De racismo no exterior a assédio moral: confira principais pontos do inquérito no caso Zara em Fortaleza
A investigação ouviu testemunhas, vítima e suspeito, analisou imagens de videomonitoramento e até fez pesquisas sobre o histórico da empresa
O Inquérito Policial que apurou um crime de racismo na loja Zara, em um shopping no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza, terminou com o indiciamento do gerente do estabelecimento, nesta semana. A investigação ouviu testemunhas, vítima e suspeito, analisou imagens de videomonitoramento e até fez pesquisas sobre o histórico da empresa.
O Diário do Nordeste teve acesso ao Relatório Final do Inquérito, elaborado pela Polícia Civil do Ceará (PCCE), que traz detalhes como o de um caso semelhante ocorrido na Zara na Espanha; constrangimento sofrido pela vítima por advogados da empresa; e um número de pessoas que transitou na Loja sem máscaras e não foi expulso, no mesmo dia em que a delegada Ana Paula Barroso foi orientada a deixar o local, em 14 de setembro deste ano.
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O Inquérito Policial, com 210 páginas, foi concluído pelo Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis na última terça-feira (19) e entregue à Justiça Estadual na quarta (20). O gerente da Zara, o português Bruno Filipe Simões Antônio, de 32 anos, foi indiciado por racismo.
Confira pontos do Inquérito Policial:
1. Caso de Racismo na Espanha
A investigação policial, coordenada pelas delegadas Janaína Siebra, Manuela Lima e Vanessa Hiluy, descobriu, pela Internet, que a loja Zara já foi condenada a pagar 40 milhões de dólares por um caso de racismo na Espanha, na Europa.
Matéria do Portal Geledés (do Geledés Instituto da Mulher Negra), publicada em junho de 2015 e anexada ao Inquérito da Polícia Civil do Ceará, detalha que "passaram-se apenas três semanas desde que vários executivos e ex-executivos da Zara foram condenados a pagar 40 milhões de dólares em uma ação por discriminação racial na Espanha quando um novo relatório sugere que o comportamento discriminatório da marca continua vivo em suas lojas".
Segundo a matéria, a Zara taxa negros como "potenciais ladrões". Conforme a PCCE, a Loja tem um código "Zara zerou" para discriminar clientes que possam oferecer riscos à segurança do estabelecimento e alertar os funcionários. Entre os alvos, estariam negros e pessoas "mal vestidas".
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2. Novo constrangimento à delegada
Além do caso de racismo dentro da loja Zara, a delegada Ana Paula Barroso se sentiu constrangida por ser procurada por advogados da mesma loja, dias depois, para ouvir um pedido de restituição de equipamentos de vídeo apreendidos na investigação da Polícia Civil. Conforme o Relatório, apesar de ser delegada, Ana Paula não deveria ter sido procurada, porque ela está na situação de vítima no inquérito.
A delegada ainda orientou os advogados a procurarem a Delegacia de Defesa da Mulher. A Zara foi questionada sobre a atuação dos advogados, mas não se manifestou até a publicação desta matéria.
Os equipamentos de vídeo, que captam imagens do circuito interno da Loja, foram apreendidos pela Polícia Civil em cumprimento de decisão judicial. Os investigadores relataram que pediram as imagens três vezes aos representantes da Zara, mas não receberam o material, o que os motivou a acionar a Justiça.
3. Primeiro caso de expulsão de loja
Os quatro profissionais da segurança do shopping ouvidos pela Polícia Civil (inclusive o chefe da segurança) concordaram que não existe a orientação do shopping em expulsar o cliente de uma loja porque está com a máscara baixa e se alimentando, em proteção à Covid-19 - como alegou o gerente indiciado.
Segundo os seguranças, o recomendado pelo shopping é pedir para a pessoa colocar a máscara. E, se tiver se alimentando, o comportamento é respeitado. Na hipótese mais extrema, pedir para o cliente terminar de se alimentar fora e voltar para a loja. Mas, de acordo com a vítima, ela foi diretamente expulsa e ainda por "questão de segurança".
Um dos seguranças afirmou ainda que não tem conhecimento de nenhum outro caso em que o cliente foi expulso de uma loja por estar se alimentando, mesmo na pandemia.
4. Funcionária sofreu assédio moral
Uma ex-funcionária da Zara, ouvida no Inquérito Policial de racismo como testemunha, contou que sofreu assédio moral enquanto trabalhava na Loja. Ela decidiu provocar uma rescisão indireta do contrato, após ser obrigada a trabalhar mesmo com um quadro de infecção alimentar, tendo vomitado no shopping.
A mulher entrou com uma ação judicial contra a Zara, que foi deferida pela Justiça, e recebeu indenização.
Questionada sobre o código "Zara zerou", ela contou que os alvos eram "pessoas que aparentavam ter aparência simplória". "Que, nessa hora já se aproximava um funcionário para ficar do lado do cliente, olhando seus passos", completou.
5. 14 clientes sem máscaras
A análise das imagens apreendidas feita pela Polícia Civil permitiu aos investigadores identificarem que ao menos outras 14 pessoas transitaram pela loja Zara sem máscara (algumas se alimentando e outras, não) no dia 14 de setembro deste ano, quando foi registrado o caso de racismo.
Entretanto, apenas a delegada Ana Paula Barroso foi expulsa da Loja. Ao voltar ao estabelecimento com o chefe da segurança do shopping, a vítima ouviu do gerente que não queria discriminá-la e que ele tem amigos de raças, gêneros e orientações sexuais diversos.