Ouça interceptações telefônicas que revelaram o esquema entre facção e 'monopólio do jogo do bicho'

As conversas indicam o esquema de tomada de território para só uma empresa ligada ao jogo do bicho atuar

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
maquineta
Legenda: Por ordem dos suspeitos, maquinetas eram recolhidas e fotos divulgadas nos grupos de Whatsapp para confirmar a apreensão
Foto: Reprodução

Interceptações e quebra de sigilos telefônicos autorizados pelo Poder Judiciário foram ponto fundamental para que a Polícia Civil chegasse às identificações dos envolvidos no esquema do 'monopólio do jogo do bicho'. Por 30 dias, divididos em dois períodos, investigadores analisaram conversas entre os suspeitos e se depararam com o passo a passo da negociação. As defesas dos investigados ouvidas pela reportagem negam as acusações.
 
Pelo telefone, os suspeitos tramavam quais bancas poderiam ou não funcionar e quais seriam as consequências aos que descumprissem as regras: "autorização para agir na força". A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso aos diálogos e reproduziu as conversas, em formato de áudio.

VEJA ABAIXO:


 
As conversas indicam o esquema de tomada de território para só uma empresa ligada ao jogo do bicho atuar. A PCCE aponta que, mensalmente, a loteria atrelada à facção carioca repassava, pelo menos, R$ 1 milhão, valor correspondente a 20% do apurado com as apostas.

"O elemento que torna de extrema nocividade social a referida aliança é a elevada fonte de receita pecuniária encontrada pelo Comando Vermelho, a partir da movimentação do jogo do bicho e de atividades de loteria e apostas esportivas, dando em contrapartida para a loteria parceira a hegemonia no mercado"
Draco

Veja também

QUEM SÃO OS ALVOS DA OPERAÇÃO SATURNÁLIA

  • Douglas Honorato Alves - líder da facção carioca no Ceará. Ocupou a posição após a prisão de Max Miliano Machado da Silva. Está foragido, no Rio de Janeiro
     
  • Paulo Roberto Soares Sampaio - já responde por homicídio, associação criminosa, porte de arma de fogo e receptação. Lidava diretamente com Honorato
     
  • Alisson Robério Morais Pereira - Conhecido como 'Mourão' determinava a prática de crimes em nome da facção, a benefício da loteria parceira da facção. Ordenava o fechamento das concorrentes
     
  • Marco Antônio Bastos Gomes - Sócio administrador da loteria, empresário.
     
  • João Victor Feitosa Rodrigues Rebouças - empresário e sócio da loteria.
     
  • Márcio José de Lima Souto - 'Testa de ferro' na loteria, homem de confiança da empresa que lidava diretamente com a facção, sendo usado como meio de blindar os reais. Articulador entre os dois núcleos da aliança
     
  • Leonardo Aragão Bernardo - Advogado no Ceará. Seu nome surge a partir dos prints em conversas com Douglas. Suspeito de se valer da função para levar e trazer recados da facção. Permanece foragido.
     
  • Paulo Laércio Bastos Gomes. Ex-sócio da loteria, desvinculando-se aparentemente após a aliança com a facção, mas as investigações apontam que ele continua exercendo gerência 

 
Conforme relatório da Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco), do primeiro período de interceptação, "muito embora não tenham surgido áudios relevantes para a investigação, percebeu-se através dos dados telemáticos de João Victor Feitosa Rodrigues Rebouças a existência de terminais telefônicos em sua agenda que demonstraram relevância para as investigações".
 

print conversa
Legenda: Trecho das conversa acompanha pela Polícia
Foto: Reprodução

bancas monopolio do jogo do bicho
Legenda: Na conversa, os suspeitos falam sobre fechar bancas
Foto: Reprodução

Tais terminais demonstraram relevância, tendo em vista que vários deles foram observados na agenda telefônica de membros do Comando Vermelho que estavam sendo objeto de investigação na Operação Duellum"

A operação mencionada teve início a partir de desdobramentos da prisão de Francisca Valeska Pereira Monteiro, a Majestade, apontada como a responsável pela contabilidade de toda a organização criminosa carioca. Majestade foi presa em agosto de 2021, em Gramado, Rio Grande do Sul. O desenrolar das investigações em torno dela indicaram um nome importante: João Vitor dos Santos, o 'Adidas'.

Veja também

RELAÇÃO DO 'ADIDAS' COM O  MONOPÓLIO DO JOGO DO BICHO

No segundo período de interceptação, foi possível "comprovar, com exatidão, a existência da prática de atos criminosos, orquestrados pelo Comando Vermelho, no sentido de determinar o fechamento de casas de loterias", segundo a PC. Os investigadores localizaram conversas entre 'Adidas' e Douglas Honorato. Ambos são foragidos da Justiça, provavelmente escondidos no Rio de Janeiro.

A análise das conversas indicou relação entre Márcio José, Douglas e Adidas.

 
De acordo com o titular da Draco, delegado Kléver Farias, Adidas era um dos homens de confiança de Douglas Honorato: "Assim como o Douglas, o Adidas tinha anotações no seu telefone que faziam referência a essa loteria. A gente realmente conseguiu perceber esse vínculo deles com o jogo do bicho, tanto que dois dias antes de deflagrar a Operação Saturnália, nós deflagramos outra operação a pessoas vinculadas a Valeska. Mãe, tio e a esposa do tio foram presos e confirmamos também o vínculo deles com esse esquema do jogo do bicho".

ADVOGADO ENQUANTO SUSPEITO

A análise nos aparelhos telefônicos ainda levou os investigadores a chegarem ao nome de Leonardo Aragão. Leonardo é advogado e supostamente transportou um bilhete com orientações acerca de arrecadação de dinheiro e distribuição de armas.

bilhete
Legenda: O bilhete foi supostamente levado pelo advogado alvo da Operação
Foto: Reprodução

 
Consta no relatório que o advogado tinha papel de se fazer da profissão para ajudar na comunicação entre membros da organização criminosa carioca presos e os que estavam em liberdade. Leonardo ainda teria papel de comunicar quais bancas deviam ser fechadas.
 
"Depois dessa operação a gente até imagina que venham a ter outras fases devido ao tanto de coisa que foi apreendida. Sem dúvidas, costumamos afirmar que quando deflagramos uma operação, na verdade, as investigações estão apenas iniciando", disse Kléver.
 
A defesa de Marco Antônio, João Victor e Paulo Laércio disse que eles  já foram interrogados e prestaram relevantes esclarecimentos à Autoridade Policial, os quais estão sendo aprofundados pela atuação da defesa e "revelarão que as suspeitas que ainda recaem sobre si decorrem de incompreensões e de duelos de narrativas fomentadas por desafetos e concorrentes".

"De todo modo, não obstante o elevado respeito que se nutre pela Polícia Civil e pelo Poder Judiciário, a prisão preventiva estabelecida é absolutamente desnecessária, uma vez que as diligências de busca e apreensão realizadas coletaram os elementos informativos considerados úteis à elucidação dos fatos, além de terem sido bloqueados diversos bens dos investigados. Assim, esperamos que os pedidos de revogação da segregação cautelar dos nossos constituintes, formulados junto ao juízo de primeiro grau e ao Tribunal de Justiça, sejam deferidos, de forma que permaneça absolutamente preservada a continuidade da persecução penal, a qual revelará o total alheamento destes em relação aos supostos crimes apurados", disse a defesa do trio.

A reportagem também contactou a defesa do investigado Márcio José, que disse não querer se posicionar até o momento. Os demais não foram localizados.
 
 
 

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados