Além do abastecimento, entenda por que quadra chuvosa abaixo da média pode reduzir tamanho de praias

Dinâmica costeira é influenciada pela quantidade de areia disponível no ambiente

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Areias e sedimentos arrastados do continente pelas chuvas são fontes importantes para o abastecimento do litoral
Foto: Fabiane de Paula

O prognóstico da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) indica que a quadra chuvosa deste ano, no Ceará, tem maior probabilidade de ficar abaixo da média histórica. Além de inspirar cuidados com o abastecimento hídrico da população, indústria e agricultura, a situação pode reverberar também no litoral caso se concretize, diminuindo o tamanho das praias.

É o que explica Davis de Paula, doutor em Ciências do Mar, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e membro do Programa Cientista-Chefe da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema), em entrevista ao Diário do Nordeste. Segundo ele, o baixo nível de precipitações pode comprometer a reserva de areia disponível para abastecer a orla.

“Se eu tenho um baixo nível de precipitações, isso pode acarretar na diminuição do abastecimento sedimentar dos nossos rios. Boa parte da areia que abastece nossas praias vem de dentro do continente, e só consegue acessar a zona costeira quando temos período de chuvas, quando todo esse material é carreado para o oceano”, informa.

Com uma disposição menor de areias, pode ocorrer uma diminuição da largura das praias - tanto na prática quanto na percepção dos frequentadores. “Se nossas praias encurtam, você tem uma sensação de que o mar está avançando porque você perdeu seu primeiro nível de proteção do continente”, garante.

Outra forma de proteção também vem sendo ameaçada pela ocupação desordenada do litoral: as dunas. Não necessariamente as de grande porte, mas aquelas não tão altas, que medem de 3 a 5 metros.

Geralmente, elas são incorporadas à malha urbana quando se constrói na frente-mar. Você acaba eliminando uma fonte verde de proteção costeira, e tempos depois vai precisar colocar outra proteção na frente da sua propriedade. Isso pode ser minimizado se tiver um projeto de ordenamento territorial sustentável, que respeite esse avanço e recuo do nível do mar. Isso é normal, mas nos últimos 50 anos, só tem avançado.
Davis de Paula
Cientista e professor da Uece

Gestão de areias

Um relatório do Programa Cientista-Chefe Erosão Costeira reitera que “a transferência de sedimentos do continente para as zonas estuarinas desempenha importante papel na dinâmica costeira”. “No Ceará, esse fluxo é altamente impactado pelo barramento de rios para a implantação de reservatórios: o estado possui 155 reservatórios estratégicos de médio a grande porte monitorados pela Companhia de Gestão de Recursos Hídricos”, descreve.

Gerir a quantidade de areia na orla é um desafio. Na Holanda, Davis exemplifica, está em curso o projeto Sand Motor (motor de areia), um grande banco artificial de areia colocado dentro do mar para servir como fonte do material. “As ondas vão paulatinamente destruindo esse aterro, e o material erodido vai abastecendo as praias seguintes. Assim, eu recoloco no meu sistema o que faltava: areia”. 

Essa experiência internacional pode inclusive servir de base para discutir o caso de Icapuí, sugere ele. “Precisamos pensar na gestão de areia porque Icapuí não tem uma fonte fluvial próxima que traga areia para suas praias, e investir na gestão costeira com as bacias hidrográficas. Só assim vamos compreender o mecanismo que vem transformando nossas praias”, finaliza.

Impactos em todo o Estado

A Funceme indicou que há 15% de probabilidade de chuvas acima da média e 40% de chance de os três primeiros meses da quadra chuvosa terminarem com acumulado em torno da média. A quadra chuvosa no Estado segue até maio, mas o prognóstico para o restante do período só deve ser divulgado no próximo mês.

O cenário tem como um dos principais fatores a ocorrência do El Niño, fenômeno climático que já atinge o 4º pior nível desde 1957. Em anos com ocorrência dele, as chuvas no Ceará ficaram até 54% abaixo da média

Ao ser questionado sobre quais pontos do Estado exigem mais atenção e políticas para mitigar os efeitos da seca, o presidente da Funceme, Eduardo Sávio, declarou que “quando temos um cenário de El Niño tão característico como esse, a expectativa é que o impacto seja no Ceará todo”.

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