Como as decisões políticas impactam na abertura de novas vagas e cursos de Medicina no País
Os últimos quatro governos editaram medidas a respeito da autorização para funcionamento de novas escolas médicas no Brasil
O número de cursos de Medicina no País mais do que triplicou em menos de 20 anos, o que motivou a adoção de diferentes medidas governamentais sobre a abertura de novas graduações e vagas para a formação desses profissionais da Saúde. A última delas foi publicada, pelo Ministério da Educação (MEC), na última quinta-feira (6).
Após cinco anos de proibição da abertura de novos cursos ou vagas – decisão tomada em moratória pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) –, o ministro Camilo Santana (PT) retoma um modelo mais próximo ao agora pelo Governo Dilma Rousseff (PT): levar os cursos de Medicina para regiões onde existe maior necessidade desses profissionais.
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A notícia da decisão foi antecipada por Camilo em entrevista à TV Verdes Mares na última segunda-feira (3). A meta, segundo ele, é "garantir que aqueles cursos estejam mais próximos onde há uma necessidade de médicos para atendimento à população".
O alinhamento, seja na gestão petista anterior seja na atual, é ao programa Mais Médico, cuja meta é expandir o atendimento médico para municípios e áreas mais remotas do País.
A discussão a respeito do assunto perpassou ainda o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no qual chegaram a ser editadas duas portarias sobre o assunto – ambas revogadas poucos dias depois. Os dois documentos autorizaram a abertura de novas vagas em Medicina, embora com critérios diferentes.
O que diz a nova portaria do MEC?
A abertura de novas graduações em Medicina em instituições privadas de Ensino Superior será autorizada por meio de chamamentos públicos feitos pelo Ministério da Educação. Eles devem ser publicados em um prazo máximo de seis meses após a portaria 650/2023, assinada por Camilo Santana, ter sido divulgada no Diário Oficial da União.
> Portaria 650/2023
O documento estabelece duas modalidades a serem incluídas nos chamamentos públicos: necessidade especial e estrutura de serviços conexos à saúde e à formação médica.
Na primeira delas, conforme adiantado pelo ministro da Educação, serão priorizados cursos em regiões com "menor relação de vagas e médicos por habitante".
Já na segunda modalidade, o foco é a integração com o "sistema de saúde regional por meio do estabelecimento de parcerias entre a instituição proponente e unidades hospitalares (pública ou particular) que possibilitem campo de prática durante a formação médica", além da exigência de oferta de "formação médica especializada em residência médica".
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As duas modalidades são vinculadas, pela portaria, à Lei nº 12.871, que instituiu o Programa Mais Médicos em 2013, durante o Governo Dilma. Nela, o artigo 3º é focado nos critérios para a autorização ao funcionamento de cursos de medicina.
A legislação estabelece como critério a "necessidade social" do novo curso de Medicina para a cidade e região onde poderá se localizar, exigindo, por exemplo, a relação entre o número de habitantes e o número de médicos naquele município e a descrição do número de outras graduações equivalentes já existentes na região.
Proibição de novos cursos
Editada em 2018, a portaria do Ministério da Educação que ficou conhecida como “Moratória da Abertura de Cursos de Medicina” suspendeu, por cinco anos, a criação de novos cursos de Medicina e o pedido de aumento de vagas em cursos já existentes no País. Titular da pasta na época, Mendonça Filho citou que o objetivo da medida era aprimorar a avaliação de qualidade das graduações oferecidas na área.
Naquele ano, o Brasil possuía 322 cursos de Medicina – entre instituições públicas e privadas. O número é quase o triplo de 2003, quando havia 113 graduações na área. Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Apesar da suspensão imposta pelo Governo Temer, houve um aumento de cursos e vagas para formação médica nos últimos 5 anos. Parte delas ocorreram por conta de editais que foram abertos antes da portaria de 2018. A maior parte delas, no entanto, foram autorizadas por liminares judiciais.
"O objetivo da moratória era reduzir a quantidade de cursos, (mas) fez foi aumentar", criticou Camilo Santana. "O que aconteceu com essa moratória é que o MEC perdeu, um pouco, a coordenação disso, o protagonismo nisso, a liderança nessa decisão (de abertura de novos cursos)", alega o ministro.
Em 2022, eram 389 escolas médicas em atividade no País, segundo o estudo Demografia Médica no Brasil 2023, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em parceria com a Associação Médica Brasileira. Juntas, elas oferecem mais de 41,8 mil vagas de graduação.
Outro dado importante trazido pelo estudo é de que o acelerado aumento de vagas foi encabeçado por instituições de ensino privadas: em duas décadas, houve um aumento de 358% de vagas em instituições particulares – saindo de 7 mil para 38 mil. Em comparação, em universidades públicas, o aumento foi de 65% – de 5,9 mil para 9,7 mil.
Tentativas de retomar a abertura de cursos de Medicina
O Governo Bolsonaro fez duas tentativas de revogar a suspensão de autorizações de novas vagas ou cursos de Medicina no País. A primeira delas, em maio de 2022, foi revogada menos de uma semana depois pelo próprio MEC.
Publicada no dia 12 de maio do ano passado, a portaria passava a autorizar a criação de novas vagas em cursos de Medicina já autorizados pelo Ministério da Educação – estabelecendo um teto de 100 novas vagas por curso.
Poucos dias depois, no entanto, a medida foi revogada pelo MEC. "A área técnica identificou a necessidade de retomar as atividades do Grupo de Trabalho (GT) para debater mais amplamente o tema", justificou à época a pasta.
Uma nova portaria foi editada estabelecendo "o fluxo, os procedimentos e o padrão decisório dos atos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores de medicina".
O documento foi publicado no dia 31 de dezembro de 2022 – último dia do Governo Bolsonaro –, "ao apagar das luzes", conforme definiu Camilo Santana no dia 4 de janeiro, "sem ter sequer parecer jurídico conclusivo da Consultoria Jurídica do MEC".
Com isso, a suspensão de autorização de novos cursos estabelecida pelo Governo Temer valeu como regra até a última quarta-feira (5), data estabelecida pela própria portaria como fim do prazo.
O que dizem as entidades médicas?
Com o fim do período de suspensão de abertura de novos cursos e vagas de Medicina, diferentes entidades médicas se manifestaram sobre a necessidade de um diálogo mais efetivo entre essas instituições e o governo federal para a elaboração não apenas de critérios para a autorização como também para avaliação da formação médica ofertada no País atualmente.
Um dos principais pontos defendidos é a efetividade de Grupo de Trabalho para discutir o assunto – conforme previsto na moratória estabelecida durante o Governo Temer, mas que não foi instituído plenamente, segundo as próprias entidades.
A Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) chegou a sugerir que novos processos autorizativos permanecessem suspensos até que fosse possível construir "critérios validados que assegurem a qualidade do ensino médico" e a produção de "proposta de marco legal seguro técnica e juridicamente".
O Conselho Federal de Medicina (CFM) defendeu a adoção de cinco critérios que os municípios onde houve pedidos de abertura de novos cursos de formação médica precisam cumprir. São eles:
- A oferta de cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno;
- O acompanhamento de cada equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) por no máximo três alunos de graduação;
- A presença de hospital de ensino com mais de 100 leitos exclusivos.
"Sem essas estruturas disponíveis, o processo de formação pode ser comprometido, pois a medicina, ao contrário de outras atividades, depende de campos de prática para que o ciclo de ensino-aprendizado seja completado com êxito", disse o presidente do Conselho, José Hiran Gallo.
A Federação Nacional dos Médicos lembrou que apenas a "abertura de cursos de Medicina em locais com carências de profissionais da área não configura medida suficiente e efetiva para garantir um processo de interiorização da assistência médica".
"A expansão de cursos e vagas, necessariamente deve estar atrelada e limitada pela existência (em dimensão suficiente) de estrutura para oferta de cenários de prática e docentes com formação médica para ensinar nas disciplinas específicas bem como à oferta de programas de residência médica para especialização e à capacidade de oferta de postos de trabalho médico no País".