Quase metade das mulheres presas no Ceará responde por tráfico de drogas

Da participação subalterna ao protagonismo: saiba quem são algumas das encarceradas

Escrito por
Emanoela Campelo de Melo emanoela.campelo@svm.com.br
mulher presa
Legenda: Nos últimos anos, um grupo de mulheres assumiu cargos de comando em facções no Ceará.
Foto: Unidade de Arte/DN

O tráfico de drogas é o crime que mais leva mulheres à prisão no Ceará. De acordo com o último Censo Penitenciário do Ceará, divulgado no último dia 23 de agosto, cerca de 50% das mulheres que estão em unidades prisionais, o que equivale a aproximadamente 350 presas, foram parar atrás das grades por envolvimento com entorpecentes.

Os pesquisadores apontam que "o dado revela uma situação séria" já que na maioria dos casos elas aderem ao tráfico junto aos companheiros e, quando eles são capturados, acabam "herdando" dentro do 'mundo do crime' a função de comercializar drogas.

"O encarceramento feminino em razão do tráfico acontece, em algumas situações, por uma participação subalterna da mulher em esquemas de tráfico de drogas, em razão, entre outros aspectos, de relações afetivas com parceiros envolvidos no tráfico de drogas. Isto não significa que não existam participações ativas e papeis de protagonismo. Não obstante, indica que é um fenômeno que merece atenção e melhores informações de cunho qualitativo sobre a participação dessas mulheres nesse tipo de dinâmica criminal", conforme o Censo.

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O sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luís Fábio Paiva, destaca que é preciso observar a dinâmica do crime, principalmente em Fortaleza, onde muitas vezes "a boca de fumo é a casa onde uma família reside".

Luís Fábio pontua que o "varejo das drogas, o tráfico feito com envolvimento de pessoas que residem em uma comunidade conta com a relação íntima e pessoal" e que "existe, de fato, situação na qual a mulher acaba sendo envolvida na condição de subalterna e essa situação precisa ser observada para mensurar efetivamente como esse tipo de aprisionamento acontece na sociedade".

MOTIVOS DAS PRISÕES

Dentre os crimes mais cometidos pelo público feminino estão, em sequência, os Crimes Contra o Patrimônio (29%) e Crimes Contra à Pessoa (18%). Quando considerados ambos os sexos, está no topo do ranking como crime mais prevalente, em 44% dos casos, os Crimes Contra o Patrimônio.

A coordenadora do Censo Penitenciário do Ceará 2023, Ana Karina Pinheiro pontua que "em especial, o tráfico de drogas causa efeitos sistêmicos e repercutem em diversas dimensões das vulnerabilidades, incluindo o aumento da criminalidade, o enfraquecimento das estruturas sociais, o desgaste dos serviços de saúde e segurança, e a sobrecarga do sistema judicial".

"Recomenda-se a realização de diagnósticos interdisciplinares para avaliação dos processos sociais de encarceramento dessas pessoas, com estudos sobre o impacto social do tráfico de drogas em diferentes territórios da capital e do interior do Estado"
Ana Karina Pinheiro

Outros dados que chamam a atenção são o de que quase 25% de toda a população carcerária está presa devido ao crime de homicídio e homicídio qualificado, "isto ilustra que um quarto dessa população efetivamente está envolvida em um crime grave com impacto social importante para toda a sociedade" e que 4% dos presos respondem por organização criminosa, "o que revela uma situação muito importante em relação à população carcerária associada ao fenômeno das facções criminosas no Ceará", segundo os pesquisadores.

O censo indica também que, com 25%, "o crime gerador do maior número de encarceramentos é o roubo simples, ou seja, as situações em que uma pessoa subtrai bens de outra por meio de grave ameaça ou violência".

OUTROS MOTIVOS

  • Prisões por furto: 5,1%
  • Receptação: 4,8%
  • Estupro, estupro de vulnerável e corrupção de menores: 9,1%

"Ao todo, o estudo encontro 836 casos de estupro de vulnerável que, em razão de envolver uma grave violência ainda na infância, merecem um aprofundamento para compreensão da causalidade desse tipo de situação"
Censo Penitenciário do Ceará, edição 2023

PROTAGONISMO NO 'MUNDO DO CRIME'

Nos últimos anos, um grupo de mulheres assumiu cargos de comando em facções no Ceará. Em 2021, o Diário do Nordeste noticiou que uma das movimentações observadas pelas autoridades nos últimos anos, no Ceará, foi o crescimento das mulheres dentro de grupos criminosos interestaduais.

Almerinda Marla Barbosa de Sousa, a Irmã Ruiva'; Valeska Pereira Monteiro, a 'Majestade'; e Angelina Custódio da Silva, a 'Angelina Jolie' passaram a ser nomes conhecidos pelas autoridades e com fichas criminais extensas.

QUEM SÃO ELAS:

  • 'Irmã Ruiva' ocupa a função de conselheira na facção, com atuação no bairro Maraponga e arredores, em Fortaleza, segundo documento da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil do Ceará (PCCE).
  • 'Majestade' tinha papel de 'tesoureira', a principal responsável pela contabilidade financeira da facção carioca no Ceará, respondendo direto ao líder máximo do grupo criminoso no Estado, Max Miliano Machado da Silva. 
  • 'Angelina Jolie', chefe de uma quadrilha em Pacajus e suspeita de torturar e matar uma mulher nesse município.

Uma das prisões mais recentes de mulheres com liderança no tráfico foi a da advogada Maria Érica Damasceno. Em junho deste ano a advogada foi presa, apontada como esposa de traficante e investigada por uma série de crimes no Ceará. 

Conforme a investigação, ela participa da facção Comando Vermelho (CV) e passou a liderar o grupo após o marido ser preso por tráfico de drogas.

"Como ela chegou à liderança, ela determinava quem iria morrer. Ela determinava quem iria morrer, atuava como advogada para os faccionados e também na liderança da organização criminosa", explicou o delegado Marcos Aurélio, sobre a advogada detida. 

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