Esporotricose: veja como prevenir e tratar a doença transmitida em sua maioria por gatos

A infecção pode acometer humanos e se caracteriza primordialmente por lesões na pele

Escrito por Redação ,
A esporotricose também é conhecida como micose
Legenda: A esporotricose é uma doença fúngica que acomete a pele e o tecido subcutâneo, popularmente uma micose de pele
Foto: Freepik

Micose que há cerca de vinte anos era costumeiramente conhecida por acometer os intitulados “trabalhadores da terra”, como agricultores, jardineiros e coveiros, a esporotricose tem se disseminado no Brasil para outros ambientes por meio, em sua maioria, dos felinos e recebido o alerta e a preocupação da população em geral e da comunidade especializada.

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O que é esporotricose

É uma doença fúngica que acomete a pele e o tecido subcutâneo, popularmente uma micose de pele. “O principal tipo é chamado de “esporotricose cutânea”, justamente quando as lesões se restringem à pele, mas pode haver outros tipos clínicos da doença, à medida que ela ganha espaço no organismo do indivíduo”, descreve o médico veterinário Pedro Cunha.   

São eles: esporotricose extra cutânea, quando há acometimento de qualquer outro tecido além da pele, como mucosas da cavidade oral, ossos e músculos. Também existe a esporotricose disseminada, a qual ocorre quando múltiplos tecidos diferentes estão infectados pelo fungo, como pulmão e órgãos viscerais.

Curiosamente, a esporotricose também é chamada como “doença dos jardineiros”, porque os primeiros casos diagnosticados nos Estados Unidos, no fim do século 19, acometeram plantadores de rosas. O fungo ocorre naturalmente no solo e sobre a superfície de plantas como a roseira.

No caso dos EUA, os pacientes ficaram infectados ao se arranharem em seus espinhos. Já no Brasil, o primeiro diagnóstico de esporotricose animal ocorreu em 1907, entre ratos naturalmente infectados nos esgotos da cidade de São Paulo. Os primeiros casos em felinos surgiram nos anos 1950.

Transmissão

Ocorre quando há contato direto do indivíduo com o fungo, havendo implementação do microrganismo no tecido cutâneo daquele indivíduo, segundo Pedro Cunha. “Assim as principais vias de transmissão são: traumas e acidentes com espinhos, plantas e madeiras contaminadas; manipulação de vegetais em decomposição; arranhaduras e acidentes com animais contaminados, sendo o gato o principal transmissor devido à facilidade do fungo em infectar felinos”, explica.

De acordo com o doutor Francisco Atualpa Soares Júnior, a doença pode ser transmitida dos gatos para pessoas, cães e outros animais. “Em humanos e cachorros, as lesões não costumam ser tão severas como nos gatos, mas o tratamento é caro e demorado.  A esporotricose se concentra em animais de rua ou de comunidades de renda mais baixa, o que dificulta o tratamento por conta do alto custo”, salienta.

Sintomas

Costumam começar com lesões profundas na pele, podendo evoluir para nódulos e secreções. “Se não for tratada, a micose pode evoluir para uma doença que entra na corrente sanguínea do animal. Pode ser apenas algo dermatológico, mas pode se aprofundar e, em casos não-comuns, levar à morte do bicho”, explica o presidente do CRMV-CE.

Os humanos também podem ser contaminados. Neles, a região mais comum para o aparecimento de lesões é a cabeça. O fungo presente nas feridas destrói progressivamente a epiderme, a derme, o colágeno, os músculos e até ossos. “Além disso, o fungo pode acometer os órgãos internos, agravando o quadro clínico”, detalha o veterinário Pedro Cunha.

Outros sinais

  • Surgimento de lesões ulceradas com pus;
  • Feridas e caroços que crescem ao longo das semanas;
  • Tosse;
  • Dor ao respirar;
  • Febre;
  • Falta de ar.

Tratamento em gatos

É fundamental que o felino infectado seja acompanhado de perto por um médico veterinário, salienta Pedro Cunha. “Os tratamentos, em sua maioria, envolvem longos períodos de antifúngicos orais, sendo o Itraconazol o principal antifúngico utilizado. Devido ao longo período de medicação antifúngica oral, é indicado que as funções de órgãos como fígado e rim sejam periodicamente verificadas com exames de sangue”, adiciona.

Por conta que cuidar significa persistir no tratamento, o presidente da CRMV-CE fala, ainda, que muitos donos de animais desistem quando percebem os sintomas diminuindo. “Isso é bastante prejudicial. É preciso haver conscientização para se fazer o tratamento completo”, defende.

Tratamento em humanos

Deve ser realizado sob acompanhamento médico, quando normalmente são utilizadas soluções fungicidas de uso tópico para a pele e antifúngicos sistêmicos de uso oral. “A duração do tratamento e elaboração do protocolo devem ser estabelecidos, de preferência, por um médico infectologista e levará em consideração a extensão da doença no paciente”, descreve Pedro Cunha.

Como prevenir

A principal medida é evitar contato com o fungo. Isso pode ser realizado, segundo Cunha, com o uso de equipamentos de proteção individual, como luvas e mangas longas, para manipulação de matéria orgânica, plantas e vegetações. Outra medida, ainda de acordo com o profissional, é encaminhar de forma rápida animais com lesões suspeitas a atendimento veterinário, em especial os felinos que são a espécie mais acometida pelo fungo.

Esporotricose em crianças, idosos e indivíduos com enfermidades crônicas

Tais grupos possuem uma imunidade deficiente, sendo mais suscetíveis a desenvolverem formas mais graves da doença, relata o doutor Francisco Atualpa. “As crianças, em especial, possuem o comportamento de curiosidade e são bem ativas, trazendo uma maior probabilidade de acidente com lascas de madeiras e animais. Por conta disso é necessário maior atenção e cuidado com elas, principalmente as que vivem em regiões rurais”, frisa Pedro Cunha.

Incidência

A incidência da doença vem chamando a atenção dos pesquisadores do assunto devido ao aumento significativo de casos registrados no Brasil. De acordo com nota técnica divulgada pelo Ministério da Saúde no primeiro semestre de 2023, cerca de 90% dos casos de esporotricose em humanos e animais têm relação com a espécie típica do Brasil. Os felinos são os principais hospedeiros e vetores do fungo para as pessoas.

Entretanto, não é possível saber com exatidão a quantidade de infectados em território nacional, já que a esporotricose não é uma doença de notificação compulsória (quando confirmada, o profissional que diagnosticou precisa avisar à Secretaria de Saúde do município, que envia os dados ao Ministério da Saúde). De acordo com o doutor Francisco Atualpa Soares Júnior*, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Ceará (CRMV-CE), este é o caso do Ceará, no qual não existe a obrigatoriedade de notificação.

“Isto dificulta a conscientização para campanhas de alerta à sociedade local. Mesmo assim, fizemos uma divulgação sobre a micose ano passado (no mês de maio), quando houve a notificação do primeiro caso em nosso Estado. Apesar da falta de registro estadual, sempre em conversa com profissionais da área vemos que os contaminados vêm aumentando”, relata.

Ceará

O médico veterinário Pedro Cunha** é um dos que afirma presenciar o crescimento do número de esporotricose no Ceará e defende, ainda, que os recentes relatos da doença no Estado trazem novos desafios aos serviços de medicina humana e veterinária. “Até pouco tempo era senso comum, entre os profissionais, a inexistência da esporotricose em nosso território e hoje nos deparamos com a real possibilidade dessa infecção nos diferentes pacientes”, explana.

Ele, inclusive, compartilha que, em 20 de maio deste ano, houve um laudo positivo de esporotricose para um felino em Fortaleza, no laboratório de diagnósticos em que é diretor-técnico. “Este animal nunca saiu da capital e não teve contato com bichos de outros estados. Isso significa que a suposta infecção ocorreu de forma natural dentro da localidade de Fortaleza. Na epidemiologia chamamos isso de ‘infecção autóctone’. Isso reforça a existência do microrganismo na cidade e no estado do Ceará”. 

O aumento dos casos ocorre concomitantemente ao crescimento da presença dos gatos tanto em espaços públicos quanto nos lares. “Por terem um comportamento naturalmente mais aventureiro, de gostar de cavar a terra, brigar por território ou por uma fêmea no cio, por exemplo, eles (os gatos) podem adquirir feridas e, estas, em contato com a terra contaminada, desenvolvem a esporotricose”, analisa o doutor Francisco Atualpa.

O ideal, de acordo com o presidente do CRMV-CE, é levar os animais ao veterinário ao surgirem os primeiros sintomas. Antes disso, porém, pensando em prevenção, os donos de felinos precisam compreender a importância da castração e de limitar por onde os bichos devem andar. “Não se trata de tolhê-los, mas de evitar que saiam indiscriminadamente nas ruas, tendo contato com outros animais ou com terras já infectadas”, acrescenta.

Também é preciso atenção para o aumento de abandono dos bichos, quando seus cuidadores desistem de fazer o tratamento adequado para a micose. “É necessário informar que os felinos, assim como os humanos, são uma vítima da doença de modo que o abandono de gatos com suspeita de esporotricose, além de ser tipificado como crime de maus tratos, é uma atitude que só irá colaborar para disseminação do fungo no ambiente. Felinos suspeitos devem ser levados a um serviço médico veterinário”, defende Pedro Cunha.  

*Francisco Atualpa Soares Júnior possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual do Ceará (2003) e mestrado em Ciências Veterinárias pela Universidade Estadual do Ceará (2005). Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Pública, tendo trabalhado por oito anos com controle de endemias e zoonoses em Municípios Cearenses. Coordenou o Programa Estadual de Controle de Malária no NUVET-CE entre 2014 e 2015. Atualmente é Responsável Técnico pelo Diagnóstico da Raiva no LACEN-CE, Gerente da Célula de Vigilância Ambiental - CEVAM - do Município de Fortaleza-CE e Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Ceará (CRMV-CE).

**Pedro Cunha é Médico Veterinário, Mestre em Ciências Veterinárias pela Universidade Estadual do Ceará. Diretor técnico e científico do laboratório de análises clínicas veterinárias PARAPETI LAB.  Atuante dentro das áreas de Medicina de diagnóstico e Oncologia Veterinária. 

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