Seis PMs já viraram réus na Justiça Estadual por ligação com motim

Militares respondem a práticas criminosas como incitamento, atentado contra viatura e apologia de fato criminoso. Defesas negam os crimes. Cerca de 300 policiais seguem sob investigação e também podem ser denunciados

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Legenda: Policiais serão julgados por causa de motim no Ceará
Foto: José Leomar

Em pouco mais de três meses, seis policiais militares denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por envolvimento com o motim ocorrido em fevereiro deste ano já viraram réus na Justiça Estadual. Conforme as acusações, cinco deles participaram diretamente dos atos e o outro incitou o movimento através de publicações nas redes sociais. Cerca de 300 PMs permanecem sob investigação pelas mesmas práticas.

O cabo da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e ex-deputado federal Flávio Alves Sabino, conhecido como Cabo Sabino, virou réu pelos crimes de incitamento, aliciamento para motim ou revolta, motim, revolta, omissão de lealdade militar, publicação ou crítica indevida e inobservância de lei, regulamento ou instrução - todos previstos no Código Penal Militar (CPM). Somadas as penas, ele pode ser condenado a até 42 anos de prisão.

A denúncia elaborada pela Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar foi aceita pela Auditoria Militar da Justiça Estadual, no dia 16 de março deste ano. Segundo o documento, Cabo Sabino foi o principal "cabeça" do movimento e, já no dia 13 de fevereiro último, através de um vídeo publicado no Facebook, instigou e conclamou os PMs a participarem da paralisação.

"Quem quer parar a tropa não chama para a Assembleia, porque Polícia não para no meio da rua, Polícia para em quartel", teria dito o militar reformado, no vídeo.

No dia do início do motim, 18 de fevereiro, Cabo Sabino e mulheres que se intitulavam "esposas de militares" se dirigiram para o 18º Batalhão de Polícia Militar (Antônio Bezerra), onde fecharam a entrada do prédio e iniciaram uma manifestação, com adesão dos PMs, de acordo com o MPCE. Viaturas e motocicletas policiais começaram a ter os pneus esvaziados, para não circularem. O movimento, então, se espalhara por pelo menos 13 batalhões da Capital e do interior.

"É inconteste o papel do denunciado de líder maior da revolta dos militares. Estava ali para tentar convolar (mudar) a 'atuação em prol dos militares' em capital político, deixando tudo isto ainda mais nítido quando por recorrentes vezes, subia em piso elevado em relação aos demais presentes e, empunhando um microfone, dava as orientações para os amotinados e ainda emitia comentários e convites aos que não tinham aderido aos motins, para que abandonassem o serviço e fossem se juntar àqueles militares criminosos", concluiu o promotor de Justiça Sebastião Brasilino de Freitas Filho.

Em entrevista, Cabo Sabino refutou o termo "motim" e alegou que houve um "movimento paredista", no qual, defende, ele não cometeu crimes. "Quando eu cheguei, a paralisação já tinha acontecido, as esposas dos policiais já haviam fechado o quartel, vários policiais já estavam lá. Eu entrei mais como um mediador, até porque participei de um movimento em 2011, 2012, sou presidente da Associação dos Militares do Estado do Ceará, fui deputado federal. A própria categoria exigia a presença de lideranças", defendeu.

"O Ministério Público quer achar um culpado. Estão dentro da função institucional deles. Assim como nós temos direito à ampla defesa e ao contraditório e vamos comprovar que nós não temos culpa", argumentou. Cabo Sabino teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho no dia 20 de fevereiro, mas não foi localizado. No dia 5 de março, após o fim do motim, o mesmo magistrado revogou a prisão, mas proibiu o policial de acessar qualquer unidade militar por seis meses.

Grupo

Aproximadamente 60 policiais militares, que usavam balaclava e estavam amotinados no 18º BPM, no dia 18, cercaram uma viatura policial nas proximidades. Naquele momento, uma composição do Comando de Policiamento de Choque (CPChoque), da Polícia Militar, passou pelo local e prendeu três suspeitos em flagrante: os soldados Francier Sampaio de Freitas, Jardeson Feitosa Tabosa e José Carlos Soares de Morais Júnior (dois deles armados). Na ação policial, ainda foi apreendida uma mochila com a identidade funcional e a arma do cabo David Gonzaga Formiga.

O MPCE denunciou o cabo David Formiga pelos crimes militares de motim, omissão de lealdade militar, atentado contra viatura ou outro meio de transporte e condescendência criminosa. Os outros PMs foram acusados apenas por motim e atentado contra viatura ou outro meio de transporte. A Auditoria Militar aceitou a denúncia e o grupo virou réu, no dia 26 de fevereiro deste ano.

O advogado Roberto Queiroz, que representa a defesa dos soldados Francier de Freitas e José Carlos, afirmou que os policiais estão muito tranquilos e conscientes de sua inocência. "Ambos possuem uma carreira imaculada e, tendo como pressuposto as prisões arbitrárias e procedimentos eivados de ilegalidades e contradições realizados durante o período de paralisação dos policiais militares, estão ainda mais seguros e dispostos a comprovar sua inocência", afirmou o advogado. As defesas dos outros dois policiais não foram localizadas.

Internet

Já o soldado Márcio Wescley Oliveira dos Santos foi acusado pela Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar pelo crime de apologia de fato criminoso ou do seu autor. A Auditoria Militar aceitou a denúncia e ele virou réu, em 27 de fevereiro último. Segundo a Promotoria, o militar incitou os colegas de farda a realizarem o movimento paredista, através de postagens nas redes sociais, inclusive vídeos em que aparece com a farda da Polícia Militar, entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano. Em uma das publicações, segundo a denúncia, ele critica o governador Camilo Santana e diz que "já era pra (Polícia Militar) ter parado, porém a tropa bem que podia pedir a renúncia dele e aumento (salarial)".

Mesmo após o motim, o soldado teria continuado a publicar mensagens desrespeitosas contra o governador e também direcionadas ao secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, e ao comandante da PMCE, coronel Alexandre Ávila, o que resultou em outro processo criminal, pelos crimes de incitamento, publicação ou crítica indevida e desacato a superior, também previstos no Código Penal Militar.

Neste último caso, o PM teve a prisão domiciliar decretada pela Justiça Estadual, com aplicação de tornozeleira eletrônica e proibição de utilizar aparelhos celulares e computadores e de acessar redes sociais e aplicativos de mensagem, no último dia 2 de junho. A defesa de Márcio Wescley também não foi localizada.

Investigados

Outros 300 policiais militares ligados ao motim seguem sendo investigados, segundo o promotor de Justiça Sebastião Brasilino de Freitas Filho. "É por isso que há o Inquérito Policial Militar, para identificar todos e individualizar a conduta. Todos que participaram, sem exceção, serão denunciados, porque cometeram crimes de ordem gravíssima à luz do Direito Penal Militar. A não ser que passe algum que não foi identificado", afirma o promotor.

Dentre esse total, 199 PMs foram autorizados a voltar ao serviço pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD), no dia 3 de junho último. Eles estavam afastados preventivamente por 120 dias, desde o fim de fevereiro. Apesar da decisão, o grupo continua a responder aos processos administrativo e criminal por atuação no motim.

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