Morte da empresária Jamile completa dois anos, e processo está no início com advogado acusado solto
Família da vítima de feminicídio reclama que audiência ainda não foi agendada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE)
Escrito por
Emanoela Campelo de Melo
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emanoela.campelo@svm.com.br
30 de agosto de 2019, às 00h28. O registro da câmera de segurança do elevador de um prédio residencial de luxo no bairro Meireles mostra momento exato quando a empresária Jamile de Oliveira Correia era socorrida pelo namorado e pelo filho adolescente. Ali, já sangrando após ser alvejada a tiros, eram os últimos instantes de vida da mulher de 46 anos que vivia um relacionamento amoroso conturbado.
Dois anos depois, Aldemir Pessoa Júnior, advogado e companheiro da empresária à época, foi denunciado pelo crime. Aldemir nunca foi preso e o caso sequer chegou a fase de instrução no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), ou seja, aguarda marcação das audiências.
Jamile deu entrada no Instituto Doutor José Frota (IJF) como alguém que tentou suicídio, conforme relato do namorado. Passou por cirurgia, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no dia seguinte. O óbito chegou ao conhecimento da Polícia Civil do Ceará (PCCE) que estranhou o caso e passou a investigar.
Mais de 40 pessoas ouvidas no 2º Distrito Policial, reprodução simulada dos fatos no apartamento, uma série de perícias, e o resultado: Aldemir indiciado por feminicídio, fraude processual e por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, por ceder arma sem autorização e em desacordo com determinação legal.
Quanto tempo mais e o que será preciso provar até que o advogado seja responsabilizado pelos crimes? Após dois anos da morte, a pergunta parte da assistência de acusação e da família da empresária. Questionado sobre motivos que impedem a marcação da audiência para continuidade da ação penal, o Tribunal não respondeu a reportagem até a publicação desta matéria. Enquanto isso, o caso segue em segredo de Justiça.
Expectativa
Aurimar Chaves de Oliveira foi um dos primeiros a saber da morte da irmã. Ele, a esposa e os tios paternos acolheram o filho da empresária nos primeiros dias de luto. A morte de Jamile foi princípio de uma tragédia que estava por vir a aumentar na família. Em 2020, a mãe de Jamile e Aurimar morreu em decorrência da Covid-19, e depois, uma irmã deles.
Agora, Aurimar se apega à chance de a Justiça ser feita. Para ele, "já tem muito tempo e muita demora. Tem morosidade em marcar a audiência e quanto mais o tempo passa é melhor para o acusado". A família carrega consigo preocupação pelo desfecho da história e teme que "seja mais um crime no Ceará a ficar impune".
O Poder Público começou enveredando por um caminho, e aí depois viram que não. Eu rezo para que isso se resolva. Ao mesmo tempo que eu acredito na Justiça, eu não vejo ela ser feita"
A mudança a qual Aurimar se refere aconteceu já neste ano. Em maio, o processo passou por uma reviravolta e o MPCE denunciou Aldemir após o caso passar por diversas varas do Poder Judiciário do Ceará, ir ao 2º Grau do TJCE, retornar à 1ª instância e até mesmo motivar divergência de pareceres entre integrantes do órgão acusatório.
O advogado Flávio Jacinto, assistente da acusação, acredita que a impunidade gera expectativa da continuidade da violência doméstica e que o Judiciário pode dar uma resposta mais rápida para iniciar a instrução processual. Para Flávio, absolvido ou condenado, é preciso que o julgamento aconteça e o caso tenha um desfecho.
"Dois anos de impunidade, dois anos na expectativa da marcação da audiência da 4ª Vara do Júri. A expectativa é que a instrução comece, levar o assunto ao Tribunal do Júri para dizer se ele é culpado ou não. A Lei Maria da Penha é eficiente, mas falta processar os assuntos. Não adianta ter a lei se o Estado não dá a resposta. A população de um modo geral precisa saber que tem o Poder Judiciário para dar vida à lei", afirma o advogado.
O Ministério Público tem dado a sua resposta, falta resposta do Poder Judiciário. Por que a audiência ainda não foi marcada? Qual é o problema? Qual a dificuldade?"
A defesa do acusado limitou a se manifestar alegando que "Aldemir é inocente" e mais informações não seriam concedidas já que o processo está sob segredo de Justiça.
Versões
Em entrevistas concedidas à reportagem ainda durante a investigação, o advogado sustentava a versão que Jamile atirou em si mesma ao pegar a arma de fogo dele instantes após o casal discutir, dentro do closet. Já o MPCE apresentou na denúncia, com base no laudo cadavérico, que o homem "com seu porte alto e forte, em um rápido ataque, puxou os cabelos de Jamile com uma mão, iniciando, com a vítima, uma disputa, circunstância em que o disparo foi efetuado , acertando Jamile na região precordial, de cima para baixo, e da esquerda para direita".
Ainda em setembro de 2019, um dos laudos da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) com análise das amostras de DNA encontradas na arma de fogo de onde veio o disparo que matou a empresária cearense Jamile de Oliveira Correia desconstruiu a versão do advogado.
O resultado da perícia concluiu que o DNA da empresária só foi encontrado na extremidade do cano da pistola calibre 380. De acordo com o laudo, no restante da arma foram encontrados material genético de Aldemir e do policial civil responsável por apreender o objeto parte da investigação. No mesmo mês aconteceu a reprodução simulada dos fatos. O adolescente filho de Jamile participou da reconstituição, mas Aldemir não.
"Levando-se em consideração tudo apresentado na presente peça processual, bem como o comportamento do réu durante toda a investigação, a dúvida que resta é se, quando do novo ataque proferido por Aldemir, dentro do closet, ele agiu com dolo direto ou eventual em gerar a morte da vítima, não restando dúvida, pois, da existência do dolo". Ministério Público
Posicionamento OAB
Pela condição de advogado, ainda tramita contra Aldemir Pessoa Júnior um processo administrativo disciplinar na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por nota, a Ordem informou que o processo está em sigilo até o seu término e durante todo o rito processual, em respeito aos princípios do contraditório e à ampla defesa, as partes podem recorrer das decisões do Tribunal de Ética e Disciplina.
"Necessário esclarecer que a jurisdição disciplinar é independente e autônoma da comum, atendendo ao princípio da independência entre as instancias penal, civil e administrativa", disse a OAB pontuando que até haver decisão, está mantido o direito dele de advogar.
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