Entregador é chamado de lixo e sofre racismo de cliente no interior de São Paulo
Dentre os comentários ofensivos, Mateus Abreu se referiu a Matheus Pires, o entregador de aplicativo, como 'semianalfabeto' e disse que o mesmo tinha inveja da sua pele branca
Quando Matheus Pires Barbosa, 19, falou para os outros colegas entregadores do IFood o endereço da próxima entrega que faria, em um condomínio de Valinhos (SP), no dia 31 de julho, ouviu: "Boa sorte".
O cliente que receberia o pedido era conhecido por alguns deles por exigir que caminhassem até a porta da casa com a entrega, enquanto a maioria das pessoas costumava esperar junto ao portão da residência. Matheus resolveu então comentar com o cliente, em tom de brincadeira, a impressão que ele havia deixado em outros entregadores.
O vídeo da discussão aberta entre os dois a partir disso viralizou nas redes sociais nesta sexta-feira (7) e levou o entregador a registrar um boletim de ocorrência contra o homem.
No documento policial, Pires diz que o homem, que se chama Mateus Abreu Almeida Prado Couto, se exaltou com os comentários e começou a ofendê-lo, dizendo coisas como: "preto, favelado, pobre, olha seu tênis furado".
Prado Couto confirmou, durante o depoimento que prestou às autoridades, o uso das palavras, mas diz que não fez nenhuma ofensa com relação a cor do entregador - o registro da ocorrência, no entanto, afirma que ele voltou a repeti-las diante dos policiais.
A discussão começou, segundo ele, porque o entregador afirmou que ele seria mal falado entre os motoboys. Ele diz ainda que o entregador teria investido contra ele.
No vídeo de um minuto e meio, o cliente declara: "Aqui não vai acontecer nada, com você lá para a frente, não sei, morou? Você sabe o que vai acontecer no futuro? Desempregado... Você trabalha de motoboy, filho".
Ele chama o entregador de lixo, semianalfabeto, diz que ele tem inveja das famílias que vivem no condomínio e aponta para o próprio braço, dizendo que Matheus teria inveja também da sua pele branca.
O entregador questiona o que tem a ver sua profissão e oferece seu telefone para que o homem veja no aplicativo quanto ele recebe com seu trabalho.
"Eu tenho uma vida fora daqui", diz Matheus. "Eu posso ter a mesma coisa que o senhor. O senhor conseguiu por quê? Por que o seu pai te deu ou por que você trabalhou?".
Outro homem que também aparece nas imagens pergunta porque eles vão seguir a discussão e Matheus responde que está esperando a viatura que acionou, para que o homem não voltasse a fazer aquilo com outras pessoas.
O vídeo foi publicado nas redes sociais pela mãe de Matheus, Maria Pires, 43. Criada por uma mulher negra, ela diz que o filho, que teve o nome retirado da Bíblia, nunca tinha passado por isso.
"Não é por dinheiro, não é por nada. É por justiça. Isso tem que parar de acontecer, porque é todo dia um caso assim", afirmou à reportagem.
"Para mim é a pior coisa do mundo ver meu filho passar por uma situação daquelas, porque a maneira que eu criei meu filho e fui criada, eu aprendi a ter respeito pelo ser humano, não importa classe social ou cor da pele".
Em nota, o IFood diz que, baseado nos termos do aplicativo, descadastrou o agressor como usuário e que irá oferecer apoio jurídico e psicológico a Matheus.
A plataforma também diz que recomenda que haja registro de boletim de ocorrência em casos como este e que se faça contato com a empresa enviando uma cópia.
"Racismo é crime. O IFood condena qualquer forma de preconceito ou discriminação e por isso presta solidariedade e apoio ao entregador Matheus, vítima do crime racial praticado por um consumidor", diz o texto.
Até a publicação, a reportagem não conseguiu contato com Mateus Abreu Prado Couto.