Professor diz que medida é “presente de grego”

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Redação producaodiario@svm.com.br
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Foto: Honório Barbosa
Crato (Sucursal) — O Projeto de Integração do Rio São Francisco com bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional vem de longe. A proposta tem uma história tão antiga quanto a seca na região. O debate, que também é tão antigo quanto polêmico, é polarizado pelos argumentos contrários ou favoráveis ao projeto. De um lado, o governo afirma que a integração do São Francisco é a única obra viável, econômica e geograficamente, para garantir a segurança hídrica da população do Semi-árido. De outro, alguns dos pesquisadores que estudam a região garantem que o montante investido pelo governo é desperdício de dinheiro público. Para eles, a solução para o Semi-árido não estaria em “obras faraônicas”, mas na multiplicação de pequenas obras que o sertanejo conhece melhor do que ninguém, como, por exemplo, a construção de cisternas e canais interligando os açudes.

É dentro dessa dicotomia que crescem os focos de resistência contra a transposição das águas do São Francisco para o Semi-árido. A convite da Comissão Diocesana de Pastoral da Terra (CPT), o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner, esteve, anteontem, no Crato. Ele classificou de “presente de grego, cavalo de Tróia”, o projeto de transposição. Informou que o projeto defendido pelo ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, está “eivado de erros que não correspondem à realidade”. O primeiro deles, segundo João Abner, é a área a ser beneficiada. “O projeto atende apenas a 5% do Semi-árido”. O professor adverte que o Ceará é o Estado que menos precisa da transposição, “uma vez que possui 18 bilhões de metros cúbicos de água acumulada, metade da água do Nordeste, com condições de atender a quatro vezes a sua demanda”. De acordo com ele, com a construção da barragem do Castanhão, o Ceará conseguiu a sua auto-sustentabilidade hídrica.

João Abner lembra que a água do São Francisco vai chegar ao Ceará cinco vezes mais cara do que a capitada na beira do rio — que gira em torno de 2 a 3 centavos, o metro cúbico. “O preço torna a água inviável para qualquer atividade agrícola”. O professor adverte também que a transposição não vai resolver o problema da convivência com a seca. “Porque vai acontecer aquilo que o matuto chama de chover no molhado, isto é, vai ser levada água para onde tem água como é o caso do Castanhão”. A região dos Inhamuns, por exemplo, que é a mais seca do Estado, não será beneficiada.

O pesquisador aponta como prioridade a instalação de uma infra-estrutura que permita o acesso e a democratização da água acumulada ao longo dos anos. “O Semi-árido está ocupado por grandes açudes. Não há mais espaço para a construção de reservatórios”. O Ceará em 10 anos, segundo João Abner, construiu mais de mil quilômetros de adutoras. “O sensato seria concluir este programa”. Abner reconhece, entretanto, que estas obras têm o custo elevado e os Estados não têm recursos para bancar os programas.

“Se o governo destinasse estes R$ 4,5 bilhões e construísse adutoras o problema seria amenizado”. Ao dar essa sugestão, Abner diz que o projeto de transposição é “imaginário”, somente agora é que começa a ser revelada a verdade. A fase de estocar água já passou. O Nordeste possui 300 grandes barragens. Destas, apenas seis vão receber água do São Francisco. Aqui no Ceará, serão beneficiados os açudes Atalho, em Brejo Santo, e o Castanhão, na Jaguaribara.

Abner critica também os projetos de irrigação instalados nas margens dos açudes. Existem, no Vale do São Francisco, 170 mil hectares de infra-estrutura de irrigação pronta sem operar. A crítica se estende aos projetos localizados nas margens do São Francisco. Com exceção dos projetos de Petrolina e Juazeiro da Bahia. Por fim, João Abner lembra que essa transposição será o começo da privatização das águas. “No momento em que a água do São Francisco cair no Castanhão, este manancial será gerenciado, e vendido, por uma empresa que vai operar o sistema”.