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Pessoas catando comida no lixo: o que a política no Ceará propõe para combater a fome?

Entre as proposições, estão projetos para auxílios à população de baixa renda e distribuição de cestas básicas

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
pessoas comendo em casa
Legenda: “Tem dia que não tenho nada para comer, nem pão e nem café”, diz a dona de casa Ângela Maria Santos, que mora com quatro filhos no conjunto residencial dom José Mauro Ramalho, em Iguatu
Foto: Wandenberg Belém

Cenas de pessoas à procura de comida em um caminhão de lixo em Fortaleza, na segunda-feira (18), geraram comoção, inclusive da classe política. Parlamentares, tanto estaduais como municipais, republicaram as imagens do vídeo gravado no bairro Cocó e ressaltaram a necessidade de ações de combate à fome. Em meio a essa mobilização, de que forma a classe política tem agido para reverter a crise de segurança alimentar?

Levantamento do Diário do Nordeste mostra que a grave situação tem sido foco tanto de iniciativas no Legislativo como no Executivo, principalmente desde o início da pandemia de Covid-19. No entanto, propostas, especialmente de geração de renda, ainda aguardam discussão. 

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Entre as ações, estão a ampliação de benefícios voltados a famílias com crianças, a distribuição de cestas básicas e a isenção em tarifas, como a de energia. Outras medidas ainda aguardam deliberação pelas casas legislativas - inclusive propostas de criação de renda básica municipal e estadual. 

O número de propostas aumentou desde o início da crise sanitária no Ceará, em março de 2020. A pandemia agravou um quadro que já vinha se consolidando no País: o aumento alarmante de pessoas em situação de extrema pobreza.

O vídeo que viralizou nas redes sociais mostra uma situação que não está isolada. O Brasil voltou, em 2018, ao Mapa da Fome, lista de países em que mais de 5% da população não ingere a quantidade de alimentos recomendável.

No Ceará, a situação também é grave. Segundo o Ministério da Cidadania, até junho de 2021, 5,1 milhões de residentes no estado estavam em situação de pobreza e extrema pobreza.

Reações políticas

Nesta semana, parlamentares repercutiram as cenas em que pessoas - inclusive idosos e crianças - esperam  um caminhão de lixo recolher os resíduos de um supermercado para revirar o veículo em busca de comida. Contudo, as falas focaram mais em críticas a gestões - tanto federal como estaduais e municipais - do que em propostas de combate à fome. 

Na Câmara Municipal de Fortaleza, os vereadores Larissa Gaspar (PT) e Sargento Reginauro (Pros) tiveram falas bem distintas sobre o problema. "Essa é a imagem triste e cruel que representa a tragédia social provocada pelo desgoverno Bolsonaro. Inaceitável", escreveu a parlamentar. 

Parte da oposição ao governador Camilo Santana, Sargento Reginauro enfatizou a atuação do grupo político do petista, que inclui o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT). "Como falar de dignidade com uma cena dessas? Mas esse é o reflexo do abandono desse grupo, que prioriza concreto e esquece as pessoas", criticou em publicação nas redes sociais. 

Também da Oposição, o deputado federal Capitão Wagner afirmou que a "fome e miséria que são 'inexistentes' nas propagandas da Prefeitura de Fortaleza, são reais e chocantes". 

Já o deputado estadual Salmito Filho (PDT) atribuiu a responsabilidade por cenas como a do bairro Cocó no governo federal. 

Também na Assembleia Legislativa, o deputado Renato Roseno (Psol) criticou o presidente Bolsonaro. "Deve haver algo muito errado num país, num estado, que tem bilionários, e onde mulheres e seus filhos têm que disputar restos no lixo para comer", completou. 

Iniciativas do Executivo municipal

A Prefeitura tem trabalhado em iniciativas próprias para garantir segurança alimentar para a população mais vulnerável de Fortaleza. O prefeito José Sarto (PDT), em coletiva de imprensa nesta quinta-feira (21), citou algumas medidas da gestão com o objetivo de atender à população de baixa renda. 

Dentre elas, a distribuição de cestas básicas para as famílias com estudantes da rede pública de ensino, o atendimento dos Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua e o cartão Missão Infância - benefício no valor de R$ 100 destinado a famílias com crianças de 0 a 2 anos e 11 meses em situação de vulnerabilidade social.

"Mas é muito pouco, nós temos que fazer mais. Como pessoa e como gestor da cidade, me inquieta e dói ver cenas como essa. Tenho certeza que vamos retirar forças de onde tem e onde não tem. Recursos para a gente dar proteção e alimentar as famílias de Fortaleza".
José Sarto
Prefeito de Fortaleza

A Prefeitura também anunciou propostas voltadas ao incentivo de empreendedores de áreas e bairros de maior vulnerabilidade na Capital, como os programas Mulher Empreendedora e Meu Bairro Empreendor. Também foi anunciado o programa de microcrédito Novas Guerreiras, voltada a mulheres chefes de família. 

Propostas do legislativo municipal

Na Câmara Municipal, diversos projetos de lei sugerem, ao Poder Executivo, a criação de benefícios a setores da sociedade. O objetivo é alcançar, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade social e que, com a pandemia de Covid-19, têm tido mais dificuldade de ter acesso a renda e direitos mínimos - inclusive, a alimentação. 

Como o legislativo não pode criar novas despesas para o Executivo municipal, vereadores de Fortaleza têm apresentado projetos de indicação na Câmara Municipal. Dentre elas, estão benefícios aos trabalhadores do comércio informal até profissionais da cultura, além de programas de proteção com auxílio financeiro a mulheres vítimas de violência. 

Também é sugerida auxílio emergencial municipal para substituir o benefício concedido pelo governo federal, além de propostas de uma renda básica municipal. 

Há ainda benefícios para quem foi diretamente acometido pela Covid-19, como auxílio para pessoas que ficaram com incapacidade de trabalhar por conta das sequelas da Covid-19. Por enquanto, no entanto, os projetos ainda estão em processo de tramitação na Câmara Municipal e ainda não se transformaram em políticas públicas concretas. 

Cozinha comunitária

Uma das propostas legislativas, aprovada na Câmara Municipal, foi enviada para o Executivo municipal como sugestão de legislação - agora, fica a cargo da gestão de José Sarto enviar a proposta à Câmara como projeto de lei. 

De autoria da vereadora Larissa Gaspar (PT), o texto propõe a implementação do programa cozinha comunitária em conjuntos habitacionais de Fortaleza. 

"A ideia é que a Prefeitura subsidiei cozinhas para que os moradores dos conjuntos possam produzir alimentos e doar quentinhas às pessoas de baixa renda ou que sejam vendidas a preço simbólico. É uma experiência viável". 
Larissa Gaspar (PT)
Vereadora de Fortaleza

Segurança alimentar no Estado

Na Assembleia Legislativa, foi aprovada proposta da Mesa Diretora para distribuição mensal de cestas básicas em municípios cearenses. Além disso, propostas de deputados estaduais propõe distribuição para algumas categorias de trabalhadores. 

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Além disso, também há uma tentativa - ainda em análise - de criação de uma renda básica estadual e de auxílios financeiros para pessoas de baixa renda ou profissionais impactados pela pandemia de Covid-19. 

Iniciativas de autoria do Governo do Ceará também foram aprovadas pelos deputados estaduais. Benefícios sociais como o custeio da conta de energia de 500 mil famílias de baixa renda, a aquisição e distribuição de botijões de gás - parte do programa Vale Gás -, o auxílio cesta básica pago a trabalhadores, inclusive autônomos, e o benefício financeiro destinado a catadores são alguns exemplos. 

Além disso, o Estado também reforçou o pagamento do cartão Mais Infância - que agora atende 150 mil famílias - e a distribuição de kits alimentícios entre as famílias com estudantes da rede pública de ensino.

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