentos do kit deveria ter sido reforçado, mas o Governo não se preparou para uma segunda onda da pandemia "tão catastrófica como essa". "Estamos numa situação que vai ter que importar, trazer de fora porque o estoque do País não está dando conta".
Segundo o médico, os profissionais da linha de frente já enfrentam "dificuldades tremendas" no tratamento da Covid. E só de imaginar não conseguir intubar um paciente por falta de medicação "chega a ser cruel. É bastante penoso não somente para o paciente, como para toda a equipe [de profissionais da Saúde]".