Legislativo Judiciário Executivo

Em autodeclaração inédita, 46% dos candidatos do Ceará revelam orientação sexual à Justiça Eleitoral

A maioria, segundo os dados disponibilizados pelo TSE, considera-se heterossexual, enquanto gays, lésbicas, bissexuais, assexuais e pansexuais são minoria entre os autodeclarados

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
LGBTQIA+, eleições, orientação sexual, justiça eleitoral, TSE
Legenda: O Ceará é o segundo colocado no ranking brasileiro em termos de autodeclaração, atrás apenas de Roraima.
Foto: Shutterstock

Marcador inédito nas eleições deste ano, a autodeclaração de orientação sexual passou a compor a ficha de candidatura dos que vão se lançar às urnas em outubro. O preenchimento da informação é opcional e tem sido adotado por uma proporção entre 22% e 51% dos postulantes de cada estado brasileiro. No Ceará, 46,89% dos aspirantes a vereadores, prefeitos e vice-prefeitos escolheram externar sua orientação sexual à Justiça Eleitoral.

O Ceará é o segundo colocado no ranking brasileiro em termos de autodeclaração, atrás apenas de Roraima, com 51%. São 6.138 cearenses com sexualidade informada e 6.953 ocultas. Os dados foram colhidos na tarde de quarta-feira (28), na plataforma de estatísticas do perfil do eleitorado ofertada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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No Estado, assim como nos demais entes federados, a maioria dos candidatos se identifica como heterossexual, representando 97,78% do grupo lançado às urnas. Além deles, 1,03% se identifica como gay (63); 0,67% como lésbica (41); 0,36% como bissexual (22); 0,05% como assexual (3); e 0,03% como pansexual (2). Há, também, os enquadrados na categoria “não informado”: são 5, representando 0,08%.

Os candidatos também puderam adicionar a identidade de gênero, possibilidade aberta nas eleições de 2018. Daquele ano a 2022, pleito geral, o número de eleitores e eleitoras aptas a votar e retificados praticamente quintuplicou. O contingente de transexuais identificados corretamente no título de eleitor saltou de 8 mil para 37,6 mil nesse período. 

Em 2024, muitos e muitas deram um passo a mais na participação política e lançaram candidaturas: são 967 pessoas trans no páreo para prefeituras e câmaras municipais. No Ceará, 42 apresentaram registro de candidatura, equivalente a 0,3% do total de postulantes no Estado. Já outros 11.495 se identificam como cisgênero. Por sua vez, 1.521 pessoas preferiram não informar a identidade de gênero. 

Aqui, cabem algumas distinções. Orientação sexual é “capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas”, como indica o Manual de Comunicação LGBTI+.

Já a identidade de gênero é uma percepção sobre si relacionada ao gênero masculino, feminino, agênero, de gêneros não binários ou de alguma combinação de dois ou mais gêneros, independente de sexo biológico. “Não há gênero no sexo biológico em si, o que existe é uma expectativa social de gênero em relação ao corpo/genital”, explica, ainda, o manual desenvolvido pela Rede GayLatino e da Aliança Nacional LGBTI+, em parceria com a Universidade Federal do Paraná e outros. 

Assim, uma pessoa pode se identificar ou não com um gênero diferente daquele lhe atribuído ao nascimento, a partir de sua própria experiência interna e individual. Esse entendimento pode ser refletido ou não na expressão corporal, por meio de modificações na aparência por vias médicas, cirúrgicas e outros, além da adoção de vestimentas, modos de falar e maneirismos próprios. 

O 'boom' da vez

A decisão do TSE em possibilitar a autodeclaração de orientação sexual dos candidatos foi tomada após diálogos em comissão formada por parlamentares, advogados e representantes dos movimentos LGBTQIA+. O objetivo da novidade é ampliar o número de candidaturas dessa comunidade no processo eleitoral.

Demanda antiga do movimento social organizado, a medida pode dar novo fôlego para que, cada vez mais, pessoas não-heterossexuais participem dos processos políticos. É o que defende Samilla Marques, ativista LGBTQIA+ e diretora da seção Nordeste da Rede Trans Brasil.

“Isso é muito importante para a implementação das nossas políticas e para fazer o enfrentamento de algumas pautas conservadoras no Congresso, que se disseminam em algumas prefeituras, em algumas câmaras municipais. [...] Trazer esse recorte nos coloca em pé de igualdade na busca por representatividade nos partidos e na briga por uma cota”, afirma. 

Isso porque participação desse público nesses momentos políticos, diz Samilla, é cheia de percalços impostos, muitas vezes, pelos próprios partidos, o que demanda uma organização à parte dos seus próprios representantes. 

“Existem partidos ainda que não têm diretório, não têm secretaria que paute a nossa política, que é tão importante. É uma população que morre todo dia em razão da orientação sexual e da identidade de gênero. [...] Então ter essa representatividade nos dá a esperança de que ocupemos esses lugares, que é o nosso espaço de decisão e que não é momento mais de a gente buscar aliados, buscar pessoas que nos representem, se não nós mesmos. É aquela frase que a gente vem afirmando sempre: nada de nós sem nós”, completa. 

Já o crescimento do número de candidaturas identificadas como transexuais, celebrado pela ativista, ocorre em momento oportuno para a organização política desses cidadãos e cidadãs, tendo em vista os ganhos inéditos do último pleito geral na Câmara dos Deputados. 

“Eu costumo dizer que esta eleição é o ‘boom’ da vez, é o momento de visibilidade das pessoas trans na política. E a gente precisa surfar nessa onda mesmo – não moda, mas onda mesmo – que faz com que a população trans ascenda nesse universo político. [...] Quando a pessoa trans vai buscar um espaço na política, ela entende que mesmo que uma pessoa cisgênera seja aliada, ela não compreende a nossa luta. Então, nenhuma pessoa cisgênera vai entender a nossa pauta e as nossas dores e vai fazer a nossa defesa como nós mesmos”, avalia. 

Entenda termos do espectro da sexualidade*

  • Heterossexual (orientação sexual): atração pelo gênero oposto;
  • Gay (orientação sexual): atração pelo mesmo gênero (homens cis ou trans);
  • Lésbica (orientação sexual): atração pelo mesmo gênero (mulheres cis ou trans);
  • Bissexual (orientação sexual): atração por dois ou mais gêneros;
  • Assexual (orientação sexual): ausência total, parcial, condicional ou circunstancial de atração sexual por outra ou outras pessoas;
  • Pansexual (orientação sexual): atração física, amor e desejo sexual por outras pessoas, independente de sua identidade de gênero ou sexo biológico. Essa expressão rejeita especificamente a noção de dois gêneros e até de orientação sexual específica;
  • Cisgênero (identidade de gênero): indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero atribuído ao nascer;
  • Transgênero (identidade de gênero): pessoa adepta a identidade de gênero diferente daquela lhe atribuída no nascimento, devido à sua composição corporal e genital, podendo ou não desejar terapias hormonais ou cirurgias de afirmação de gênero.

*Manual de Comunicação LGBTI+

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