Projeto reuniu 1.200 cartas, entre os anos 2000 e 2014; o 'teletransporte' ocorreu no último sábado (4)
Os sonhos da adolescência voltaram numa carta, com recortes, fotografias e outros pedaços de um tempo em que tudo parecia ser possível. Após duas décadas, 500 de 1.200 missivasguardadas pelo professor Antero Macedo, 65, numa cápsula feita de caixas de isopor, foram entregues no último sábado (4), em Fortaleza.
O projeto ocorreu entre 2000 e 2014, com os estudantes escrevendo desejos e ideias. Dentre as cartas, está a da produtora e fotógrafa Lorena Brunet, hoje com 25 anos.
Ela reencontrou uma lista de filmes a serem vistos — que agora tenta atualizar —, colagens com sua foto e a boneca "Bratz" e um pôster dos "Rebeldes". Dos cinco sonhos listados aos 13 anos, afirmou, dois viraram realidade: ter um irmão e ser feliz
Já a casa que ela idealizava comprar sempre que passava pela avenida Rui Barbosa virou estacionamento. Não deu tempo. Também não se tornou a "médica famosa" que havia projetado, mas a carta mostra que, na verdade, havia outras habilidades a serem exploradas.
“Hoje, trabalho com parte criativa. Ao rever tudo, percebi o quanto já era criativa. Coloquei de tudo lá dentro: desde pedaços de coisas que usava na época, embalagens de perfume e caixinha de um lanche do colégio”, riu-se.
“Eu tinha medo de decepcionar a Lorena de antes. No entanto, percebi o quanto sou parecida com aquela menina, mas com muitas outras experiências e maturidade. Por mais que os sonhos não batam, fiquei orgulhosa pelo que me tornei”, avaliou.
Projeto
Professor de História e Geografia, Antero Macedo batizou o projeto pedagógico de “Máquina do tempo”. Ele o desenvolveu em quatro escolas:
Colégio Arminda de Araújo
Colégio Christus
Colégio Joviniano Barreto
Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Paulo Ayrton de Araújo
Antero lembra que viu um professor universitário fazendo o projeto e decidiu reproduzi-lo.
“Como eu não gosto de ficar na ‘caixinha’, busquei trazer meus alunos para a sala de aula de outra forma”, explicou.
Na época, os estudantes tinham entre 13 e 16 anos. “Eu chegava na sala de aula e perguntava se eles acreditavam na viagem da máquina do tempo. Começava, então, o debate", relembrou.
"Depois, eu falava: 'e se eu dissesse que posso levar vocês para viajarem nela?' Aí eles se encantavam, eu explicava e fazia a proposta para eles escreverem sobre seus sonhos, que eu entregaria a carta anos depois”, completou.
Após pouco mais de duas décadas, com a ajuda do Colégio Joviniano Barreto, a entrega ocorreu no último sábado, na praça de alimentação de um shopping, cumprindo todos os protocolos sanitários.
O evento estava previsto para 2020, mas foi adiado em razão da pandemia de Covid-19.
Novas entregas
Ao longo dessas décadas, foram guardados cerca de 1.200 envelopes. Destes, 500 foram entregues no último sábado e 200 foram perdidos durante uma mudança e danificados. Ainda há, aproximadamente, 500 a serem entregues.
"Eu colocava as cartas em sacos plásticos, uma pasta também de plástico e uma caixa de isopor, mas, infelizmente, tive perdas em uma mudança e algumas molharam. Calculo ter perdido umas 200 cartas dos meus meninos e meninas", relembra.
O professor pretende organizar novos encontros para entrega das demais até o fim julho de 2022. Depois disso, afirmou, queimará as cartas para que não parem nas mãos de outras pessoas. A divulgação ocorrerá através das redes sociais e grupos de ex-alunos, no aplicativo WhatsApp.
Instituições devem dar continuidade ao projeto
A "Máquina do tempo" seguiu de forma intercalada até 2014. Atualmente, não é mais realizada somente pelo professor. Algumas escolas em que ele atua devem adotá-la, mas as cartas ficarão sob os cuidados das próprias instituições.
Ao longo dos anos, os alunos começaram a entregar missivas fora do projeto e pedir pela continuidade dele.
“Eles me procuraram para participar. Aí criei uma pasta chamada 'cartas avulsas', que guardava aquelas que não tinham sido feitas em sala de aula”, disse o professor.
Os anos de prática foram:
2000
2001
2004
2005
2012
2013
2014
O reencontro com o passado
O professor conta que o projeto trouxe, também, um reencontro entre alunos e familiares.
"Os alunos podiam colocar, na máquina do tempo, cartas dos pais e familiares. Houve pais e avós que faleceram. Teve uma aluna que perdeu o pai para a Covid-19, no ano passado, e havia colocado a foto dele", lamentou.
“Infelizmente, ocorreram coisas tristes nesse tempo, mas a ação foi muito gratificante. Também teve muita alegria, gente que não se via há muito tempo e estava lá marcando novos encontros", observou.
Para Lorena, citada no início desta reportagem, o projeto é "uma experiência que todos deveriam vivenciar".
"Na época, eu achava incrível, mas que não tinha chance de dar certo. Ficava pensando que não ia conseguir encontrar as pessoas, mas a tecnologia foi aprimorando e foi possível", relembrou. "Foi muito emocionante, também, rever o professor Antero, que foi muito importante para mim', completa.
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