Vítima de racismo em loja de Fortaleza é delegada da Polícia Civil do Ceará
Ana Paula Barroso teria sido barrada por funcionário sob alegação de 'questões de segurança'
A vítima responsável por denunciar caso de racismo em uma loja da Zara, localizada em um shopping no bairro Edson Queiroz de Fortaleza, ocorrido na última terça-feira (14), foi identificada como a delegada Ana Paula Barroso, diretora adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil do Ceará (PC-CE).
O inquérito policial que investiga o suposto crime está sob análise da Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza. Ana Paula diz ter sido barrada após tentativa de entrar no local.
Na noite de domingo (19), a PC-CE compareceu ao local para cumprir mandado de busca e apreensão para recolher equipamentos de registro de vídeo, que serão utilizados para investigar o caso.
Segundo a delegada, um funcionário do estabelecimento comercial a teria impedido de permanecer na loja por "questões de segurança". Mesmo após pedidos de explicação, a determinação da loja teria continuado.
A reportagem do Diário do Nordeste entrou em contato com a Zara. Por telefone, a loja informou que a delegada foi impedida de entrar na loja por estar sem máscara de proteção contra a Covid, pois estava consumindo um sorvete.
"Ela foi colocada para fora da loja"
A delegada Anna Nery, da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, que investiga o caso, detalha que a vítima registrou um Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOE) no mesmo dia do ocorrido.
Segundo o relato, Ana Paula chegou à loja por volta de 21h20, consumindo um sorvete. Contudo, ao tentar entrar, foi barrada por um segurança do estabelecimento. Ela questionou se o motivo seria o sorvete, mas não obteve resposta.
"Ele já foi retirando, impedindo o ingresso na loja. Ela colocada para fora da loja", conta Nery.
Fora da Zara, a delegada chamou um segurança e questionou novamente se o sorvete seria o motivo para ter o acesso travado. O homem disse que não e solicitou a presença do chefe de segurança do shopping no local.
O novo agente reconheceu a delegada porque já havia trabalhado com a mesma em outra oportunidade.
Pelas imagens do shopping, de forma notória ela está abalada e conversando, tentando entender o que está ocorrendo. Ela fica tentando indagar"
"Extremamente abalada"
Acompanhada pelos outros dois seguranças, ela foi conduzida novamente à loja. Quando avistou a vítima e os agentes, o funcionário que impediu a entrada da delegada teria adotado uma postura defensiva.
"Ele já foi logo dizendo que não tinha nenhum preconceito, que tinha várias amizades gays, lésbicas e trans. Quando ele fala isso, de forma velada, já mostra que tem preconceito. Essas declarações foram dadas no BOE e ratificadas pelo chefe da segurança. Depois, ele pediu desculpa e ela saiu da loja extremamente abalada", explica Anna Nery.
A delegada investigadora aponta que, nos dois primeiros ofícios enviados à loja para a requisição das imagens do circuito interno, a administração alegou que primeiro iria consultar a assessoria jurídica.
"Tentamos sensibilizar sobre a necessidade de preservar essas imagens sob pena de a loja responder por fraude processual. Ainda assim, não adiantou. O terceiro meio foi a busca e a apreensão", afirma.
Já a administração do shopping cedeu as imagens "sem nenhum problema".
Vídeos da Zara e de shopping serão periciados
Os vídeos foram enviados à Perícia Forense, inclusive para checar possíveis adulterações, e os laudos devem sair entre 15 e 20 dias, conforme a delegada Anna Nery.
Enquanto o material é investigado, devem ser ouvidos mais dois seguranças do shopping, uma cliente que estava na loja e presenciou o ato, e o funcionário envolvido no caso.
Quero deixar claro que, em nenhum momento, ela se identificou. Ela poderia inclusive ter dado voz de prisão em flagrante por sua autoridade policial, mas, em razão de ter ficado extremamente consternada pela situação, de ter ficado em choque por precisar passar por uma situação dessas em pleno século XXI, não deu voz de prisão".
Associação demonstra apoio
Em nota, a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará (Adepol-CE) prestou solidariedade à delegada Ana Paula Barroso e defendeu rigor na apuração do caso. Confira na íntegra.
A Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará vem manifestar seu irrestrito apoio e solidariedade à delegada de Polícia Civil Ana Paula Silva Santos Barroso, a qual foi vítima de preconceito racial por parte de funcionário de loja em um shopping center de Fortaleza.
A delegada Ana Paula, que em momento algum se identificou como autoridade policial, foi impedida, sem nenhuma justificativa plausível, de adentrar ao estabelecimento comercial por funcionário identificado como gerente da loja, sendo ela alvo de ato discriminatório em razão de sua cor.
A Adepol/CE lamenta profundamente a situação de constrangimento a que foi submetida a delegada Ana Paula Santos e repudia qualquer tipo de discriminação, ratificando o compromisso com a adoção de medidas judiciais e policiais necessárias para a devida responsabilização e punição dos envolvidos.
Acesso negado
Em nota, divulgada ainda no domingo (19), a Polícia Civil do Ceará reiterou que a apreensão das imagens só foi necessária após a recusa da Zara em fornecer o material requisitado.
Inicialmente, com as apurações em andamento, as imagens do circuito de segurança foram pedidas, enquanto o retorno foi negado. Por conta disso, a representação pelo mandado de busca e apreensão junto ao Poder Judiciário foi realizada.
De acordo com a Zara, não houve recusa na entrega das gravações. O que aconteceu, conforme uma fonte da empresa foi uma demora técnica na obtenção das filmagens, devido ao tamanho do arquivo. A empresa pontuou que colabora com apurações.
Os equipamentos apreendidos serão utilizados para subsidiar as investigações em andamento.