Como a mobilização natalina influencia na imagem de prefeitos na véspera do ano eleitoral
A menos de um ano da eleição, Natal se torna ação estratégica com verniz de política pública e ativo relevante para afetar potenciais eleitores
Em Sobral, ônibus do transporte coletivo do município se deslocam pelas principais vias da cidade com luzes instaladas por toda a carroceria do veículo. Enquanto isso, do lado oposto do mapa do Ceará, em Cascavel, peças publicitárias na rede social do prefeito exibem a decoração natalina contratada pela gestão municipal e anunciam a programação do evento organizado na Praça Nossa Senhora do Ó, no Centro.
Os dois exemplos mencionados, apesar de situados em municípios do Ceará, não são episódios isolados, mas medidas adotadas pelo poder público em todo o Brasil. Ao longo de todo o mês de dezembro, shows são promovidos pelas prefeituras, estruturas que reproduzem os tradicionais pinheiros são montadas em locais públicos e outros símbolos relacionados com o imaginário da festa passam a ocupar um espaço privilegiado no cotidiano dos moradores.
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Seja para alavancar as vendas do comércio local seja para mobilizar a opinião pública em prol de uma imagem positiva da administração municipal - dando destaque ao Menino Jesus ou ao Papai Noel -, o Natal se torna uma ação estratégica com verniz de política pública e um ativo relevante para o cenário pré-eleitoral que está por vir no próximo ano.
Prioridades das gestões
Para Joerly Vítor, que está à frente da Prefeitura de Aratuba, na região do Maçiço do Baturité, a celebração é uma oportunidade com reflexos positivos para a economia. "A partir do momento que você proporciona essas atividades, esses eventos, toda uma economia é movimentada. Lá no espaço você tem o pessoal do comércio local que acaba colocando suas barracas para vender alimentos e bebidas", exemplifica.
"Fizemos toda a parte de ornamentação e da iluminação, desde a entrada da cidade até a praça principal. Iniciamos a programação na quinta-feira passada, dia 14 de dezembro", comentou. Bandas, orquestras, corais, apresentações teatrais e outras manifestações fazem parte do cronograma preparado pela equipe organizadora.
Segundo o prefeito, a organização é feita de maneira conjunta, em parceria com o Governo Federal. "O Ministério da Cultura fez a parte da ornamentação e a Prefeitura está entrando com a infraestrutura", disse, relatando que o recurso financeiro investido pelo Município com a parcela que é de sua responsabilidade foi de aproximadamente R$ 100 mil. Outra ação promovida este ano será a entrega de 19 toneladas de frangos para a população.
"Instituímos em 2023 o programa Natal Sem Fome. Neste sábado, 23, estaremos distribuindo, para todas as famílias residentes no município de Aratuba, as aves natalinas", complementa Joerly, contabilizando um investimento de R$ 360 mil.
Chefe do Executivo de Juazeiro do Norte, na região do Cariri, Glêdson Bezerra diz que o Natal terá outros contornos, mais diminutos, em razão do contexto financeiro desfavorável, com baixas nos repasses da administração federal e nos tributos que ajudam a compor as receitas municipais.
"Não vamos fazer festividades com músicas ou bandas. Estamos enfrentando uma situação financeira muito complexa, como a maioria dos municípios do País que passam por quedas na arrecadação do Fundeb, FPM e ICMS, portanto não faremos esse investimento, até porque não é a nossa vocação. Não inovaremos nesse sentido", alega.
A festa na municipalidade, conhecida pelo périplo de fiéis que buscam conhecer de perto a história do Padre Cícero, irá se conter com a instalação de uma iluminação natalina, na montagem de uma ornamentação pública e na presença do Bom Velhinho em um dos equipamentos culturais da cidade.
"Nossa intenção inicialmente foi promover uma iluminação natalina que torne nossa cidade atrativa. Já temos uma cidade referência na região e a partir do investimento que a fazemos na decoração, na iluminação, na disponibilização do Papai Noel em um lugar estratégico, a gente acredita que consegue atrair, em especial, o público aqui do Cariri", argumenta.
O intuito da Prefeitura de Juazeiro do Norte, justifica Bezerra, é aproveitar o número significativo de visitantes e ofertar a eles - assim como para o público da região - atrativos que fomentem a movimentação no comércio e aquecer as vendas.
Perguntado sobre a possibilidade da conversão de toda essa movimentação natalina em capital político, ele negou que esse seja o objetivo primário, mas admitiu que isso pode ser um reflexo: "Pode ser consequência. Não encaro como tal. O que encaro é que temos a necessidade de fomentar a cultura do nosso município. Então a gente encara isso como um programa de governo mesmo". "Se vai ter algum dividendo político, ou não, é consequência", completa.
Calendário festivo é útil para o marketing
Mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em Comunicação Política e Corporativa pela Universidade Salvador (Unifacs), o jornalista Celso Duran explica que os festejos juninos se inserem numa programática interessante para a construção da marca dos agentes públicos.
"No Brasil, de uma maneira geral, o marketing político segue um calendário festivo, em que os políticos e os marqueteiros ligados à política ficam atentos às datas festivas para expressar algum valor, ideia ou afinidade daquele político, ou candidato, com a data”.
"No caso do Natal, é algo muito específico, não só por ser Natal, mas a comunicação de maneira geral, o marketing de maneira geral, tem se voltado muito para o emocional. Temos a ferramenta do storytelling, por exemplo, que é algo batido, que se fala muito, mas é muito utilizado. É experiência, o valor, a emoção por trás de um produto, de uma ideia ou ideologia política", complementou o profissional, que também atua como professor de Comunicação e consultor de marca pessoal.
Questionado sobre a presença destas movimentações nas redes, ele expõe que essa dinâmica é transposta a dimensão virtual: “A rede social segue também esse calendário de datas festivas que proporciona aos políticos a possibilidade de apresentar seus valores para a comunidade, para seus eleitores ou para pessoas que possam vir se tornar seus eleitores ou não. Temos aí uma série de nuances. Pelo Natal ser uma festa católica, depende muito do pensamento religioso do político, por exemplo”.
As postagens e outros posicionamentos podem ter um efeito contrário, pois não podem estar descolados de uma postura construída no decorrer da vida pública. “O Natal é uma data festiva que não é pontual. Falamos muito de reputação no marketing político, então é um momento de você, por exemplo, fortalecer um valor seu que ao longo da sua carreira política vem propagando. Hoje em dia o marketing é muito pautado na coerência. Não adianta ser incoerente, falar uma coisa e fazer outra coisa”.
De modo semelhante, a coerência na realização de festividades é algo a ser considerado no marketing. “Se você, no caso de um político, se propôs a não fazer uma série de eventos, mas propôs em sua plataforma ou como bandeira política o entretenimento, é coerente que você realize eventos, caso faça responsavelmente", adverte.
"A gente vive em um país que o entretenimento tem um peso muito grande, a cultura brasileira se volta muito para o entretenimento, o que é uma coisa bacana, mas, ao mesmo tempo, exige do gestor público a necessidade de ponderar”, alerta Duran.
Rayane Moreira, consultora em marketing político e eleitoral, analisa o comportamento estratégico que o Natal é uma data ideal para a consolidação de uma imagem. "Essa estratégia parte muito da humanização, porque é uma forma deles criarem conexão com o eleitor, que não vai votar em quem não conhece. Quando aproveitam o Natal ou essas festas de fim de ano, por exemplo, eles conseguem estreitar essa relação, criar conexão e empatia com esse eleitor", salienta.
Moreira enfatiza que, quando isso é levado para a internet, a tática acentua outra característica: a de influenciar na decisão das urnas no próximo ano: "Hoje as redes sociais têm um grande impacto na decisão de voto do eleitor. Então tem assuntos que têm uma atenção maior, como o Natal, ele pode ser aproveitado para produzir conteúdo para a internet".
Mestra em Ciência Política pela Universidade de Lisboa (ULisboa), ela pondera que o momento, aliado a outras iniciativas de proximidade durante o resto do ano, pode criar uma empatia e uma conexão do eleitorado.
"Nesse momento, a maioria dos eleitores não está preocupada em quem vai votar no próximo ano. Quem está preocupado neste momento são os agentes e as pessoas que trabalham neste âmbito político. Nesse momento, não é para estar sendo lançada a sua pré-candidatura, porque o eleitor não está com o foco nisso".
"Se você cria esse canal de diálogo com o eleitor, não vai ser lá em agosto, quando é permitida a propaganda eleitoral, que você pedirá o voto, porque isso não se converterá em voto. O eleitor precisa, antes de tudo, conhecer os seus valores, criar empatia por você e uma emoção", completa a pesquisadora.
MPCE está de olho nas contratações
Consultado acerca de possíveis recomendações às prefeituras no que diz respeito a contratação de atrações e instalação de decorações temáticas, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) informa que a fiscalização dos eventos é uma das tarefas realizadas pelo órgão, que observa "a adequação dos processos de licitação ou de dispensa de licitação ao Estatuto de Licitação e Contratos, e se há orçamento definido para a área cultural".
"Em relação aos processos licitatórios, é verificado, com base em análise de preços, se os orçamentos estão de acordo com o mercado. Caso seja constatada irregularidade, o MP pode ajuizar Ação Civil Pública (ACP) para que o evento seja suspenso. Caso sejam apresentados indícios significativos de improbidade administrativa, a unidade ministerial pode ainda abrir procedimento administrativo para apurar a possível prática do crime", descreve o parquet em nota.
Com relação aos recursos financeiros, frisa o órgão, a fiscalização verifica a origem do orçamento. "Caso seja constatado que os recursos fazem parte de despesas de outras áreas, como Saúde e Educação, pode-se configurar crime contra as finanças públicas", finaliza.