Legislativo Judiciário Executivo

Da Enel a Pirâmides Financeiras, CPIs miram áreas diversas, mas têm dificuldade com resultados

Foram instaladas comissões para investigar temas como apostas esportivas, o MST e os atos golpistas do 8 de janeiro

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
CPMI 8 de Janeiro
Legenda: A CPMI dos atos de 8 de Janeiro foi uma das que movimentou o Congresso Nacional em 2023
Foto: Alan Santos/Câmara dos Deputados

Logo nos primeiros dias de 2024, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ganhou holofotes no País — e foi alvo de diversas críticas. Em São Paulo, requerimento do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), foi protocolado na Câmara Municipal, propondo a criação de comissão para investigar o trabalho filantrópico feito pelo padre Júlio Lancellotti na Cracolândia, no centro da capital paulista. 

A repercussão negativa fez com que alguns parlamentares que assinaram o requerimento afirmassem que vão retirar o apoio, e agora a CPI corre o risco de não ser instalada. A mobilização em torno de uma CPI não é, claro, uma exclusividade de 2024. O ano anterior, inclusive, foi recheado de comissões tanto no Congresso Nacional como em legislativos estaduais, incluindo o cearense. 

Contudo, poucas medidas efetivas foram adotadas após a investigação conduzida pelas comissões, inclusive com algumas delas encerrando as atividades sem ter sequer o relatório final votado. 

A Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) instalou CPI para investigar a distribuidora de energia elétrica Enel Ceará — um ato que teve apoio unânime dos 46 deputados estaduais. Iniciada com atraso de quase seis meses entre o requerimento e a instalação, a comissão terá continuidade no primeiro semestre de 2024, quando deve ouvir representantes da empresa e finalizar a elaboração de relatório para votação. 

Em Brasília, duas comissões tinham como alvo direto o Governo Lula (PT): a do MST e a dos atos golpistas do 8 de janeiro, no qual foram atacadas as sedes dos Três Poderes na capital federal. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro foi proposta pela oposição no Congresso como forma de investigar se o governo federal teria responsabilidade sobre os ataques. 

Reunindo senadores e deputados federais, a CPMI acabou tendo o percurso inicial modificado e encerrou pedindo o indiciamento, por exemplo, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de ex-ministros de seu governo, como Walter Braga Neto (Defesa) e  Augusto Heleno (GSI).

Outras quatro comissões investigativas foram instaladas: 

  • CPI das Americanas S.A.;
  • CPI das Pirâmides Financeiras;
  • CPI da manipulação de resultados em partidas de futebol; e
  • CPI da Braskem

O Diário do Nordeste faz um balanço dos resultados das investigações durante o ano de 2023 e elenca quais comissões devem ter continuidade para 2024.

Quais comissões devem continuar?

CPI da Enel

A criação da CPI da Enel no Ceará teve o apoio de todos os deputados estaduais, mas acabou demorando a ser instalada por conta da licença do deputado Fernando Santana (PT) — autor do requerimento e presidente da comissão. 

Instalada apenas em agosto, a CPI ouviu representantes de entidades, muitas com sugestões ou denúncias contra a distribuidora de energia elétrica. Entre as oitivas feitas, foram ouvidas a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), a Associação de Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece) e órgãos de defesa do consumidor, como Procon e Decon. 

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Os parlamentares também viajaram a outros estados para ter mais informações sobre CPIs instaladas contra empresas responsáveis pela distribuição de energia elétrica. Na Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, o alvo das investigações também é a Enel.     

Os trabalhos devem ter continuidade em 2024, após pedido de prorrogação. No retorno dos trabalhos legislativos, deve acontecer oitiva com a Enel Ceará, com a perspetiva de ouvir a empresa a respeito das reclamações quanto a prestação de serviço no Estado. A perspectiva do presidente da comissão é de que a audiência com representantes da empresa ocorra até março. 

Depois disso, deve ser finalizada a elaboração do relatório final, de responsabilidade do deputado Guilherme Landim (PDT), para a votação pelos integrantes da comissão. Com a prorrogação, a CPI da Enel pode funcionar até o mês de junho, mas a perspectiva dos parlamentares é de que os trabalhos sejam encerrados antes disso. 

CPI da Enel
Legenda: CPI da Enel na Assembleia Legislativa do Ceará
Foto: Alece

CPI da Braskem

Nas vésperas do recesso legislativo, o Senado instalou CPI para investigar "os efeitos da responsabilidade jurídica socioambiental da empresa Braskem". Em dezembro, uma das minas da empresa em Maceió, capital de Alagoas, desabou após décadas de mineração da Braskem na cidade.

Apesar do desabamento ter ocorrido há menos de um mês, o colapso do solo em Maceió começou em 2018 e afetou cinco bairros, que tiveram que ser evacuados. No total, foram mais de 14 mil imóveis desocupados, com mais de 60 mil pessoas afetadas. 

O agravamento da situação levou a instalação da CPI no dia 13 de dezembro, mas houve apenas a eleição da presidência da comissão, que ficou com o senador Omar Aziz (PSD). A disputa pela relatoria da CPI e a definição do cronograma de trabalho deve ser feita apenas no retorno do recesso legislativo, em fevereiro. 

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A CPI foi proposta pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que é adversário político do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em Alagoas. Lira, por sua vez, é aliado ao prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL) — que pode ser candidato à reeleição na capital alagoana.  

Investigações encerradas

CPMI do 8 de Janeiro

A CPMI dos Atos de 8 de Janeiro foi proposta, inicialmente, por deputados e senadores da oposição ao Governo Lula e tinha como meta investigar "os atos de ação e omissão ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 nas sedes dos Três Poderes da República". Contudo, após a instalação da comissão, a maioria dos integrantes acabou sendo alinhada ao governo, incluindo a relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).

CPMI 8 de Janeiro
Legenda: Foto de parlamentares governistas que integraram a CPMI 8 de Janeiro após aprovação do relatório
Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

O relatório pediu o indiciamento de 61 pessoas por crimes como associação criminosa, violência política, abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado — no total, foram listados 26 crimes pela relatora.  

Entre os indiciados, estavam o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros de seu governo, como Augusto Heleno (GSI) e Braga Netto (Defesa),  parlamentares ligados a ele, como Carla Zambeli (PL-SP), e outros aliados, como o ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. 

Também foram pedidos os indiciamentos de integrantes do Gabinete de Segurança Institucional e da Polícia Militar do Distrito Federal, além de empresários acusados de financiar os acampamentos montados após o resultado das eleições de 2022. 

A tentativa de parlamentares da oposição de pedir o indiciamento de Gonçalves Dias, ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), ambos titulares de pasta durante o governo petista, acabou rejeitada. 

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Após a aprovação, o relatório foi entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é o relator dos inquéritos para apurar os atos golpistas que tramitam no Supremo. 

Outros órgãos que receberam o relatório foram a Procuradoria-Geral da República, a Controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal. 

CPI das Pirâmides Financeiras

A comissão foi instalada em junho para investigar esquemas de pirâmides financeiras com uso de criptomoedas. A base foram dados da Comissão de Valores Mobiliários, vinculada ao Ministério da Fazenda, de que empresas estariam captando clientes por meio de promessa de rentabilidade alta ou garantida e, depois, impedirem o acesso destes clientes aos rendimentos. 

O relatório final, de autoria do deputado Ricardo Silva (PSD-SP), recomendava o indiciamento de 45 pessoas por "fortes indícios" de participarem do esquema. Entre elas, estão companhias como a 123 milhas e a 18K Ronaldinho, fundada pelo ex-jogador Ronaldinho Gaúcho. 

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Além das sugestões de indiciamento, o relatório também propõe a apresentação de quatro projetos de lei para regulamentar, por exemplo, o funcionamento de programas de milhagem de empresas áreas e a publicidade feita por influenciadores digitais de criptoativos. 

Aprovado, o relatório foi encaminhado para diversos órgãos, entre eles o Ministério da Justiça e Segurança Pública. "Nós vimos aqui um rol bastante adequado e extenso de crimes, um deles estelionato, crimes contra o sistema financeiro nacional, associação criminosa, lavagem de dinheiro. Portanto, um rol explícito, um rol já visível que justifica, sem dúvida, análise pela Polícia Federal", disse o então titular da pasta, Flávio Dino. 

Os dados também foram enviados para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

CPI da Americanas

Apesar do relatório da CPI das Americanas ter sido aprovado pela comissão, o texto foi criticado por parlamentares por não ter apontado os responsáveis pelo rombo de R$ 20 bilhões na empresa. A comissão, inclusive, não chegou a ouvir os principais acionistas da Americanas — Carlos Alberto da Veiga Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles. 

Defensores do relatório disseram que a CPI ficou "sem instrumentos para aprofundar as investigações" e que "não deu tempo para sermos inquisidores. "Não tem comprovação e não deu tempo para sermos inquisidores, fazer papel de polícia, juiz e promotor ", disse o relator da CPI, Carlos Chiodini (MDB-SC). 

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Sem recomendações para indiciamentos — algo que é comum em CPIs — nem apontamento de responsáveis, a CPI acabou sendo acusada de "blindagem" contra os empresários. No relatório, aprovado por 18 a 8, sugere apenas projetos de lei para o combate a crimes na gestão de empresas.  

Sem conclusão

CPI do MST

A comissão encerrou os trabalhos no final de setembro sem conseguir votar o relatório final, elaborado pelo deputado Ricardo Salles (PL-SP) — o texto recomendava o indiciamento de 11 pessoas. A CPI tinha como intenção, segundo requerimento, investigar o "real propósito" do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) "assim como dos seus financiadores". 

CPI do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
Legenda: CPI do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
Foto: MyKe Sena/Câmara dos Deputados

O presidente da CPI, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), chegou a acusar o governo federal de "jogar baixo" para que não houvesse a votação do relatório, inclusive acusando que houve pressão "em meio a negociações por cargos". 

Do lado governista, parlamentares falaram que foram levadas "denúncias vazias" para a CPI que acabou tendo um "fim melancólico". 

CPI da Manipulação no Futebol

Criada após o Ministério Público de Goiás apontar indícios de manipulação do resultado de seis jogos da série A do Campeonato Brasileiro de 2022, a CPI instalada para investigar a questão também encerrou sem a votação do relatório final. 

Chegaram a ser ouvidos jogadores, árbitros, empresários do setor de apostas esportivas e representantes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Deputados federais impediram a votação — por meio de pedidos de vista — após ficarem insatisfeitos com o relatório, elaborado pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE).

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