Peixe comumente associado à região Norte do País, as piranhas causam transtornos, também, em municípios cearenses que concentram na pesca sua principal atividade econômica. Neste cenário, a inserção de outros peixes não-nativos nas bacias do Ceará aparece como uma possível solução para o controle da Pirambeba (ou piranha branca), espécie mais comum no Estado. No entanto, pesquisadores julgam que esta iniciativa pode desencadear um novo desequilíbrio ambiental.
A Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA) estuda inserir nas bacias hídricas locais quatro espécies de peixes: o Pirarucu, o Tucunaré, o Dourado e o Surubim, que são predadores naturais da piranha. “É importante pontuar que as últimas duas espécies serão introduzidas naturalmente no Estado com a conclusão das obras de Transposição do Rio São Francisco”, diz o órgão, em nota.
A SDA pondera, contudo, que é preciso precaução para encontrar um ponto de “convivência entre as espécies, não de eliminação”.
O biólogo e professor em Bioprospecção Molecular da Universidade Regional do Cariri (Urca), Fábio Yamada, acredita que a inserção de espécies não-nativas não é benéfica. “Essa iniciativa com certeza não vai surtir efeito e vai ocasionar mais impactos na região”, explica, ressaltando que “isso pode reduzir ainda mais as espécies locais, não só de peixes, como de invertebrados. Pode até mudar a produtividade ambiental da região”.
Para o chefe da divisão de Piscicultura e Aquicultura do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), Dalgoberto Coelho de Araújo, a solução mais viável é incentivar o consumo da piranha. Para ele, é preciso haver políticas públicas para incentivar cursos de formação para a produção de pratos com a piranha. “Ela tem um alto teor de proteínas, o caldo da Pirambeba, por exemplo, é famoso no Norte, no Centro-Oeste, mas falta esse reconhecimento aqui”, pondera.
Multiplicação
No açude Arneiroz II, localizado na região dos Inhamuns, a proliferação da Pirambeba é potencializada pela baixa pluviosidade e pelo desaparecimento de outras espécies. A situação se estende há décadas e nesta época do ano é mais recorrente.
O analista em gestão de recursos hídricos Mário Barros, alerta que o período seco é mais propenso à reprodução. Além disso, a espécie gosta de viver em águas paradas, como nos açudes, pontua.
Segundo ele, a piranha já foi identificada em outra regiões cearenses, mas a situação se agravou em Arneiroz. “Neste ano, a gente teve esse caso em Arneiroz. Nesse açude, em específico, ela se proliferou muito mais pela falta de competidores”, explica. Acrescenta que está construindo um mapa temático com os locais de ocorrência para encaminhar aos órgãos ambientais.
Mudanças
Francisco Borges, 42 anos, já chegou a morar em uma barraca às margens do Açude Arneiroz para facilitar a pesca, situação que mudou ao longo da década. “Antes, eu só vinha pra casa no fim de semana, mas hoje eu não tenho mais como viver só da pesca”, lamenta. Segundo ele, parte disso se dá pela presença da piranha, que chegou à região há cerca de 12 anos. “Tinha um açude onde o dono começou a criar uns Tambaquis, mas junto com eles vieram as piranhas. Aí, esse açude sangrou para o nosso, e elas vieram junto”, recorda.
Com a diminuição do pescado, Borges passou a complementar a renda com a venda dos poucos peixes que restam do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Nossa região era muito conhecida por conta da grande quantidade de pescados. Tinha semana que saía carro carregado de peixe daqui pra Bahia. Hoje isso não acontece mais”, lamenta.
Agregar valor
A infestação da Pirambeba é mais comum no segundo semestre do ano. É o que afirma Maria Evaneide Felipe de Araújo, presidente da Associação de Pescadores do Arneiroz (Arnepeixe).
Ela explica que, para tentar minimizar os impactos, umas das saídas é agregar valor de mercado ao peixe. Para ela, esse é o grande desafio a ser vencido. “Mas, ainda não conseguimos encontrar a maneira mais viável para inserir esse produto no mercado”.
Explica ainda que está buscando fazer um levantamento e encontrar mecanismos para conseguir equipamentos. “A partir de janeiro, vamos elaborar um projeto através do São José III para conseguir isso”, almeja Evaneide.
Em 2020, os pescadores também planejam encontrar espécies locais para que façam o controle natural da piranha. “O que a gente mais deseja é uma boa forma de se trabalhar com a Pirambeba e encontrar outras espécies para fazer esse controle. A gente se preocupou em ver uma espécie local, que já está no município de Tauá. São espécies bem conhecidas: dois tipos de Tucunaré e a Pescada. Esses peixes são daqui”, conclui.