Mãe do Curió afirma que a sensação será diferente ao ficar diante de um mentor e executor da Chacina

Dois PMs sentam no banco dos réus nesta etapa

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Redação seguranca@svm.com.br
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Legenda: Familiares, amigos e a imprensa também acompanham o julgamento, presidido pelos magistrados da 1ª Vara do Júri de Fortaleza
Foto: Alex Costa/TJCE

A mãe de uma das vítimas da Chacina do Curió, Maria Suderli Pereira de Lima, afirmou que a sensação neste 5º Júri será diferente, pois os parentes estarão diante de um mentor da matança e executores direto das mortes. Ela se refere aos dois réus e policiais militares Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano.

Apesar disso, Suderli destaca que os PMs terão o que o filho dela, Jardel Pereira de Lima, e as demais vítimas não tiveram, o direito à defesa.

"Na verdade, para a gente é uma sensação diferente, porque pela primeira vez nós vamos ver os executores, pelo menos é o que a gente acha que ele seja o executor, o mentor de tudo isso. Se ele hoje está sentado no banco dos réus, é porque ele está tendo direito de defesa. Se essas pessoas tivessem dado esse direito de defesa aos nossos filhos, eles não estariam lá (no banco dos réus) e nossos filhos estariam vivos, e nós não estaríamos aqui passando por tudo isso", ressaltou.

Para o Movimento Mães do Curió, a expectativa para o 5º Júri é sempre positiva no que diz respeito ao objetivo dos familiares, que é obter Justiça. "A nossa busca por Justiça não é a busca por vingança, é busca para que essas pessoas sejam responsabilizadas pelo que eles fizeram naquela noite. Essa busca, infelizmente, vai ser infinita pra gente, porque nós perdemos nossos filhos, marido, nossas famílias. São 18 famílias. Não é coisa de duas, três, mesmo que fosse, imagine 18".

Apesar das provas técnicas e testemunhas, as defesas alegam inocência dos réus. "Marcílio é injustiçado até hoje e provará à sociedade de Fortaleza que ele é inocente. Marcílio é vítima de uma perseguição implacável", disse o advogado Paulo Pimentel, que representa o réu Marcílio.

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PRIMEIRO DIA DE JULGAMENTO

O primeiro dia do quinto 'Júri do Curió' teve início por volta das 9h30. De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), após instalada a sessão, “o colegiado de juízes decidiu pelo não conhecimento de pleito apresentado pela defesa do réu Marcílio Costa de Andrade. Em seguida, o Ministério Público fez pedido em relação a provas anexadas ao processo pela defesa de Luciano Breno Freitas Martiniano. O colegiado de juízes se reuniu e decidiu pelo indeferimento do pleito".

Às 11h foi formado o Conselho de Sentença, composto por sete populares. São eles que devem decidir nos próximos dias se os PMs serão ou não condenados pelo crime ocorrido há quase uma década.

Por volta das 11h30 começou a leitura da denúncia. Vítimas sobreviventes e testemunhas acompanharam a sessão, que em seguida foi suspensa para o almoço

O primeiro a depor foi um sobrevivente do ataque. O sobrevivente disse que sentiu "queimar por dentro" e caiu, ao falar sobre a sensação de ser atingido pelos disparos naquela noite. Ele complementa que recobrou a consciência, desmaiou novamente e só acordou quando já estava no hospital.

“A vida que eu tinha lá foi eliminada, eu não tenho por que voltar lá”.
Sobrevivente da Chacina
Em depoimento no Júri

O quarto sobrevivente a depor disse que estava em casa dormindo quando ouviu gritos de uma mulher pedindo socorro. Ele saiu de casa para ajudar a prestar socorro e logo após colocar as vítimas em uma caçamba de um carro particular percebeu que estava sendo seguido: “pulei do carro em movimento e eles me pegaram”, contou. 

"Tomei um tiro"

Catarina Ferreira Cavalcante, mãe da vítima Pedro Alcântara, foi a quinta testemunha a depor. Ela estava em casa quando Pedro foi morto.

A mãe lembra que pediu ao filho para voltar pra casa, porque estava tarde. Durante a espera escutou um barulho e o filho dizendo: “tomei um tiro”. 

Ela achou que era brincadeira e foi até a janela do quarto. De lá, ela viu Pedro no chão, caído: puxei ele pro meu colo. Ele disse: “mãe, mãe”. E eu falei: “não dorme”. E ele disse: mãe, eu te amo. Foram as últimas palavras dele".

Mesmo após quase 10 anos, a violência continua. “Tem é que calar essas mães, porque elas só sabem falar besteira”.

Catarina disse que ouviu isso enquanto acontecia o último júri, em agosto de 2025, de uma pessoa que se diz vizinha de um dos réus. Desde então ela saiu do bairro.

“Saí de lá porque me senti coagida”, relatou acerca de um episódio recente que aconteceu quando ela foi até uma mercearia no bairro.

“Hoje eu tenho medo. Porque quem era pra cuidar, pra zelar, também mata. Hoje eu estou aqui pelo meu filho”.

'VIOLÊNCIA SISTEMÁTICA'

O Ministério Público afirma que aconteceram "nove episódios que marcaram uma das noites mais violentas da história de Fortaleza, ocorrida entre 11 e 12 de novembro de 2015" com múltiplas vítimas fatais e sobreviventes "revelando um padrão sistemático de violência e abuso de poder".

"Um padrão sistemático de violência que se estendeu por mais de quatro horas, revelando uma operação coordenada que resultou numa das mais graves violações de direitos humanos na história recente de Fortaleza"
MPCE

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Legenda: A propagação de um boato de traição teria sido o primeiro acontecimento de uma série de outros mais violentos e sangrentos, que culminaram na chacina que deixou 11 pessoas mortas.
Foto: Messias Borges

De acordo com a denúncia do MPCE, Marcílio Costa de Andrade teria sido o estopim de uma confusão que antecedeu à chacina e teria executado uma pessoa no bairro Curió.

Conforme testemunhas relataram no processo, os bairros Curió e São Miguel estariam vivendo um momento de "tranquilidade" após um "acordo de paz" feito entre os traficantes de drogas da região. No entanto, no dia 25 de outubro de 2015, a "paz teria sido quebrada".

Sobre o policial militar Luciano, ele foi indiciado após a investigação concluir que alguns policiais tentaram adulterar as placas de seus veículos para não serem flagrados transitando no local. Perícias foram realizadas e constataram divergências entre números, que haviam sido propositadamente mudados naquela noite, segundo os promotores de Justiça.

SEGUNDO DIA

O quinto julgamento acerca da Chacina do Curió ou da Messejana chega ao segundo dia. Nesta terça-feira (23), a partir das 9h, é previsto que testemunhas da defesa sejam ouvidas pelos magistrados e Tribunal do Júri, na sessão que acontece no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza.

Na sequência acontece o interrogatório dos convocados pela defesa, seguido dos depoimentos dos dois réus: os policiais militares Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano.

Familiares, amigos e a imprensa também acompanham o julgamento, presidido pelos magistrados da 1ª Vara do Júri de Fortaleza. No total, 30 policiais militares são acusados pela matança. 27 já foram a júri nos anos de 2023 e 2025, sendo seis deles punidos com a prisão e expulsão da Corporação. (Veja ao fim da matéria lista com todos os nomes e as sentenças).

VEJA OUTROS RESULTADOS:

Primeiro júri - 20 de junho de 2023

  • Antônio José de Abreu Vidal Filho - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Ideraldo Amâncio - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Marcus Vinícius Sousa da Costa - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Wellington Veras Chagas - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar.

Segundo júri - 29 de agosto de 2023

  • Sargento PM Francinildo José da Silva Nascimento - absolvido de todas as acusações;
  • Sargento PM José Haroldo Uchoa Gomes - absolvido de todas as acusações;
  • Cabo PM Ronaldo da Silva Lima - absolvido de todas as acusações;
  • Cabo PM Thiago Aurélio de Souza Augusto - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Gerson Vitoriano Carvalho - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Josiel Silveira Gomes - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes -absolvido de todas as acusações.

Terceiro júri - 12 de setembro de 2023

  • Tenente PM José Oliveira do Nascimento - condenado a 210 anos e 9 meses de prisão;
  • Subtenente Antônio Carlos Matos Marçal - teve um crime desclassificado para a Vara da Auditoria Militar e foi absolvido pelos outros;
  • Sargento PM Clênio Silva da Costa - absolvido;
  • Sargento PM Francisco Helder de Sousa Filho - absolvido;
  • Sargento PM José Wagner Silva de Souza - condenado a 13 anos e 5 meses de prisão;
  • Sargento PM Maria Bárbara Moreira - absolvida;
  • Cabo PM Antônio Flauber de Melo Brazil - absolvido;
  • Soldado PM Igor Bethoven Sousa de Oliveira.

Quarto júri - 31 de agosto de 2025

  • Sargento Farlley Diogo de Oliveira - absolvido de todas as acusações 
  • Cabo PM Daniel Fernandes da Silva - absolvido de todas as acusações 
  • Cabo PM Gildácio Alves da Silva - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Francisco Flávio de Sousa - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Luís Fernando de Freitas Barroso - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Renne Diego Marques - absolvido de todas as acusações 

QUEM SÃO AS VÍTIMAS DA MATANÇA:

  • Álef Souza Cavalcante, morto aos 17 anos;
  • Antônio Alisson Inácio Cardoso, morto aos 16 anos;
  • Francisco Elenildo Pereira Chagas, morto aos 40 anos;
  • Jardel Lima dos Santos, morto aos 17 anos;
  • Jandson Alexandre de Sousa, morto aos 19 anos;
  • José Gilvan Pinto Barbosa, morto aos 41 anos;
  • Marcelo da Silva Mendes, morto aos 17 anos;
  • Patrício João Pinho Leite, morto aos 16 anos;
  • Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, morto aos 18 anos;
  • Renayson Girão da Silva, morto aos 17 anos;
  • Valmir Ferreira da Conceição, morto aos 37 anos
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