'Zara zerou': loja investigada por racismo tinha código para discriminar clientes e alertar funcionários

O código era disparado no alto-falante da loja quando entrava um cliente fora do padrão desejado pela loja, segundo a Polícia Civil

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
A advogada, vítima responsável por denunciar caso de racismo em uma loja da Zara, sentada à frente de um painel da Polícia Civil
Legenda: Ana Paula Barroso é diretora adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da PCCE

As investigações da Polícia Civil do Ceará (PCCE) sobre casos de racismo na loja Zara, em um shopping do bairro Edson Queiroz, em Fortaleza, descobriram que o estabelecimento tem um código para discriminar clientes e alertar funcionários.

O delegado geral da PCCE, Sérgio Pereira, relata que testemunhas (entre ex e atuais funcionários da Zara) relataram, durante depoimeto, que o código "Zara zerou" era disparado no alto-falante da loja quando entrava um cliente fora do padrão desejado pela loja, que poderia colocar a segurança em risco.

A partir de então, essa pessoa era acompanhada pelos funcionários, não para ser atendida, mas naquela situação de vigilância ininterrupta. Porque ela saiu do perfil de cliente e passava a ser tratada como o perfil de suspeita".
Sérgio Pereira
Delegado geral da Polícia Civil do Ceará

Conforme as investigações, eram alvos do alerta "Zara zerou" pessoas negras e julgadas como "mal vestidas". O preconceito solidificado na cultura da Loja foi sentido pela delegada Ana Paula Barroso, que foi expulsa do estabelecimento sob a alegação de estar com a máscara baixa, enquanto pessoas brancas e loiras circulavam normalmente.

O Inquérito Policial sobre o caso terminou com o indiciamento do gerente português Bruno Filipe Simões Antônio, de 32 anos, pelo crime de racismo. Ele também é suspeito de constranger uma cliente que se recusou a pagar por roupas da Zara pelo preço em dólar australiano, como estava na etiqueta.

A Zara Brasil respondeu, em nota, "que não teve acesso ao relatório da autoridade policial até sua divulgação nos meios de comunicação, quer manifestar que colaborará com as autoridades para esclarecer que a atuação da loja durante a pandemia Covid-19 se fundamenta na aplicação dos protocolos de proteção à saúde, já que o decreto governamental em vigor estabelece a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes públicos. Qualquer outra interpretação não somente se afasta da realidade como também não reflete a política da empresa".

Nesta quarta-feira (20), a Zara enviou uma nova nota informando que "nega a existência de um suposto código para discriminar clientes".

A Zara Basil nega a existência de um suposto código para discriminar clientes. A Zara rechaça qualquer forma de racismo, que deve ser tratado com a máxima seriedade em todos os âmbitos. A Zara Brasil conta com mais de 1800 pessoas de diversas raças e etnias, identidades de gênero, orientação sexual, religião e cultura. Zara é uma empresa que não tolera nenhum tipo de discriminação e para a qual a diversidade, a multiculturalidade e o respeito são valores inerentes e inseparáveis da cultura corporativa.".
Zara Brasil
Em nota

Outro caso de racismo na loja

As investigações policiais sobre o racismo praticado contra a delegada Ana Paula Barrroso levaram a Polícia Civil a outra vítima de prática semelhante, também ocorrida na Zara.

Uma pessoa também negra entrou na loja com máscara, baixou a máscara para comer um sorvete e foi retirada da loja. Essa pessoa ficou fora da loja e presenciou pessoas de pele clara e cabelos loiros entrarem normalmente, com máscara baixa, fazendo uso de alimentos, outras entraram só com a máscara baixa, e em nenhum momento foram advertidas por funcionários da loja."
Sérgio Pereira
Delegado geral da Polícia Civil do Ceará

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Representantes do Movimento Negro Unificado (MNU) compareceram à coletiva de imprensa da Polícia Civil, realizada nesta terça-feira (19). O coordenador estadual do MNU no Ceará, Kim Lopes, acredita que a investigação é "um marco importante de todo o Sistema de Justiça do Ceará".

Muitos irmãos negros e negras da periferia também são vítimas de racismo e têm dificuldade de acessar esse Sistema, de denunciar e de ter acolhida a sua reclamação e sua denúncia. Isso é um momento muito importante, um marco."
Kim Lopes
Coordenador estadual do MNU

Ela completa que "esperamos que, a partir de agora, sejam mais acolhidas as denúncias de racismo, que nossos irmãos e irmãs sofrem no cotidiano, nesta cidade tão apartada e tão racista que é Fortaleza".

Adepol irá pedir indenização na Justiça

A Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará (Adepol-CE) também esteve presente na coletiva de imprensa. O presidente da Associação, delegado Jaime de Paula Pessoa Linhares, afirma que a Instituição presta todo o apoio à delegada Ana Paula Barroso pelo racismo sofrido.

A Adepol, desde o primeiro momento, vem dando toda assistência para a colega delegada. Estamos acompanhando não só o Inquérito Policial, através da nossa assessoria jurídica, mas também acompanhando todo o desenrolar dessa ocorrência."
Jaime de Paula Pessoa Linhares
Presidente da Adepol-CE

O assessor jurídico da Adepol, advogado Leandro Vasques, acrescenta que, "por se tratar de crime de racismo, um crime de ação penal pública, incondicionada, vamos aguardar a manifestação do Ministério Público, que deverá oferecer a denúncia brevemente, e nos habilitaremos como assistente de acusação".

E, paralelo a isso, manejar ação reparatória de dano moral, ação indenizatória que irá nos valer da instrumentalidade que nos vai ser fornecida pela ação penal que irá surgir. A assessoria jurídica não descansará enquanto não assistir a reparação desse dano, bem como a condenação do infrator, desse crime imprescritível e inafiançável."
Leandro Vasques
Assessor jurídico da Adepol-CE

 

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