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Dinheiro que não chega: municípios do Ceará ainda aguardam R$ 56 milhões em emendas de deputados

Neste ano, foram R$ 16,2 milhões colocados à disposição de cada deputado para enviar aos municípios

Escrito por Wagner Mendes, Luana Barros e Igor Cavalcante ,
Sala de aula em Paramoti
Legenda: Prefeitura de Paramoti, no Ceará, aguarda recursos que poderiam auxiliar na estruturação da educação
Foto: Divulgação/Prefeitura de Paramoti

Com apenas 12 mil habitantes e localizada a 100 km de Fortaleza, a cidade de Paramoti, no Sertão de Canindé, foi uma das duas prefeituras cearenses que não atingiram a meta estabelecida pelo Estado no último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2019.

Para mudar essa realidade, a gestão municipal precisa de investimento público e de um projeto de política educacional continuada. O problema é que, neste ano, foi prometido para os paramotienses, por exemplo, o repasse de R$ 750 mil para reforma de creches e escolas — o que ainda não ocorreu em pleno mês de dezembro.

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O dinheiro esperado integra as chamadas emendas parlamentares individuais — repasse feito por deputados federais com recursos do orçamento da União. Neste ano de 2021, eram esperados cerca de R$ 323 milhões para as gestões municipais do Ceará. No entanto, ainda faltam ser pagos R$ 56 milhões.

Desde 2015, o Congresso Nacional aprovou a obrigatoriedade do pagamento desses valores, mas, por diversos motivos, nem sempre a execução é feita — e os gestores correm o risco de perder o investimento.

À reportagem, o secretário de educação de Paramoti, José Aurino Madeiro Silva, disse que o dinheiro está prometido para "o final do ano", e que será utilizado para "reforma e ampliação de escolas". 

A rede municipal conta com 2.200 alunos, da creche ao nono ano. Para avançar na política educacional da cidade, Aurino explica que "a reforma é importante para esse desenvolvimento".

Os dados levantados pelo Diário do Nordeste ocorreram na última semana de novembro. Essa reportagem integra a série “Rota das Emendas”, que busca seguir os caminhos dos recursos enviados por parlamentares cearenses aos municípios do Estado.

Falta na saúde e na infraestrutura

Já no extremo sul do Ceará, em Brejo Santo, não é de hoje que a chegada ou saída do município é trabalhosa do ponto de vista da malha viária.

Localizada a cerca de 300 km da Capital, a cidade tem a promessa do envio de R$ 2,5 milhões para obras de qualificação viária. Assim como Paramoti, a prefeitura espera o pagamento do valor oriundo das emendas individuais. Enquanto o dinheiro não vem, ações em benefício da população continuam paralisadas.

Brejo Santo também aguarda, ao longo deste ano, a transferência de R$ 1 milhão para ações relacionadas ao combate à seca.

Estrada esburacada em Brejo Santo
Legenda: Brejo Santo espera recursos de emendas para investimento na malha viária
Foto: Antônio Rodrigues

As pendências dos recursos se estendem por o Estado. Sofrendo as consequências administrativas da pandemia neste ano, o município de Icó ainda não recebeu o repasse de R$ 600 mil para aplicação em saúde primária.

Morrinhos também espera a transferência de R$ 1 milhão para a implementação e qualificação da malha viária. São ações administrativas do cotidiano da população que seguem paralisadas por conta do atraso no pagamento dos valores.

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"Cada um puxa brasa para sua sardinha"

Para o consultor da Associação dos Municípios do Estado do Ceará, ex-prefeito Nilson Diniz, a demora nos repasses para as administrações municipais causa um prejuízo para a rotina da cidade, mas o problema vai além. 

Ele aponta que o recurso das emendas não consegue solucionar questões históricas no interior, e que é preciso um olhar diferente para a execução desse dinheiro.

"Nós nunca tivemos  a oportunidade de trabalhar recursos para resolver problemas regionais. Cada um puxa brasa para a sua sardinha. Tem problemas que são extremamente estruturantes, seja na saúde, infraestrutura ou na questão da água que a gente poderia pensar de maneira mais coletiva", cobra o ex-gestor. 

Para Nilson, as emendas poderiam ser enviadas para uso em âmbito regional, e não apenas em um município. Com mais recursos concentrados, problemas em comum poderiam ser solucionados a partir de um planejamento. 

"Não temos insumos necessários hoje para receber recursos e usar em benefício de um colegiado de municípios. Hoje as coisas são feitas com cada um puxando brasa pra sua sardinha. Há um descompasso entre o que o estado as vezes planeja e o que os municípios planejam", pontua o consultor da entidade.

Umas com mais, outras com quase nada

Para o economista do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Vicente Ferrer, os impactos da demora nos repasses "são os piores possíveis". 

"Vemos uma certa falta de preparo das prefeituras que não trabalham o planejamento como devem, que não cumprem as determinações da lei para fazer com que aquilo que está empenhado que seja liquidado. Esses recursos são fundamentais num estado como o nosso que é paupérrimo", cobrou.

Um dos motivos pelos quais o dinheiro não entra pode estar ligado às questões burocráticas que o sistema impõe, além da ausência de projetos estruturados pelas prefeituras ou até falta de articulação entre a gestão e o representante em Brasília.

Em meio à demora no envio do recurso às prefeituras, o Ministério da Economia informou que o critério de liberação das emendas parlamentares parte de regras já pré-estabelecidas.

"Caso não sejam identificados impedimentos de ordem técnica, a celebração de instrumentos conveniais ou mesmo no caso de repasse fundo a fundo, os órgãos da União e os entes beneficiários das emendas devem observar as regras específicas de cada modalidade de transferência que será utilizado", diz a nota.

Ainda segundo Ferrer, um dos problemas mais graves enfrentados nas transferências das emendas são os desequilíbrios entre prefeituras. Enquanto uns recebem mais, outros recebem menos, ou quase nada.

"Por mais que digam que são critérios técnicos, que estão baseadas no IDH, mostrando as demandas, sabemos que isso não existe. Falta um critério técnico que faça com que esses recursos sejam melhor pulverizados entre os municípios e que eles venham a atender aquilo que é mais básico, como saneamento, destinação do lixo, saúde e educação", reforçou o economista.

Ausência de estrutura técnica

De acordo com o economista e conselheiro do Corecon-CE, Anderson Passos, boa parte das prefeituras depende de repasses de dinheiro do Governo Federal ou dos Estados, e que os valores das receitas próprias não conseguem atender às necessidades básicas dos munícipes.

Com a demora na chegada do dinheiro das emendas, segundo Passos, "o impacto é direto se os repasses não ocorrerem, ainda mais num momento de conjuntura econômica desfavorável".

Uma das razões da não chegada das cifras enviadas pelos parlamentares é a falta de conhecimento técnico para lidar com as regras. Em outras situações, faltam projetos construídos para receber o dinheiro. 

"A forma como o corpo técnico das prefeituras está composto é muitas vezes de indicação, e não é um critério técnico. Essa falta de técnica pode estar dificultando o processo para conseguir esse recurso", alerta.

De acordo com o conselheiro, em algumas situações o recurso pode até ser autorizado, mas a burocracia não é concluída. "Por não ter um corpo técnico preparado o recurso fica parado, ele não vem. O recurso empenhado e não é gasto", explica.

O que são as emendas?

É o Governo Federal quem executa o orçamento da União — investindo em saúde, educação, segurança pública, entre outros. No entanto, o Legislativo pode fazer alterações ao que o Executivo propõe quando faz o planejamento de como vai investir o dinheiro público no ano seguinte.

As mudanças ao texto ou incremento de iniciativas ao que a presidência da República envia ao Congresso Nacional são chamadas de emendas parlamentares. Neste ano, foram R$ 16,2 milhões colocados à disposição de cada deputado.

Desde 2015, as emendas se tornaram impositivas. Ou seja, o Governo Federal é obrigado a executar o planejamento feito pela Câmara dos Deputados. Ficou definido que o orçamento impositivo para as emendas parlamentares individuais ficaria no limite de 1,2% da receita corrente líquida, sendo metade deste percentual destinada à saúde.

Esse dinheiro pode ser transferido através de convênio, que ocorre em projetos como construção de escolas, ou no formato fundo a fundo, quando o recurso é alocado no caixa municipal para gastos com saúde. Nessa situação, é a prefeitura quem recebe a emenda que vai prestar contas diretamente com o Tribunal de Contas da União.

Acompanhe a série

Na reportagem da sexta-feira (17), o Diário do Nordeste detalha casos de prefeituras que foram esquecidas por deputados federais e que não receberam nada em emendas individuais.

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