Da visita de Bolsonaro às fake news: o que diz o relatório da CPI da Covid sobre o Ceará
Conduta do presidente também é considerada omissa diante da disseminação do vírus da Covid-19 em povos originários do Ceará
Enviada nesta terça-feira (19) a senadores, a minuta do relatório final da CPI da Covid-19, elaborada pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), cita diversos episódios ocorridos no Ceará durante a pandemia. As investigações relembram, por exemplo, notícias falsas divulgadas por aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) envolvendo o Estado. A própria viagem do chefe do Executivo aparece como uma evidência contra o Governo Federal.
Em 26 de fevereiro deste ano, o presidente esteve nos municípios de Tianguá e Caucaia para autorizar a retomada de obras viárias. À época, os eventos ficaram marcados pelas aglomerações, já que no mesmo período havia um aumento de casos e óbitos de Covid-19 no Ceará.
Viagem a Tianguá
Essa visita é usada como evidência por Renan Calheiros no capítulo do relatório que lista condutas adotadas por Bolsonaro contra as normas sanitárias.
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“O governo federal atuou para desestimular a população a adotar medidas não farmacológicas que contribuíssem para evitar a infecção pelo vírus Sars-Cov-2, presumindo que o contágio seguiria um curso natural e induziria à imunidade coletiva, para que as atividades econômicas pudessem ser retomadas”, aponta o relator.
“No Ceará, em visita no dia 26 de fevereiro de 2021, foram registrados diversos episódios de desrespeito às normas de isolamento social impostas pelo Poder Público estadual, editadas com a finalidade de reduzir a transmissão do coronavírus”, acrescenta Calheiros.
À época, o Ceará adotava medidas sociais mais rígidas contra o vírus, inclusive com ampliação do toque de recolher. A visita foi criticada pelo governador Camilo Santana (PT), que não compareceu ao evento. "Tenho todo respeito à autoridade, mas não posso compactuar com aquilo que considero um grave equívoco", disse na ocasião.
Em Tianguá, o presidente criticou a adoção de medidas rígidas. "Esses que fecham tudo e destroem empregos estão na contramão daquilo que seu povo quer. Não me critiquem, vão para o meio do povo mesmo depois das eleições”, afirmou o presidente.
Após a viagem de Bolsonaro ao Estado, o Ministério Público Federal no Ceará (MPF) encaminhou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, um ofício com pedido para investigar o presidente por crime contra a saúde pública. Esse documento é citado por Renan Calheiros.
“A comitiva presidencial provocou grandes aglomerações de pessoas, muitas delas sem o uso de máscaras de proteção facial e sem que o distanciamento social mínimo recomendado pelas autoridades sanitárias nacionais e estaduais fosse observado”, aponta o ofício.
“Além disso, o presidente da República não utilizou máscaras faciais ou se manteve em distanciamento dos apoiadores e da população que dele se aproximavam, condutas que eram reproduzidas por diversos membros de sua comitiva. Na cidade de Tianguá, por exemplo, o presidente da República teria ordenado a retirada de alambrados para que a população pudesse se aproximar e se amontoar nas proximidades do palanque", relata o MPF-CE.
Omissão diante dos povos originários
No capítulo em que analisa o impacto da pandemia sobre “povos indígenas”, o relator volta a citar o Ceará.
Calheiros resgata as conclusões tomadas por juristas, liderados pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, que apontam uma “deliberada omissão e condutas comissivas do presidente da República e dos órgãos a ele diretamente subordinados" no sentido de colocar em prática uma “política antiindigenista”.
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Para os juristas e o relator, Bolsonaro “planejou, incentivou, autorizou e permitiu” que a epidemia se alastrasse em comunidades indígenas, inclusive no Ceará.
“Os danos aos povos indígenas são graves. Eclipsaram os mortos pela pistolagem em muitos anos e deixaram um número ainda desconhecido de sequelados. Morreram idosos que guardavam conhecimentos ancestrais e desempenhavam um papel vital na preservação da sua cultura. Enquanto isso, o governo trabalhou para suspender as proteções legais e constitucionais às terras indígenas, tentando agregá-las à agropecuária e à mineração, dificultando, ainda, a repressão de crimes nessas áreas”, destaca o relator.
Divulgação de fake news
O relatório a ser analisado pela CPI da Covid-19 também levanta indícios da atuação de aliados do presidente na difusão de informações falsas. Um dos casos listados ocorreu em 26 de maio de 2020, quando o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos disse que, no Ceará, “pessoas estavam sendo presas por carregar a bandeira do Brasil”.
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À época, o Governo do Ceará desmentiu a informação. “É falsa a imagem postada em redes sociais que mostra a sacada de um prédio com bandeiras do Brasil como sendo no Ceará. Na verdade, a imagem é de um edifício em Blumenau (SC) e foi publicada originalmente em março de 2016”, esclareceu o Estado.
“Também é falsa a informação de que o Governo do Estado do Ceará tenha proibido a bandeira do Brasil no Ceará. Não existe determinação, orientação ou medida que impeça ou restrinja o uso da bandeira do Brasil no estado. Compreendemos que qualquer atitude que macule um dos principais símbolos nacionais se traduz em flagrante exemplo de desrespeito à democracia e contrário ao princípio do diálogo que tanto pregamos no Ceará”, finaliza o Governo.
Segundo as investigações, a disseminação das fake news na pandemia contou com uma rede organizada, com capacidade de alcance e influência política.
“Trata-se, na verdade, de produzir e difundir publicações com conteúdo falso ou intencionalmente distorcido, com viés sensacionalista visando a se espalhar para o maior número possível de pessoas, com o propósito de atacar as medidas de prevenção sanitárias adotadas por autoridades públicas no exercício de sua função, desacreditar dados estatísticos e estudos científicos e gerar confusão e medo nas pessoas, para que elas não compreendam as medidas implementadas ou tenham receio de segui-las”, conclui o relator.
Relatório da CPI
Motivo de divergência entre os senadores, o relatório da CPI deve ser lido nesta quarta-feira (20), durante sessão do colegiado. O texto ainda pode ser alterado pelos parlamentares. Até agora, a minuta enviada aos colegas por Renan Calheiros indica a responsabilização de 71 pessoas e duas empresas, a Precisa Medicamentos e a VTCLog, pela conduta durante a pandemia.
O texto ainda pede o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro pela suposta prática de 11 crimes. Depois de lido e aprovado pelos membros da CPI, o relatório será enviado a diversas instituições, como a Procuradoria-Geral da União e o Congresso, que poderão tomar medidas a partir das investigações.